Michael Löwy e a crítica da modernidade
[Michael Löwy na sede da Boitempo Editorial em 2015. Foto: Artur Renzo]
Por Fabio Mascaro Querido., autor de Michael Löwy: marxismo e crítica da modernidade (Boitempo, 2016).
Brasileiro de nascimento, filho de pais judeus vienenses exilados, francês por opção existencial, enfim, intelectual internacionalista, compromissado com o cosmopolitismo dos párias, dos subalternos e dos vencidos cujas resistências e sofrimentos podem (e devem) ser rememorados como prelúdio de uma redenção futura. Assim pode, em poucas palavras, ser definido Michael Löwy (1938), intelectual desde sempre orientado pela tentativa de dialogar, a partir de uma compreensão singular do marxismo, com as múltiplas vertentes (românticas, messiânicas, religiosas, profanas, libertárias) da grande recusa anticapitalista. Após mais de cinco décadas de um itinerário intelectual tão extenso quanto brilhante, seja pela quantidade ou pela qualidade de seus trabalhos, a sólida obra de Michael Löwy vem conquistando nos últimos anos – mais do que o reconhecimento intelectual, que ele já tinha – um espaço importante nos debates internacionais pela revitalização do pensamento crítico e de um marxismo destituído de todo dogmatismo.
Desde quando ainda cursava Ciências Sociais, na USP da rua Maria Antônia, no final dos anos 50, Löwy foi recolhendo influências diversas, que eram filtradas pela perspectiva política do então militante de correntes luxemburguistas, como a LSI e a POLOP – das quais ele foi fundador. Foi por aqui, por exemplo, que Michael Löwy travou o primeiro contato com obras teóricas que estariam presentes – sendo constantemente atualizadas – em toda a sua trajetória, como História e Consciência de Classe, do jovem Lukács, e os trabalhos de Lucien Goldmann, cuja reelaboração das teses lukacsianas nos termos de uma sociologia da cultura (e da religião) funcional à pesquisa acadêmica contribuiu em muito para a decisão do então jovem sociólogo marxista de ir fazer o doutorado em Paris, em 1961 – sob orientação, é claro, do próprio Goldmann.
A tese, defendida já em 1964 (quando o autor tinha apenas 26 anos incompletos!), A teoria da revolução no jovem Marx, já demonstrava com bastante acuidade a leitura de Michael Löwy do marxismo como uma teoria da práxis, baseando-se na idéia de que a emancipação social só pode ser uma auto-emancipação das classes subalternas. Daí em diante, a França – país onde Löwy consolidou sua inserção acadêmica, intelectual e política e onde vive até os dias de hoje, após breves passagens por Israel e Inglaterra na década de 1960 – seria o lugar de cruzamento das diferentes “constelações” teóricas que o autor foi incorporando ao longo dos anos, tais como o marxismo ocidental (de Lukács à Escola de Frankfurt), as sociologias históricas de Max Weber e Karl Mannheim e, por fim, o messianismo judaico-libertário. Porém, mais do que uma leitura meramente exegética, tais influências foram (re) interpretadas ativamente sob a ótica do “marxismo-libertário” que, desde sua precoce paixão pelo surrealismo e pelas “correntes-quentes” da esquerda anti-stalinista latino-americana (de Che Guevara e José Carlos Mariátegui à Teologia da Libertação), condicionou sua démarche intelectual.
Eis, portanto, uma obra que, vista em sua totalidade ainda inconclusa, se apresenta como uma unidade em movimento, composta por um “fio vermelho” subterrâneo permanentemente reelaborado conforme os desafios do seu “tempo-de-agora”. Dentre estes momentos de redefinição, ou melhor, de atualização do pensamento crítico, o diálogo com aspectos da cultura romântica, sobretudo em suas vertentes revolucionárias – que ele iria defender inclusive contra seus detratores marxistas, como o “velho” Lukács –, teve um papel absolutamente central, vindo a ser, talvez, a sua principal contribuição à sociologia da cultura e ao pensamento crítico contemporâneo.
Isso porque a incorporação da temática da visão de mundo romântica em Löwy, de tão profunda, possibilitou uma rearticulação radical do tempo histórico. Os trabalhos sobre a crítica romântica da modernidade – realizados ao lado de Robert Sayre – estimularam uma nova abordagem da história a partir da ótica dos vencidos e, por isso mesmo, na contramão das ideologias modernas do progresso que vêem na vitória dos dominantes do passado tão-somente o prelúdio de um presente “historicamente necessário”. Em Löwy, o passado é “desontologizado”, por assim dizer, razão pela qual o que parecia relegado à condição de resquício anacrônico ressurge como pano de fundo de um “romantismo revolucionário” que, agora sabemos, sempre esteve implícita ou explicitamente presente no que de melhor produziu a tradição marxista.
Neste processo de redescoberta das utopias românticas, desde meados dos anos de 1980, a influência intelectual de Walter Benjamin foi, sem qualquer dúvida, e sob vários aspectos, decisiva. É a leitura de Benjamin que permite a Löwy a fundamentação de uma nova escrita da história, na qual, além do romantismo, o messianismo judaico e as “utopias concretas” (como diria Ernst Bloch) assumem um papel de suma relevância. De Redenção e Utopia: o judaísmo libertário na Europa Central (1988) a Revolta e Melancolia: o romantismo na contramão da modernidade (1992), as utopias libertárias – inclusive religiosas – servem para Löwy como artifício profícuo à potencialização e redefinição do marxismo no fim de século XX e início do seguinte.
No limite, tratava-se, a partir daí, de uma tentativa de se redescobrir “afinidades eletivas” até então “ocultas” pelo domínio das ortodoxias oficiais. E nada melhor que o marxismo idiossincrático de Walter Benjamin para orientar esta perspectiva, num momento marcado pelo colapso do progresso seja em sua versão propriamente capitalista ou em sua tonalidade pós-capitalista (autodenominada “socialista”). Através de Benjamin, cujas teses sobre o conceito de história foram objetivo de um livro específico (Aviso de Incêndio, 2005), Michael Löwy pôde recuperar uma crítica da modernidade capaz de restituir os destroços, as ruínas da história, que são rememoradas no presente como testemunho da necessidade de interrupção revolucionária de um progresso que caminha em direção à catástrofe.
Esta radicalização da dimensão dialeticamente “negativa” da modernidade intensifica-se ainda com a incorporação herética (apoiada nas indicações da teoria da reificação em HCC) do diagnóstico weberiano da modernidade, “desviando-o” a fim de incorporá-lo no âmbito de uma perspectiva política anticapitalista. A crítica “marxista-weberiana” da modernidade capitalista é um dos núcleos a partir dos quais Michael Löwy interpreta desde a formalização estética kafkiana das “cadeias de papel” – que desenvolve o perigo da burocratização alertado por Weber -, passando pelo surrealismo, até o mais recente eco-socialismo, cujo êxito depende, entre outras coisas, da capacidade do marxismo de consolidar sua ruptura teórica e política com o paradigma civilizatório capitalista-moderno.
A fidelidade à utopia e à imaginação revolucionária, que sintetiza o percurso intelectual de Michael Löwy, entrelaça-se, assim, ao embate comum contra a “jaula de aço” e o “desencantamento do mundo” diagnosticados pelo sociólogo de Heidelberg. E é na investigação da possibilidade de constituição de laços entre as diversas formas de críticas e resistências à modernidade capitalista que se funda a ética intelectual de Michael Löwy.
Para Löwy, o marxismo e o pensamento dialético atuam como horizonte teórico-político capaz de absorver e subsumir, transformando-se a si mesmo, análises que possam contribuir com a complexa tarefa de interpretar o mundo, quando a luta para transformá-lo parece imediatamente longínqua. Foram estas características, formadoras de uma obra original e inventiva, que – a despeito dos limites de sua obra – garantiram a Michael Löwy, cujas dezenas de livros e artigos foram traduzidos em mais de 25 idiomas, um trânsito relativamente livre em diferentes vertentes da esquerda radical intelectual e política, tornando-o personagem indispensável do processo de renovação internacional do pensamento crítico contemporâneo.
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O mais novo lançamento da Boitempo introduz a trajetória crítica e os debates suscitados pela experiência intelectual de um dos mais influentes pensadores da esquerda hoje: Michael Löwy. À luz das transformações políticas, culturais e ideológicas das últimas décadas, Michael Löwy: marxismo e crítica da modernidde analisa a forma através da qual o sociólogo franco-brasileiro transformou o tema da crítica da modernidade no eixo de suas proposições em defesa da atualização do marxismo. Escrito pelo sociólogo e pesquisador Fabio Mascaro Querido, o livro constitui também material precioso para quem quiser mapear mais sistematicamente o conjunto da obra de Löwy, suas inspirações e interlocuções, dos anos de formação reavaliando a experiência filosófica e política de György Lukács e Rosa Luxemburgo, passando pela incorporação da crítica benjaminiana e romântica da ideologia moderna do progresso, aos atuais engajamentos na luta ecossocialista.
A Boitempo e o autor convidam para a noite de autógrafos do livro Michael Löwy: marxismo e crítica da modernidade, na terça-feira dia 05 de abril de 2016, a partir das 19h no Restaurante El Guaton (Rua Mourato Coelho, 861, São Paulo).
PROMOÇÃO DE LANÇAMENTO
Pra comemorar o lançamento, a Boitempo realiza em seu site uma promoção especial para os leitores interessados em aprofundar o estudo da obra de Michael Löwy. Na compra de um Michael Löwy: marxismo e crítica da modernidade, de Fabio Mascaro Querido, mais um livro clássico de Michael Löwy, o leitor ganha um desconto especial de 20% na compra do combo.
Ao todo, são três combos, que reúnem os livros Revolta e melancolia: o romantismo na contracorrente da modernidade, de Michael Löwy e Robert Sayre, Walter Benjamin, aviso de incêndio: uma leitura das teses “Sobre o conceito de história”, de Michael Löwy (com texto integral de Walter Benjamin) e O capitalismo como religião, com ensaios inéditos de Walter Benjamin, selecionados e comentados por Michael Löwy.
A promoção é válida até dia 30 de abril de 2016, somente pelo site da Boitempo. Confira os combos promocionais abaixo.
Michael Löwy: marxismo e crítica da modernidade
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Revolta e melancolia: o romantismo na contracorrente da modernidade
Economize 20% levando o combo com Revolta e melancolia, que recupera as fontes românticas do marxismo para reabilitar uma crítica da ideologia moderna de progresso.
COMBO #2
Michael Löwy: marxismo e crítica da modernidade
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Walter Benjamin, aviso de incêndio: uma leitura das “teses sobre o conceito de história”
Economize 20% no combo com o Walter Benjamin: aviso de incêndio, livro com tradução integral do texto de Benjamin, comentado por Löwy.
COMBO #2
Michael Löwy: marxismo e crítica da modernidade
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O capitalismo como religião
Economize 20% levando o combo com O capitalismo como religião, com ensaios inéditos de Benjamin, selecionados e comentados por Löwy.
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A Boitempo Editorial, o restaurante El Guaton e o autor convidam a todos à noite de autógrafos de lançamento do livro Michael Löwy: marxismo e crítica da modernidade, de Fábio Mascaro Querido. Gratuito e aberto ao público em geral, o evento ocorre a partir das 19h no Restaurante El Guaton, localizado na Rua Mourato Coelho, 861, na Vila Madalena (SP).
Noite de autógrafos do livro Michael Löwy: marxismo e crítica da modernidade, de Fabio Mascaro Querido (Boitempo)
Terça-feira, 05 de abril de 2016
A partir das 19h
Restaurante El Guaton
Rua Mourato Coelho, 861 | Vila Madalena | (11) 3034-4118
https://www.elguaton.com.br/
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Fabio Mascaro Querido é autor de Michael Löwy: marxismo e crítica da modernidade (Boitempo, 2016) e colaborador da Margem Esquerda: ensaios marxistas, revista semestral da Boitempo. Mestre em sociologia pela Universidade Estadual Paulista e doutor em sociologia pela Unicamp, com estágio doutoral realizado na École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS), na França, como bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, colabora com o Blog da Boitempo esporadicamente.
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