Cultura inútil: Jornalismo, pós-verdade e o charuto das Filipinas

De George Orwell a Malcolm X, passando por Marguerite Duras, Frank Zappa e Barão de Itararé, Mouzar Benedito reúne as melhores frases e ditados sobre "jornalismo"!

Por Mouzar Benedito.

Tenho lido bastante sobre a era da “pós-verdade” e alguns comentaristas afirmam que o jornalismo será a vacina contra essa forma de espalhar notícias mentirosas. O “bom jornalismo”. Espero que ele venha. Mas começo aqui falando de uma crônica de João do Rio, no início do século XX.

A crônica se chama “O charuto das Filipinas”. Nela, ele fala de um povo filipino que tinha um costume muito estranho.

Mantinha num determinado lugar da casa um charutão enorme, de uso familiar: “Mede um pé e meio de comprimento e tem uma polegada de grossura”, em altura que qualquer criança pode agarrar. “Porque nas Filipinas todo mundo fuma: o velho patriarca, o moço patriarca, o filho do patriarca e mesmo os netos. Um filipino de três anos não deixa de puxar a sua fumaça no charutão desconforme. As crianças de mama variam a chupação entre a mamadeira e o charuto”.

Em seguida, sua crônica muda de assunto. Passeando numa avenida com um amigo, o sujeito foi-lhe indicando várias pessoas, falando mais ou menos assim: “Tá vendo aquele cara lá? Andava desocupado, não sabia o que fazer, agora é jornalista”. E aquele outro? Sem vocação para nada, agora é jornalista também.

Foi indo assim: “Um pequeno estudante arranja um emprego político e amanhece repórter, redator, jornalista. Um cidadão qualquer fracassou em todas as profissões, quebrou, foi posto fora de um clube jogo. Que faz? É jornalista. Aquele moço bonito, cuja bolsa parca só se compara à opulência da vontade de frequentar as rodas chiques, vê-se à beira do abismo? Não há hesitações. Faz-se jornalista…”.

Assim vai indo, até que encontra um tal de Eusébio, que acabara de se proclamar jornalista. “Mas, Eusébio, você entende de jornal?”, perguntou. No que o cara respondeu: “Quem não entende desse negócio de jornal? Jornalismo é como o cigarro. Não há quem não tenha experimentado”.

“Foi então que me lembrei do charutão das Filipinas”, conclui ele. “A imprensa carioca é bem esse charuto que toda a gente chupa, que anda por todas as bocas, dos pirralhos de mama aos velhos cretinos.”

Bom… A coisa mudou?

Depois, acho que em 1966, a profissão foi legalizada, passou-se a ser exigido diploma universitário para a sua prática. Deram um tempo para quem já praticava a profissão na época, para se registrar e tornar-se jornalista profissional legalizado. Muita gente não gostou, argumentando que era coisa da ditadura. Mas a lei pegou.

Nos anos 1970, eu gostava da imprensa alternativa, especialmente do Pasquim, do Opinião e do Movimento, e resolvi ser jornalista também, com intenção de juntar uma profissão, uma forma de garantir a sobrevivência, com a militância contra a ditadura. Jornalismo para mim seria isso: uma militância, com a vantagem de ser também um trabalho remunerado. Lembrava da frase de Millôr Fernandes: “Jornalismo é oposição, o resto é armazém de secos e molhados”.

Só que isso de ser uma forma de sobrevivência não valeu muito comigo, pelo menos por um bom tempo. “Antigamente” os pais diziam aos filhos que queriam ser jogadores de futebol e não aprendiam uma profissão, ou não estudavam: “Futebol não dá camisa a ninguém”.

Ainda estudante, ajudei a fundar o Versus e o Em Tempo, colaborei no Pasquim, no Movimento, Brasil Mulher, Mulherio e outros jornais alternativos e passei a falar: “Jornalismo não dá camisa a ninguém. Ao contrário, tira a camisa”. Por causa da minha militância jornalística, perdi vários empregos fora dessa área, inclusive no Sesc, onde, entre várias outras coisas que fazia, pesquisava cultura popular no Brasil todo e ganhava bem.

Citei o Versus aí e lembro-me que nele a gente fazia o contrário do que se ensina em faculdades e que tento continuar fazendo: nossa proposta era colocar o jornalista no meio dos acontecimentos, sentindo, vendo, opinando, mas deixando claro que estava opinando. Acho uma grande hipocrisia isso de jornais e jornalistas que se dizem “neutros” mas manipulam as informações, favorecendo quem lhes convém e ferrando quem lhes convém ferrar.

Mais tarde comecei a trabalhar profissionalmente como jornalista e pensava: o que aprendi no curso de Geografia me dava muito mais condições de praticar a profissão do que no curso de Jornalismo. Então, achava que o diploma não era tão necessário assim. Pensava que talvez, para ter o direito de praticar a profissão, pudesse haver uma espécie de curso de pós-graduação para graduados em qualquer área, especialmente de ciências humanas, em que se estudasse técnicas relacionadas ao jornalismo e especialmente ética. Enfim, não defendia o diploma.

Mas começou-se então uma espécie de campanha contra a necessidade de diploma para ser jornalista, mas só para a profissão de jornalista. Todo mundo achava que podia ser jornalista, mas a gente não podia praticar a profissão dos outros. Advogados, sociólogos, economistas… Ora, tem que liberar geral, para qualquer profissão. Qualquer mesmo!

Argumentam que profissões como a de médico e a de advogado precisam de diploma porque tratam da vida e da liberdade das pessoas. Mas isso acontece sempre? E se alguém aprendeu por conta própria, porque não pode fazer um exame da ordem ou conselho dessas profissões (e todas as outras) e, se aprovado, praticar a profissão legalmente?

Um argumento (que concordo) é que a maioria das faculdades de jornalismo não forma bons profissionais. E que grandes jornalistas do passado não tinham diploma. Mas tanto numa coisa como na outra não é assim em qualquer profissão? Quanto à qualidade das faculdades, basta lembrar que a OAB, Ordem dos Advogados do Brasil, tem um exame para que o formado na área faça e só se for aprovado possa praticar a profissão. E em qualquer área existem faculdades boas e faculdades ruins. E lembro que o advogado que mais admiro não era formado, aliás, não tinha nem curso primário. O rábula (advogado não formado) Luiz Gama exerceu a profissão com conhecimentos e ética invejáveis. Libertou mais de quinhentos escravos.

De uns tempos para cá, fico admirado com algumas exigências (ou não) para se trabalhar em algumas coisas. Existe um projeto de lei no Congresso que, se aprovado, vai exigir que para ser barista – o profissional que faz café expresso – será necessário ter um curso, ser diplomado na área. E penso: para fazer café, vai ser preciso ter diploma; para ser jornalista, coisa que consideram tão importante, não é preciso.

Claro que a profissão tem sido praticada com um certo desprezo pela ética, não é? Não por todo mundo, mas dá vergonha para um jornalista que respeite a profissão ver o que alguns, ou muitos, fazem com ela. E os seus praticantes não formados não são melhores. Ao contrário. Vejam as colunas de um bando de não formados nos jornais e nas revistas.

Bem… Para manter o costume de colocar nos meus textos um monte de frases e opiniões alheias, selecionei um monte delas. Infelizmente para nós jornalistas, a grande maioria não nos é favorável. Antes de entrar nelas, quero lembrar o que dizia um grande repórter (quase dois metros de altura, mas grande também na profissão), José Roberto Alencar (não formado): uma pessoa que não se sensibiliza diante de injustiças não serve para ser jornalista. Eu complementava: tem que ser curioso também. Minhas duas profissões principais, jornalista e geógrafo exigem que as pessoas sejam curiosas. Mas vejo jornalistas que parecem não ter o menor interesse pelo que fazem. E também não se incomodam diante de injustiças. Simplesmente obedecem.

Aí vai a lista de frases.

George Orwell: “Jornalismo é publicar aquilo que alguém não quer que se publique. Todo o resto é publicidade”.

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Gabriel García Márquez: “A ética deve acompanhar sempre o jornalismo, como o zumbido acompanha o besouro”.

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Che Guevara: “Ser jornalista e não ser louco é uma contradição genética”.

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Julian Assange: “Se o jornalismo é bom, é controverso por natureza”.

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Marilyn Manson: “As pessoas são atraídas pelo sensacionalismo e a mídia incentiva isso. Você pode ser manipulado por isso ou torná-lo parte de sua arte. Eu o tornei parte da minha”.

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Malcolm X: “Se você não cuidar, os jornais farão você odiar as pessoas que estão sendo oprimidas, e amar as pessoas que estão oprimindo”.

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Balzac: “O jornal é uma tenda na qual se vendem ao público as palavras da cor que se deseja”.

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Cláudio Abramo: “O jornalismo é, antes de tudo e sobretudo, a prática diária da inteligência e o exercício cotidiano do caráter”.

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Cláudio Abramo, de novo: “Para ser jornalista é preciso ter uma formação cultural sólida, científica ou humanística. Mas as escolas são precárias. Como dar um curso sobre algo que nem consigo definir direito?”.

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Marguerite Duras: “Os jornalistas são os trabalhadores manuais, os operários da palavra. O jornalismo só pode ser literatura quando é apaixonado”.

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Clarice Lispector: “Nos meus livros quero profundamente a comunicação profunda comigo e com o leitor. Aqui no jornal apenas falo com o leitor e agrada-me que ele fique agradado”.

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Oscar Wilde: “A diferença entre a literatura e o jornalismo é que o jornalismo é ilegível e a literatura não é lida”.

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Oscar Wilde, de novo: “O jornalismo moderno tem uma coisa a seu favor: ao oferecer-nos a opinião dos deseducados ele nos mantém em dia com a ignorância da comunidade”.

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Noam Chomsky: “A imprensa pode causar mais danos que a bomba atômica. E deixar cicatrizes no cérebro”.

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Napoleão Bonaparte: “Três jornais me fazem mais medo do que cem mil baionetas”.

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Tom Wolfe: “Só existem duas maneiras de fazer carreira em jornalismo: construindo uma boa reputação ou destruindo uma”.

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Victor Hugo: “Uma calúnia na imprensa é como a relva num belo prado: cresce por si mesma”.

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Eça de Queirós: “Nas nossas democracias, a ânsia da maioria dos mortais é alcançar em sete linhas o louvor do jornal. Para se conquistarem essas sete linhas benditas, os homens praticam todas as ações – mesmo as boas”.

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Eça de Queirós, de novo: “Para aparecerem no jornal, há assassinos que assassinam”.

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Richard Nixon: “Sair na primeira página ou na página trinta depende do medo que eles têm de você”.

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Mick Jagger: “Desde que a minha foto saia na primeira página, não quero saber o que escreveram sobre mim na página 96”.

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Mino Carta: “Não vamos esmorecer na nossa crença de que jornalismo é algo que se faz com espírito crítico, fiscalizando o poder”.

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James Linde: “O jornalista é um servidor público, não um político”.

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Joel Silveira: “Jornalista não é aquele que toca na banda, é o que vê a banda passar”.

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Alberto Dines: “A sociedade que aceita qualquer jornalismo não merece jornalismo melhor”.

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Bernard Shaw: “Um jornal é um instrumento incapaz de discernir entre uma queda de bicicleta e o colapso da civilização”.

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Mark Twain: “Primeiro, apure os fatos. Depois, pode distorcê-los à vontade”.

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Adlai Stevenson: “Editor de jornal é alguém que separa o joio do trigo – e publica o joio”.

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Barão de Itararé (quando procurou emprego no jornal O Globo, Irineu Marinho perguntou: “O que você sabe fazer numa redação?”, e ele respondeu): “Tudo. Desde varredor até diretor. Aliás, acho que não há muita diferença”.

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Carlos Malheiros Dias: “A coragem de afirmar asneiras é uma das características da improvisação jornalística”.

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J. Liebling: “As pessoas não param de confundir com notícias o que leem nos jornais”.

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Gay de Girardin: “Não são os redatores que fazem o jornal, mas os assinantes”.

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Rebecca West: “Jornalismo: a capacidade de vencer o desafio de encher o espaço”.

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Eu: “Jornalistas que escrevem sobre economia, com poucas exceções, costumam dar tanta bola fora que deviam adaptar um chavão dos jornalistas esportivos: ‘A economia é uma caixinha de surpresas’”.

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Otto Bismarck: “Jornalista é uma pessoa que errou a sua vocação”.
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Frank Zappa: “Um repórter de rock é um jornalista que não sabe escrever, entrevistando gente que não sabe falar, para pessoas que não sabem ler”.

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Luís Fernando Veríssimo: “Às vezes, a única coisa verdadeira num jornal é a data”.

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Jô Soares: “Por mais que essa frase possa parecer um chavão, a imprensa é a sentinela da democracia”.

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Deni Gould (sobre a imprensa): “Supõe, erra, distorce. Mas é como um ar poluído: não se vive sem ela”.

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Gilbert Chesterton: “Não foi o mundo que piorou, as coberturas jornalísticas é que melhoraram muito”.

 

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Mouzar Benedito, jornalista, nasceu em Nova Resende (MG) em 1946, o quinto entre dez filhos de um barbeiro. Trabalhou em vários jornais alternativos (Versus, Pasquim, Em Tempo, Movimento, Jornal dos Bairros – MG, Brasil Mulher). Estudou Geografia na USP e Jornalismo na Cásper Líbero, em São Paulo. É autor de muitos livros, dentre os quais, publicados pela Boitempo, Ousar Lutar (2000), em co-autoria com José Roberto Rezende, Pequena enciclopédia sanitária (1996) e Meneghetti – O gato dos telhados (2010, Coleção Pauliceia). Colabora com o Blog da Boitempo quinzenalmente, às terças. 

4 comentários em Cultura inútil: Jornalismo, pós-verdade e o charuto das Filipinas

  1. ADNAN EL KADRI // 04/05/2017 às 2:46 pm // Responder

    Belo texto Mouzar, com um pequeno viés pessimista. Sintoma dos tempos bicudos do golpe trágico que estamos todos sofrendo. Compartilhei no meu face e no twitter.

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  2. mari santos // 04/05/2017 às 8:06 pm // Responder

    Gosto de seus artigos sr. Mouzart e este em especial superou, em minha opiniao, todos os anteriores! Atualíssimo .

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  3. Mouzar Benedito // 05/05/2017 às 2:34 pm // Responder

    Obrigado Adnan, Obrigado Mari. Vou tentando fazer alguma coisa, nestes tempos tenebrosos, com perspectivas de outros mais tenebrosos ainda, se não houver uma reviravolta (e temos que tentar fazer uma, né?).

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  4. Jornalista: possui um oceano de conhecimento com centímetros de profundidade.

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