‘A França não pode ficar indiferente ao golpe no Brasil’, diz Senador Antoine Karam
"Estou preocupado com o silêncio das autoridades francesas. Num país como a França, não temos o direito de permanecer em silêncio quando os princípios democráticos são atacados. Digo e repito, a França não pode ficar indiferente."
Entrevista especial com Antoine Karam.
Atento à conjunta atual na América Latina, o Senador Antoine Karam vê o golpe na democracia brasileira no mesmo quadro dos golpes em Honduras e no Paraguai neste início de século. Para ele, “a prioridade continua é mobilizar a comunidade internacional para denunciar e esses ‘truques de mágica’ com a Constituição que nada mais são do que um Golpe de Estado e um assalto à democracia.” Preocupado com o silêncio das autoridades francesas, Karam provoca: “Num país como a França, não temos o direito de permanecer em silêncio quando os princípios democráticos são atacados. Digo e repito, a França não pode ficar indiferente.”
Esta conversa, conduzida por Kalynka Cruz Stefani e traduzida por Luc Duffles Aldon dá sequência à série de entrevistas do Movimento Democrático 18 de Março (MD18) com grandes intelectuais de esquerda publicadas no Blog da Boitempo. Leia a primeira entrevista da série, com o sociólogo franco-brasileiro Michael Löwy, clicando aqui, a segunda, com o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, clicando aqui, a terceira com o historiador Luiz Marques clicando aqui, a quarta, com o cineasta Eryk Rocha, clicando aqui, e a quinta, com o filósofo e crítico social Anselm Jappe, clicando aqui.
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Senador, para começar, o Senhor poderia introduzir brevemente sua trajetória pessoal e profissional em relação ao Brasil, especificamente por ter sido presidente do conselho regional da Guiana francesa, e nos falar um pouco da relação entre a Guiana e a França?
Devido às proximidades geográfica e cultural da Guiana com o Brasil, toda minha infância e adolescência foram embaladas por relações com este país. Mais tarde, como presidente da região Guiana e depois como senador, sempre procurei desenvolver intercâmbios entre as duas regiões. Estou convencido de que isto é do interesse não só da Guiana e do Estado do Amapá mas também da França e do Brasil.
Como chefe do executivo local durante 18 anos, eu me impliquei pessoalmente na implementação de uma ação em comum. Tudo começou em 1996. A Guiana e o Estado do Amapá viravam as costas um ao outro, quando nós decidimos, junto com o governador João Alberto Capiberibe, colocar as primeiras pedras da fundação de uma cooperação regional institucionalizada. Fui em seguida, em 1999, condecorado com a Ordem nacional do Cruzeiro do Sul, antes de assumir o papel de chefe da delegação francesa e co-presidente da comissão bilateral para a construção da ponte sobre o Oiapoque, de 2003 a 2010. Hoje, como senador, sou o relator da Comissão de Relações exteriores da Defesa e das Forças armadas no exame de dois acordos França-Brasil, preparando a próxima abertura desta ponte. Sou também presidente delegado para a Guiana no âmbito do grupo de amizade França-Brasil no Senado.
Na sua opinião, como os últimos acontecimentos políticos no Brasil podem afetar os países vizinhos?
Estou muito preocupado com a conjuntura atual na América Latina. Depois das destituições dos presidentes eleitos de Honduras e do Paraguai, trata-se agora de um terceiro golpe de estado institucional – desta vez, no maior país da América do Sul. Como pensar que tais acontecimentos não tenham um impacto sobre os países vizinhos? É ao mesmo tempo um sinal preocupante para a democracia e um elemento potencial de desestabilização nesta região do mundo.
A própria França, aliás, também é afetada. Na realidade, vale lembrar que a Guiana é a primeira fronteira da França e da União Europeia com o Brasil e o Mercosul. Nossos dois países têm não somente uma relação geográfica privilegiada mas também uma história em comum. É preciso ir a Saint-Georges de l’Oyapock e a Oiapoque para se compreender que nossa vida em comum não é um conceito abstrato mas uma realidade. Há dezenas de anos que o planalto das Guianas é o teatro de intercâmbios comerciais e culturais cotidianos. Mais de 50.000 franco-brasileiros residem atualmente na Guiana e fazem viver a cultura brasileira junto com o rico patrimônio guianês.
Observemos ainda que estes acontecimentos interveem justo quando a preparação da abertura da ponte sobre o Oiapoque pede necessariamente um quadro político e econômico de calma. Por estas razões, estou muito atento à evolução da situação no Brasil.
Qual é a sua opinião sobre a posição da França em relação a estes acontecimentos, considerando que, justamente além das relações diplomáticas, há uma relação significativa geográfica?
No dia 1º de julho, participei de um simpósio no Senado francês sobre a situação política no Brasil. As discussões entre investigadores, responsáveis políticos, membros da sociedade civil e representantes eleitos convergem para o fato de que é um verdadeiro golpe de Estado institucional, com graves consequências para o presente e o futuro desta jovem democracia.
Confrontados com este abuso, essa negação contra a democracia, estou convencido, com outros senadores de diferentes sensibilidades políticas, de que a França tem um papel a desempenhar. É urgente que nós apoiemos as forças democráticas brasileiras para evitar que esse país mergulhe novamente nos anos sombrios que tanto fizeram sofrer o povo brasileiro.
Estou preocupado com o silêncio das autoridades francesas. Num país como a França, não temos o direito de permanecer em silêncio quando os princípios democráticos são atacados. Digo e repito, a França não pode ficar indiferente. Seria grave para todo o subcontinente que o maior país da América Latina afunde em um impasse social, econômico e político.
Está tendo uma crescente onda de violência contra os manifestantes no Brasil, principalmente no período dos Jogos Olímpicos. Não seria esse um motivo suficiente para um posicionamento mais incisivo da parte dos outros países, na medida em que esta situação define o fim de um Estado democrático?
Na França, manifestar é um direito constitucional fundamental, ao qual estou profundamente ligado. No entanto, penso que devemos ter cuidado quando comentamos tais eventos, especialmente no contexto Olímpico, onde a tensão está em seu auge e a segurança é primordial. Do meu ponto de vista, a prioridade continua a ser, a essa altura, de mobilizar a comunidade internacional para denunciar esses truques de mágica com a Constituição que nada mais são do que um golpe de Estado e um assalto à democracia.
Como senador, político, como você avalia o comportamento dos parlamentares brasileiros no golpe de Estado (parlamentar)?
Do meu ponto de vista, a atitude dos parlamentares brasileiros é obviamente preocupante. Como responsáveis políticos, todos nós sabemos que a democracia é um bem tão precioso quanto frágil. Não podemos maltratá-la assim.
O espetáculo dado pelos deputados quando eles votaram a favor do afastamento foi constrangedor. Alguns deles se justificaram invocando “Deus” ou suas famílias, e outros subiram para fazer a apologia do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, torturador de Dilma Rousseff, hoje falecido.
Como era de se esperar, depois do voto do Senado a favor do processo de impeachment, mais um passo para a destituição de Dilma Rousseff foi dado. Se alguns ainda duvidavam, o governo, ainda interino, de Temer Golpista mostrou que ele queria ir o mais rápido possível sem se preocupar com a instabilidade social, política e econômica em que está fazendo o Brasil mergulhar.
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O Movimento Democrático 18 de Março (MD18) nasceu da luta contra o golpe de Estado no Brasil. Sediado em Paris, e com grande presença de pesquisadores, professores universitários, artistas e militantes de movimentos sociais, o movimento propõe ampliar a reflexão sobre as possibilidades da esquerda na atual conjuntura de crise. É com esse objetivo que o MD18 inaugura uma série de entrevistas com intelectuais, artistas e militantes de diferentes horizontes, que visam ampliar o debate sobre as formas de resistência que podem e devem advir. O projeto se inicia com a participação de grandes pensadores da esquerda como Michael Löwy, Boaventura de Sousa Santos, Nancy Fraser e Anselm Jappe, além de contar com a colaboração de inúmeros intelectuais brasileiros. As entrevistas serão disponibilizadas em português e em francês no site do MD18.
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