E o dia da verdade?
"Primeiro de abril, dia da mentira! Não concordo com essa comemoração. Se estabelecemos um dia do ano como 'Dia da Mentira', significa que acreditamos que os outros todos seriam “Dias da Verdade”. Dá pra acreditar? Dias da mentira sobram, o que falta é um 'Dia da Verdade'."
Por Mouzar Benedito.
Primeiro de abril, dia da mentira! Não concordo com essa comemoração. Se estabelecemos um dia do ano como “Dia da Mentira”, significa que acreditamos que os outros todos seriam “Dias da Verdade”. Dá pra acreditar? Dias da mentira sobram, o que falta é um “Dia da Verdade”.
Se pelo menos a verdade costumasse prevalecer sobre a mentira, a gente podia comemorar. Mas seja qual for o aspecto da realidade brasileira (e talvez do mundo todo), pense bem, a mentira tem muito mais força do que a verdade, mesmo que a verdade seja conhecida.
Na política, basta ver a reação de acusados de mutretas. “É uma inverdade”, dizem. Já citei isso neste blog há pouco tempo. A palavra “inverdade” substituiu “mentira” no linguajar de muita gente. Imagino que seja porque essas pessoas não podem dizer que o que dizem delas seja mentira, abrandam com o eufemismo “inverdade”. Quem fala “inverdade” em vez de “mentira”, pra mim, já é suspeito.
Mentiras podem ser usadas desde para eleger políticos em todos os níveis e até para derrubar um(a) presidente. As revelações sobre a influência das mentiras no resultado das últimas eleições para presidente dos Estados Unidos, seria assustadora se não estivéssemos acostumados com a prevalência da mentira sobre a verdade.
Aliás, falando em Estados Unidos, eis aí um país que usou e usa a mentira até para criar guerras. A invasão do Iraque para derrubar Saddam Hussein, alegando que ele estaria criando um arsenal de armas químicas e atômicas foi uma dessas. Ficou comprovado que era uma mentira. Bem… A mentira foi usada para começarem muitas guerras, inclusive a nossa maior delas, a Guerra do Paraguai, que se originou de manipulações em defesa de interesses da Inglaterra. E durante as guerras, haja mentiras! Tanto que há um ditado sobre isso: “Tempo de guerra, mentira por mar e por terra”.
E na justiça? Se um corruptor dá grana para políticos de dois partidos, tudo o que foi dado a um partido é propina, corrupção, e tudo o que foi dado a outro é legítimo. Assim mesmo, sem nenhuma apuração. Nem sequer falam em investigar nada contra os previamente insuspeitos.
E a imprensa? Como jornalista, de vez em quando fico espantado com a cara-de-pau de alguns colegas. Quando o assunto é política, uns parecem marqueteiros de certas figurinhas carimbadas por aí. Aliás, marqueteiro… Acho que boa parte da desmoralização da política brasileira atual se deve a eles.
E a publicidade? Pode-se acreditar no que diz sobre qualquer coisa?
E você confia totalmente nas informações que lhe dão os rótulos de produtos industriais? E no que lhe dizem quando vão vender um plano de saúde, um serviço bancário, um plano de TV por assinatura…
E nas tais mídias sociais? Vixe! Até já criaram até a expressão pós-verdade como a mais presente e forte nesse meio de expressão, mentiras e xingamentos.
Então, reafirmo: não se justifica a existência de um dia da mentira quando ela prevalece quase sempre sobre a verdade. A vitória da verdade sobre a mentira, acredito, é uma coisa bissexta.
Por isso, proponho: já que a verdade aqui é bissexta, vamos comemorá-la “bissextamente”. Que 29 de fevereiro seja comemorado como “Dia da Verdade”.
Verdades que parecem mentiras
Algumas mentiras vão ser lembradas em primeiro de abril. Uma delas, que ficou famosa porque pegou a revista Veja de calças curtas, foi a história do “boimate”. Em 27 de abril de 1983, ela publicou uma matéria de capa mostrando uma grande descoberta da ciência: um híbrido de boi e tomate, criado por dois cientistas alemães.
A Veja não revelou a fonte, publicou como se fosse matéria original. Só que a fonte era uma revista inglesa, New Scientist, que tinha publicado em primeiro de abril uma brincadeira dando essa notícia falsa. Pegou mal para a Veja, que teve que pedir desculpas aos leitores.
Vão ser lembradas também mentiras que parecem verdades. Aliás, um livro de Umberto Eco tem esse título: Mentiras que parecem verdades.
Mas como são muitas as mentiras que parecem verdades e são divulgadas a ponto de muita gente não acreditar na verdade quando ela se revela, preferi publicar aqui umas informações diferentes que andei catando por aí: verdades que parecem mentiras. Verdade mesmo? Pelo menos consta que sim.
Aí vão:
- Você acha que o fulano é meio banana? Você também é: os humanos compartilham 50% do seu DNA com as bananas.
- Você sabia que a Arábia Saudita importa camelos da Austrália? Pois é. Introduziram o camelo na Austrália, que tem um enorme deserto, e ele se tornou um problema lá, virou praga. Tem camelo demais.
- Bom, se a Arábia Saudita pode importar camelo, por que o Brasil, maior produtor e exportador de café não pode importar café? Tem muito café em cápsulas importado… Café que pode ter ido para o exterior por um preço e volta por um preço muitas vezes maior. Mas isso não basta: o governo Temer anunciou a importação de café robusta, por causa da crise hídrica que derrubou a produção dos cafezais capixabas. Café robusta é um menos valioso que o bom café tradicional brasileiro, o arábica, que tem mais aroma e sabor. O robusta (conhecido também como conilon), bem mais barato, entra nos “blends”, misturas de variedades… A importação desse café em alta quantidade só abortou por causa da chiação dos produtores daqui, que têm muito produto em estoque.
- Cada ovo de barata produz 40 filhotes!
- Se lhe mostrassem um leite cor de rosa e dissessem que a cor é natural, você acreditaria? O leite de hipopótamo é naturalmente cor de rosa.
- Tom Jobim certa vez declarou o seguinte: “Eu tinha muito preconceito contra o piano. Achava que era coisa de menininha”.
- O calor faz com que a Torre Eiffel cresça 15 centímetros no verão, devido à dilatação da sua estrutura.
- Os polvos têm três corações. As fêmeas de cangurus têm dois úteros e três vaginas. Os jacarés (invejem, velhinhos) ficam mais férteis e sexualmente potentes à medida que envelhecem.
- O célebre astrônomo Galileu Galilei dizia que os cometas não passavam de fenômenos óticos.
- Recife foi a primeira cidade da América Latina a ter um trem urbano. A inauguração foi em 5 de janeiro de 1867.
- Henrique e Américo são xarás: os dois nomes de derivam do nórdico Heimrich, nome que foi derivando conforme os países para onde foi levado. Virou um com a pronúncia Emerique, daí variou não só para Henrique e Américo mas também para Arrigo, Henry etc.
- Para cada ser humano existem 1,6 milhão de formigas, e o peso de todas as formigas existentes no planeta equivale à de toda a população humana.
- O pardal não existia no Brasil, foi trazido da Europa para o Rio de Janeiro em 1908. Para quê? Acharam que ele ia ajudar a combater o mosquito transmissor da febre amarela. Mas seu alimento preferido não era mosquito. Entra outras coisas, preferia arroz e milho que sobravam das comidas e eram jogados fora. E ele se espalhou por quase todo o Brasil.
- João Goulart não foi derrubado só da presidência. Em 1954 ele era ministro do Trabalho e, em fevereiro daquele ano, 82 coronéis do Exército escreveram ao ministro da Guerra contra o aumento do salário mínimo que o ministro propunha, e ele acabou sendo derrubado por isso.
Por que Primeiro de Abril?
São muitas as versões sobre o porquê de 1º de abril tornar-se “dia da mentira”. A mais difundida é que, na França, o ano novo era comemorado no dia 25 de março, início da primavera. As festas duravam sete dias, só acabavam em 1º de abril. Em 1564, o rei Carlos IX adotou o calendário gregoriano e o Ano Novo passou a ser comemorado em 1º de janeiro. Mas alguns franceses não aceitaram o novo calendário, continuavam comemorando o Ano Novo pelo calendário antigo. E por isso eram ridicularizados por gozadores que, entre outras coisas, em 1º de abril os convidavam para comemorar a data em festas que não existiam.
No Brasil, não se sabe exatamente quando a data começou a ser comemorada, mas a difusão dela é atribuída à revista Mentira, que começou a circular em Minas Gerais em 1º de abril de 1828, trazendo a notícia falsa do falecimento de Dom Pedro. A notícia foi desmentida no dia seguinte.
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Mouzar Benedito, jornalista, nasceu em Nova Resende (MG) em 1946, o quinto entre dez filhos de um barbeiro. Trabalhou em vários jornais alternativos (Versus, Pasquim, Em Tempo, Movimento, Jornal dos Bairros – MG, Brasil Mulher). Estudou Geografia na USP e Jornalismo na Cásper Líbero, em São Paulo. É autor de muitos livros, dentre os quais, publicados pela Boitempo, Ousar Lutar (2000), em co-autoria com José Roberto Rezende, Pequena enciclopédia sanitária (1996) e Meneghetti – O gato dos telhados (2010, Coleção Pauliceia). Colabora com o Blog da Boitempo quinzenalmente, às terças.
Mouzar, gostei
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“Neste tempo delicioso, quando se conta uma história verídica é de acreditar que o Diabo a ditou…” Epígrafe do livro “A felicidade no crime” de Barbey D’Aurevilly. Escrita por volta de 1870. Assírio & Alvim, Lisboa, 2010.
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Republicou isso em O LADO ESCURO DA LUA.
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Será o dia em que Moro mandar prender o “mineirinho”… Mas temo que esse dia não chegará. Que acha, Mouzar?
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