Chato, cricri e zung-zung

"Cultura ínutil" sobre gírias e termos que caíram em desuso

mouzar cricriPor Mouzar Benedito.

No guichê do banco, a moça me pediu que digitasse a senha do cartão. Perguntei: “Os seis algarismos ou só quatro?”. Ela fez cara de espanto. E brinquei: “Epa! Usar a palavra algarismo é coisa de velho, né? Entrega a idade da gente. Vocês usam dígito”. Ela sorriu: “Até que gostei. Vou usar também”.

Saí do banco pensando num monte de palavras que ninguém mais usa. Alguém ainda fala da repartição em que trabalha? E do ordenado que recebe?

Algumas palavras, com certeza, jovens nem imaginam o que significam. Carapina, por exemplo, que vem do tupi e era usada como sinônimo de carpinteiro. Ceroula, ninguém mais usa: nem a vestimenta nem a palavra. Assim como capote, que virou sobretudo e agora ninguém mais usa. Nunca mais vi ninguém de sobretudo, nestas terras tropicais – em países de clima frio, usam. – E correia em vez de cinto ou cinta? Nunca mais ouvi.

A palavra “chato” está aí, presente no dia a dia, mas houve uma época em que criaram uma outra para um chato mais chato, um chato que incomoda até o chato. E a palavra era cricri: esse seria o nome do bichinho que daria nos pelos públicos do chato. E nos pelos púbicos do cricri, segundo inventaram depois, teria o zung-zung. O chato do chato do chato. Vai ser chato!…

Alguém aí ainda fala carro de praça? Nem mesmo nos confins do interior, onde ninguém usava a palavra táxi. E falando em praça, quem entrava na polícia dizia que sentou praça.

Custoso era coisa difícil de se fazer. Marmota é um bicho que a gente vê em filmes sobre animais, mas antes era também o mesmo que palerma, bobalhão.

Campear, originalmente, era procurar algo (geralmente a cavalo) no campo ou no mato, mas usava-se essa palavra como sinônimo de procurar qualquer coisa em qualquer lugar.

Algumas palavras ainda usadas, mas raramente, como é o caso de frugal (simples), que hoje parece sofisticada, e merendar (lanchar), que, ao contrário, parece coisa de caipira.

No futebol, a bola costumava ser chamada de pelota, e a chuteira, na gíria, às vezes era chamada de chanca, que originalmente é um calçado com sola de madeira, o mesmo que tamanco (aliás, quem usa tamanco hoje em dia?).

A molecada gostava era da fuzarca (bagunça) e de arremedar ou remedar (imitar) os adultos. E as mães ainda adulavam (paparicavam) os pestinhas.

Não sei se era para diferenciar do sentido político, mas para o vermelho usava-se a palavra encarnado. Coisa que entrava na moda de maneira forte e rápida, uma moda ostensiva do momento, era coqueluche. Algumas pessoas, em vez de pedir “por favor”, pediam “por obséquio”.

Para negar de forma radical uma coisa dita sobre ele ou algo parecido, falava-se bravo: “É uma pinóia!”. Agora imaginem a música de Roberto Carlos: “De agora em diante, eu vou modificar o meu modo de vida…”. Não daria certo usar “doravante” com o sentido de “de agora em diante”. Quem fala doravante? E já que citei Roberto Carlos, uma gíria feminina dos tempos da Jovem Guarda, para falar que um sujeito era bonito: “Ele é um pão”. Aí alguns que não estavam nessa categoria começaram a gozar: “É mesmo. Pra ser bom, o pão tem que ser fresco”.

Ladrão era chamado de “amigo do alheio”. Para dinheiro, havia a palavra mango, que acredito ter sido importada do lunfardo, a gíria dos malandros de Buenos Aires. Mas falava-se também uma palavra vinda do francês, que até mesmo os caipiras mais renhidos usavam, pronunciando corretamente “larjan”, que deriva de l’argent (a prata, o dinheiro). Mas ainda há quem use prata: “Custou cem pratas”. E outra pouco lembrada hoje era cobre. “Aquele carro velho eu passei nos cobres”.

Ludopédio e muito mais

Imagine alguém contando essa historinha: “Depois de receber uma premagem, o ludâmbulo desligou o lucivelo, colocou o focale, chamou o cinesíforo e foi ao local da runimol de que teve notícia por um amigo alvissareiro”.

Assim seria contada essa historinha se se tivesse adotado a proposta de Antônio Castro Lopes, filólogo que viveu de 1827 a 1901 e, entre os vários livros que publicou, um de 1889, chama-se “Neologismos indispensáveis e barbarismos dispensáveis”, e tem essas palavras todas. Ele odiava o que hoje chamaríamos de imperialismo cultural que impunha um vocabulário cheio de vocábulos estrangeiros para nós. Na época, os fãs dos estrangeirismos (que ele chamava de barbarismos) tinham o francês como língua inspiradora, assim como os gringófilos de hoje adoram o inglês. Só que há uma diferença: os barbarismos que ele citava eram em grande parte palavras novas, sem equivalentes em português. Hoje, substituem palavras do português, que funcionam muito bem, por outras do inglês, e neste caso são desnecessárias.

Bom, mas voltemos à historinha. Os neologismos que ele propôs, como ludâmbulo, focalo e cinesíforo não pegaram. Então podemos contar hoje a mesma historinha assim: “Depois de receber uma massagem, o turista desligou o abajur, colocou o cachecol, chamou o motorista e foi ao local da avalanche de que teve notícia por um amigo repórter”. Acho muito estranho nessas palavras a proposta de usar “alvissareiro” em vez de repórter. Alvíssaras é uma palavra sempre relacionada a boas notícias, o que não é bem o caso da maioria do que ouvimos ou lemos dos repórteres.

Volto ao Castro Neves. Ele criou um monte de neologismos, inspirados no latim e no grego, propondo banir as palavras importadas. Mas quase nenhuma pegou. Duas que sei que são usadas: cardápio, em vez do francês menu, e, menos usada, convescote em vez de piquenique.

Agora algumas que não pegaram, além das citadas na historinha: preconício no lugar de reclame (palavra que já não usamos hoje – foi substituída por anúncio, propaganda ou publicidade), nasóculos no lugar de pincenê (óculos sem hastes que se prendem ao nariz por uma mola – não se usa mais nem o dito-cujo nem a palavra), ancenúbio (nuance), castelete (chalé), joalheira (bijuteria), entrosagem (engrenagem) e vanaplauso (claque). Chofer, derivada do francês “chauffeur” foi nome de uma profissão por muito tempo, até cair em desuso de vez, mas não substituída pelo cinesíforo que ele propôs, virou motorista. Ou, no caso de competições, piloto. Por falar nisso, já citei o carro de praça, expressão substituída por táxi. Quem conduzia o carro de praça era o chofer de praça, o atual taxista.

É atribuída a Castro Neves, também, a criação do neologismo ludopédio, que não pegou, para substituir futebol. Mas não sei se é dele mesmo ou de outra pessoa. Em 1889, época da publicação do livro “Neologismos…”, pelo menos, não havia futebol por aqui. E em 1901, quando morreu ainda era uma novidade.

Falando em futebol, no início e pelo menos até a década de 1950, o palavreado em inglês era dominante. Sobraram a própria palavra futebol (de football), pênalti (de penalty), drible (de dribbling) e gol (de goal). No meu tempo de criança, no interior mineiro, ainda se falava córner no lugar de escanteio, e no rádio ouvíamos falar do “escore” em vez de placar. Havia ainda quem chamasse goleiro pelo nome inglês, adaptado: goalkeeper, que pelos confins do Brasil pronunciava-se golquipa ou golquipe (na roça, gorquipe). Os zagueiros de hoje eram beques, os laterais “alf” (não sei se era assim que se escrevia), mas no interior pronunciavam arfe ou arfo. Arfo esquerdo e arfo direito. No meio de campo recuado, o centerarfo…

Outros nacionalismos

Lima Barreto, em seu genial “O triste fim de Policarpo Quaresma” tinha nesse personagem um nacionalista extremo, que propunha algo mais radical: a adoção do tupi como língua do Brasil.

Há alguns anos, o então deputado Aldo Rebelo propôs uma lei que, se adotada, redundaria em multa para quem usasse estrangeirismos desnecessariamente. Levou pancada de todo lado. Uma vez, encontrei um assessor dele e brinquei (mas até que não era tão brincadeira assim) propondo algo diferente: que se cobrasse taxas pelo uso de estrangeirismos desnecessários.

Dei um exemplo: já existiam centros comerciais no Brasil, antes de um deles, o Iguatemi (em São Paulo) ser criado com o nome Shopping Center. Era preciso adotar esse nome? Acredito que não. Então que se cobrasse uma taxa anual, por metro quadrado, para manter a denominação shopping center, ou simplesmente shopping. E cada loja dentro dele, se adotasse nomes estrangeiros também, pagaria mais uma taxa por metro quadrado. Dupla tributação! Daria uma baita renda, não? Só na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, seria arrecadado dinheiro suficiente para os governos nadarem na grana.

Muitas palavras do nosso cotidiano “antigo” foram excluídas para dar lugar a outras, em inglês, como citei lá em cima. A primeira que me lembro, e que na época me irritava, foi o insight. Usávamos aqui a palavra estalo, com o mesmo sentido, mas um certo pessoal achava mais chique falar em inglês.

E vieram os sanduíches… hot-dog (no início traduzido, cachorro-quente), hamburger, cheeseburger, chese-egg, sendo que o cheese (queijo) acabou virando X: X-burguer… Faço um parêntese para me lembrar de uma vez que estava na periferia de Osasco, nos anos 1980, numa padaria, e um sujeitinho metido a besta pediu um “pão com egg”. O chapeiro ficou olhando pra ele sem entender e ele ainda esnobou: “Você é burro? Não entende? É aquilo ali”… e mostrou um ovo pra ele.

Ah, agora com a onda de imitação de gringos, até a carrocinha de cachorro-quente perdeu a vez. Agora veículos maiores, exibidos, ostentam o nome food-truck e não se limitam a vender sanduíches (tá aí outro estrangeirismo: vem do inglês – da Inglaterra mesmo – sandwich).

E vieram os computadores, a internet… Claro, muitas palavras usadas nessas coisas não existiam antes, foram criadas. E como a criação foi em terras de língua inglesa, normal que se esparramem com esses nomes, adaptando-se aos vernáculos ou não. Mas há exageros, né? Ninguém apaga mais nada, deleta. Não baixa arquivos, faz download. Até imprimir já perde a vez para printar.

Para terminar, penso sempre – com aprovação – nos nomes de certos países e cidades que só são aportuguesados porque herdamos dos portugueses, mais ciosos da importância do vernáculo do que nós brasileiros. Com a mania brasileira de querer falar os nomes de países e cidades como se estivéssemos falando na língua deles, ou em inglês, acredito que logo vão abandonar nomes adaptados pelos portugueses e macaquear os gringos, falando empombado em London, England, Germany, Sweden, Swiss, Endland, Nederland…

Só quero ver, se resolverem falar de acordo com a língua do próprio país e não do nome dado a ele em inglês, como vão se enrolar para falar da Hungria (Magyarország, em húngaro), do Iêmen (Al-Jumhuriyya Al-Yamaniyya), do Reino da Dinamarca (Kongeriget Danmark), da Croácia (Hrvatska) e da já citada Suécia que em inglês é Sweden, mas, em sueco, o Reino da Suécia é Konungariket Sverigee. Mas sei que não há esse risco: a língua padrão é o inglês, de preferência falado com sotaque dos Estados Unidos.

Aliás, muitos já falam América para se referir aos Estados Unidos, como se só lá fosse América. E até sonham ser colonizados pelos “americanos”. Já eu preferiria que devolvêssemos o Brasil aos índios e nos adaptássemos a eles. Falaríamos línguas da família tupi-guarani, do macro-jê, aruaque, tikuna, tukano, aruaque, ianomâmi, baniwa, bororo… Viva Policarpo Quaresma! Rê-rê…

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Mouzar Benedito, jornalista, nasceu em Nova Resende (MG) em 1946, o quinto entre dez filhos de um barbeiro. Trabalhou em vários jornais alternativos (Versus, Pasquim, Em Tempo, Movimento, Jornal dos Bairros – MG, Brasil Mulher). Estudou Geografia na USP e Jornalismo na Cásper Líbero, em São Paulo. É autor de muitos livros, dentre os quais, publicados pela Boitempo, Ousar Lutar (2000), em co-autoria com José Roberto Rezende, Pequena enciclopédia sanitária (1996) e Meneghetti – O gato dos telhados (2010, Coleção Pauliceia). Colabora com o Blog da Boitempo quinzenalmente, às terças. 

3 comentários em Chato, cricri e zung-zung

  1. Roldão Simas Filho // 10/04/2016 às 9:32 pm // Responder

    Deve-se reconhecer o esforço do locutor esportivo Oduvaldo Cozzi em criar neologismos equivalentes aos termos em inglês que se usava no futebol até então. Corner passou a ser escanteio; referee é o árbitro etc.,etc.

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  2. Clovis Pacheco F. // 22/05/2016 às 11:36 am // Responder

    Além do supimpa, também desapreceu o cutuba, que até entrou num poema de Mário de Andrade!

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