Leda Paulani: As contradições do lulismo
A economista Leda Paulani escreve sobre o livro "As contradições do lulismo", organizado por André Singer e Isabel Loureiro
Por Leda Paulani.
Em meio a uma conjuntura política, social e econômica dramática, marcada pela urgência de retomar o pensamento crítico sobre os rumos da esquerda e das lutas políticas no Brasil, a Boitempo publica a aguardada antologia de interpretação do Brasil contemporâneo que fecha a trilogia do Cenedic sobre a Era Lula. Organizado por André Singer e Isabel Loureiro, As contradições do lulismo: a que ponto chegamos?, o livro conta com textos de André Singer, Carlos Alberto Bello, Cibele Rizek, Isabel Loureiro, Leonardo Mello e Silva, Maria Elisa Cevasco, Ruy Braga e Wolfgang Leo Maar. Desdobrando as análises de André Singer sobre o “lulismo”, o livro busca incorporar uma avaliação sobre o “ensaio desenvolvimentista” tentado pelo governo Dilma no marco do pós crise internacional de 2008 e oferecer uma interpretação original sobre o saldo do percurso lulista desde a vitória do PT nas eleições presidenciais de 2002 no contexto mais amplo da experiência modernizadora brasileira. Nas palavras da economista Leda Paulani, que assina o texto de orelha do livro, os ensaios aqui reunidos revelam que “o lulismo repetiu como farsa a tragédia do sonho desenvolvimentista anterior, que durou cinquenta anos e foi desfigurado pelo conservadorismo militar”. Confira o texto integral de Leda Paulani abaixo:
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Este livro já estava concluído antes do colapso final do lulismo, consumado com o fraudulento impeachment da presidenta Dilma, em 31 de agosto de 2016. Sua leitura, contudo, traz elementos fundamentais para se refletir sobre mais essa volta do parafuso da repetida história brasileira.
Seu objetivo original foi fazer uma cartografia do tipo de desenvolvimento posto em marcha com a primeira vitória do PT nas eleições presidenciais de 2002, com foco especial no período pós crise internacional de 2008.
Tendo como ponto de partida as reflexões já clássicas de André Singer sobre o lulismo, atualizadas agora com a apreciação do período Dilma, o volume tem cardápio variado, mas não aleatório: é no “andar de baixo”, como diria o cronista, que a maioria dos pesquisadores vai buscar impressões e informações para compor o mapa das antinomias contemporâneas.
Do precariado, com todos os seus matizes, aos trabalhadores sindicalizados (agora em chave internacional), dos beneficiários dos programas sociais aos “agentes culturais” (que sustentam o ganha-pão do nicho de negócios aberto pela gestão da pobreza), das populações deslocadas pelo agronegócio aos assentados agroecológicos, dos sem-teto àqueles que andam nas franjas do mundo do crime, todos os personagens da eterna “viração” brasileira estão presentes nestas páginas.
É a realidade e a voz deles que mandam um recado em uníssono: o lulismo repetiu como farsa a tragédia do sonho desenvolvimentista anterior, que durou cinquenta anos e foi desfigurado pelo conservadorismo militar. Em tempos de “socialização capitalista” posta como norma pela vitória abissal do neoliberalismo e do mundo da mercadoria, seria difícil esperar destino diferente para essa, digamos assim, “aventura cidadã” da periferia do capitalismo no início do século XXI.
Ontem como hoje, e não por acaso, o atraso nadou de braçada em meio à “modernização”: a redução das desigualdades, a diminuição da pobreza absoluta, a universalização dos direitos ocorreram com a reafirmação das estruturas materiais da iniquidade, fortalecendo a lógica do favor, consagrando a desigualdade jurídica. Ainda assim, foi demais para o andar de cima e deu no que deu. Para replicar uma observação que aparece no último capítulo, a julgar pela cartografia aqui rabiscada, no país do futuro, há, como diria Millôr, muito passado pela frente… – Leda Paulani
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Vídeos sobre o livro na TV Boitempo
Onde encontrar?
☛ Livraria Leonardo da Vinci – https://bit.ly/2f5iiNS
☛ Blooks Livraria – https://bit.ly/2f5nem7
☛ Livraria Cultura – https://bit.ly/2eAj1YE
☛ Livraria da Travessa – https://bit.ly/2f5leKA
☛ Livraria Saraiva – https://bit.ly/2eRqgdr
☛ Entre outras – https://bit.ly/2cPU1Jk
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Leda Paulani, economista e doutora em Economia pelo IPE-USP, é professora do Departamento de Economia da FEA-USP e da pós-graduação em Economia do IPE-USP. É autora de Modernidade e discurso econômico (2005) e Brasil delivery: servidão financeira e estado de emergência econômico (2008), ambos publicados pela Boitempo. Em 2013, com a eleição do prefeito Fernando Haddad, em São Paulo, foi escolhida para comandar a Secretaria Municipal de Planejamento, Orçamento e Gestão. Colabora esporadicamente para o Blog da Boitempo esporadicamente.
Desde o fim da ditadura, que a sociedade brasileira foi acumulando forças em direção a consolidação de uma democracia política e de uma ordem social que rompesse, o mais que possível, com a tradição marcada pela profunda desigualdade e por um autoritarismo político crônico. Assim, quando Lula chegou ao poder, mesmo amarrado por fortes compromissos, expressos na Carta aos Brasileiros e por alianças políticas suspeitas, foi uma euforia generalizada do tipo: até que enfim a esperança venceu o medo. Isso, mesmo depois dele anunciar Paloci na Fazenda e Meireles no BC. Daí pra frente as coisas, favorecidas por uma conjuntura favorável, até que andaram aparentemente bem e algumas alterações no quadro social foram até possíveis. Porém, as contradições do Lulismo só vieram à tona, quando a conjuntura internacional se modificou para pior e ficou visível que aquelas alterações tinham sido superficiais e que todas as principais características da velha sociedade e do tradicional sistema de poder permaneciam intocados.
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Obrigada!! Vale a pena mesmo. Esse eu já comprei. kkkk Chegou a semana passada. Abraço! Iris
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Eu lamento muito ver a esquerda lulista adotar os mesmos expedientes da direita para “governar” o Brasil. Luiz Inácio Lula da Silva, com a sua sabedoria , não se cansou de falar : ” no meu governo os trabalhadores ganharam, mas os banqueiros nunca ganharam tanto”. Mesmo com toda a corrupção de esquerda o PIB do sofrido nordeste cresceu mais do que o do Brasil. A transposição do velho e combalido Chico é um tremendo erro, mas as empreiteiras não pensam assim, claro. É preciso voltar ao economista paraibano Celso Furtado, reler Seca e Poder (Perseu Abramo) e aprender que o nordeste, com 70 mil açudes, precisa distribuir a água acumulada. Dilma errou ao não respeitar as demandas dos Movimentos Sociais do Nordeste (ASA) e mandar instalar cisternas que não prestam, cisternas de plástico. Ainda demonstrou grosso preconceito quando, ao se referir a obra Vidas Secas disse que nordestinos migam para o Brasil. Que vergonha! Só S. Freud explica esse ato falho.
Agora estamos com seu vice (duas vezes) a governar e demolir os poucos direitos da classe proletária. O PT lulista “sentou no colo dos banqueiros e empreiteiras” ouvi de um militante de esquerda, petista. Concordo com ele. Precisamos de renovação nas esquerdas e sem corrupção. Saudações democráticas, Felipe Luiz Gomes e Silva – São Carlos (ex-petista)
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