O mundo um século após Outubro de 1917

Antonio Carlos Mazzeo escreve sobre o novo livro de Domenico Losurdo: "Guerra e revolução: o mundo um século depois de Outubro de 1917".

Por Antonio Carlos Mazzeo.

Guerra e revolução: o mundo um século após Outubro de 1917, do filósofo italiano Domenico Losurdo, é um trabalho contundente que traz o necessário debate sobre a questão do revisionismo histórico, entendido pelo autor como um largo processo de construção ideológica da burguesia contrarrevolucionária. Esse processo é caracterizado pela afirmação da existência de um “ciclo antiocidental” que teria sido inaugurado em 1789 e desembocando em 1917, isto é, de que a Revolução Francesa de 1789 teria sido o prenúncio da Revolução Russa de 1917, sendo o nazismo o “produto da reação direta ao bolchevismo totalitário”.

Traçando o percurso dessa concepção reacionária, Losurdo delineia as principais visões que buscaram extirpar o conceito de revolução burguesa da lógica do progresso e dos saltos de superação. O autor demonstra que, progressivamente, o pensamento reacionário constrói uma linha teórica que afirma os elementos revolucionários do jacobinismo como precursores das “revoluções raciais” − primeiro, com o jacobinismo negro de Toussaint Louverture, no Haiti, depois, com a Revolução na China e os movimentos de libertação nacional do Terceiro Mundo. O resultado direto desses movimentos seria a corrosão dos pressupostos democráticos, o que retirou a Revolução Francesa do perfil ocidental, para colocá-la no âmbito dos movimentos totalitários de “tipo oriental”. Sendo assim, o sentido da “liberdade ocidental” teria sido gestado na Revolução Americana do século XVIII, que marcará a construção dos Estados Unidos da América e moldará a forma política da liberdade das sociedades que irão permanentemente contrapor-se à “opressão totalitária”.

Como acentua Losurdo, declarou-se guerra à historicidade. No limite, justificam-se o colonialismo e a brutalidade da guerra imperialista, vista como necessidade civilizatória contra um pretenso “orientalismo despótico”. Procura-se, assim, reescrever a história, isto é, inventar uma identidade entre fascismo e comunismo e construir um senso comum desistoricizado, cujo objetivo é golpear as concepções de igualdade e de solidariedade humanas.

O livro que agora chega ao Brasil é da maior importância para a reflexão sobre o momento histórico de grande ofensiva reacionária e de reação conservadora em que vivemos. É preciso mergulhar na crítica e nas propostas apresentadas por Domenico Losurdo. Com a palavra, o leitor.

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Onde encontrar?

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Antonio Carlos Mazzeo possui graduação em Ciências Políticas e Sociais, mestrado em Sociologia pela Universidade de São Paulo e doutorado em História Econômica pela Universidade de São Paulo. Pós-doutorado em filosofia política pela Università Degli Studi Roma-Tre e Livre-Docente em ciência política pela Universidade Estadual Paulista. É professor livre-docente junto aos Programas de Pós-Graduação: História Econômica da FFLCH – USP e Serviço Social na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Colaborador da revista semestral da Boitempo, a Margem Esquerda, publicou, entre outros, Estado e burguesia no Brasil: origens da autocracia burguesa (Boitempo, 2016) O vôo de Minerva: a construção da política, do igualitarismo e da democracia no Ocidente Antigo (Boitempo, 2009) e Sinfonia inacabada: a política dos comunistas no Brasil (Boitempo, 1999).

5 comentários em O mundo um século após Outubro de 1917

  1. Francisco Pucci // 03/04/2017 às 9:18 pm // Responder

    A dialética entre o ideal e o real, entre o desejado e o possível tem que ser mais compreendida nas análises políticas. Explico: as grandes massas (e creio que isso está nas linhas e entrelinhas de Gramsci) se movem no diário pelos pequenos, mas enormes, interesses de bem estar, consumo e alguma garantia de futuro. As discussões acadêmicas interessam pouco a esse cotidiano, por isso não o toca, a não ser a alguns grupos. Para não perpetuarmos essa “circulação das elites” que teorizou Pareto, um Partido Único, na prática, que nunca revoluciona nada, temos que construir modelos alternativos onde aqueles interesses diários sejam satisfeitos. A alternativa é apenas um Estado policialesco. Foi assim nos últimos anos da URSS e (segundo os relatos de um sobrinho politizado que trabalha lá) na China, onde o regime dos trabalhadores não oferece sequer garantia de aposentadoria ou assistência à saúde. Dessa forma, quando discutimos Teorias, Conceitos e Ideias, o que realmente queremos dizer para o cotidiano das pessoas? Este comentário não pretende diminuir em nada o excelente texto do Domenico e nem defender a ideologia burguesa, se é que me faço entender.

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    • Aída Paiva // 06/04/2017 às 4:48 pm // Responder

      Pucci, infelizmente você não faz parte das pessoas diretamente atingidas pelas decisões do Estado. Porque você está “mobilizado” pra defender nossas necessidades? Eu quero dizer que você não faz parte da nossa classe social e nós não pedimos ajuda pra você.
      Pucci, você pertence à classe social que leva “consciência” à classe trabalhadora?
      Estamos repletos de consciência e não estamos precisando. Bye bye, Pucci. .

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      • Francisco Pucci // 06/04/2017 às 7:05 pm // Responder

        Bem, se você discute “mobilização” enquanto eu discuto “dialética entre teorias acadêmicas e subjetividade”, e se você considera que há alguém (eu, por exemplo) que não participa e nem sofre as decisões do Estado, realmente estamos em universos diferentes. Bye, bye.

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    • Aída Paiva // 13/04/2017 às 1:56 pm // Responder

      Ô Pucci, qual é o seu objetivo ao discutir dialética entre teorias acadêmicas e subjetividade? Aonde você quer chegar discutindo essas questões?
      Proponho que você discuta temas que produzem desenvolvimento cognitivo e intelectual, que vão possibilitar e acarretar mudanças na sociedade e no pensamento brasileiro.
      Observação: escreva didaticamente porque seu escrito deve ser compreendido pela maioria.
      Aviso: a grande massa corre atrás do pequeno porque ainda não conseguiu garantir as pequenas coisas do cotidiano, tais como: comida, transporte, roupa, gás, luz, água e esgoto, casa, trabalho.
      De que jeito a “grande massa” pode conseguir suas necessidades básicas? Proponha. Apresente. Doe suas idéias.
      Até quando o proletariado vai ter que encher sua bocarra aberta de alimento intelectual?
      Vá tomar no cú, Pucci, parasita do proletariado!

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