A crise do PT: o ponto de chegada da metamorfose
Por Mauro Luis Iasi.
“Na luta política, não se pode macaquear
os métodos de luta das classes dominantes
sem cair em emboscadas fáceis”.
– ANTONIO GRAMSCI
No momento em que encerrava meus estudos de doutorado sobre o PT em 2004 (As metamorfoses da consciência de classe: o PT entre a negação e o amoldamento. São Paulo: Expressão Popular, 2006) utilizei uma citação de José Genoino que me parecia bastante representativa do ponto a que chegara este importante partido em sua trajetória. O mais interessante é que no texto, que foi publicado em 1989, o ex-presidente do PT que na época se localizava nas fileiras da esquerda daquela agremiação, buscava descrever as características dos partidos conservadores, próprios da estrutura política tradicional. Por uma das ironias da história, pareceu-me que tal descrição poderia bem ser utilizada para descrever o ponto a que chegou a metamorfose do PT.
Dizia Genoino:
“Genericamente, na sociedade industrial moderna, os partidos políticos da ordem nascem e atuam fundamentalmente no terreno das instituições representativas do Estado. O seu modo de ser e sua atuação política têm como referência e destino estar aí, operando em algum dos aparatos do Estado. A forma como estes partidos se organizam e se estruturam já vem marcada por este objetivo interesseiro, o de conservar a funcionalidade do estado de coisas estabelecido. Ou, no máximo, moldando as exigências de mudanças a um esquema de representações significativas que não abalem os alicerces das relações sociais determinadas pelo conservadorismo. Estes partidos mantêm uma relação com as massas populares essencialmente manipulatória, fazendo-as crer que a sociedade (e o Estado) só terá garantias de funcionamento se determinados limites não forem ultrapassados e se determinados esquemas funcionais forem mantidos. E não poucas vezes, a manipulação e a mentira são revestidas com discursos moralizantes para encobrir a sua descarada hipocrisia”.
(GENOINO, José. “Um projeto socialista ainda em construção”. In: GADOTI, Moacir. Pra que PT?. São Paulo: Cortez, 1989. p. 356)
O paradoxo é que o PT não nasceu no terreno das instituições representativas do Estado, mas no terreno fértil da luta de classes. Entretanto, a descrição acima indica com clareza o ponto de chegada de uma organização que, nascida no solo da luta de classes, deslocou seu ser para o terreno perigoso do “estar aí, operando em alguns dos aparatos de Estado”, com todas as consequências que daí derivam. Não apenas o respeitar dos limites, afirmados como intransponíveis pois ancorados nas restrições da “funcionalidade do estado de coisas estabelecido”, mas sobretudo aquilo que hoje se torna dramático: fazer crer às massas que a garantia de sua vitalidade só de dará na medida em que sejam respeitados tais limites, levando à uma ação marcada pela “manipulação e a mentira” revestidas por um discurso moralizante que tenta encobrir sua descarada hipocrisia.
Seria este um destino inescapável para aqueles que buscam o poder? Creio que não. Tal conclusão nada mais é que a expressão mais sofisticada da máxima do senso comum segundo a qual o “poder corrompe”. Caso nos rendêssemos a esta conclusão, teríamos que nos aprofundar nos escritos de John Holloway buscando os caminhos para mudar o mundo sem tomar o poder, apenas para descobrir que ele também ainda não os encontrou.
Continuo convencido de que a explicação para a metamorfose do PT tem de ser buscada na própria estratégia adotada pelo partido e seus limites. Ainda que o desfecho atual não possa ser entendido como o único desenvolvimento possível desta estratégia (governos como o da Venezuela e da Bolívia comprovam que haviam outras trajetórias possíveis, ainda que não isentas de impasses semelhantes), é seguro afirmar que o ponto de chegada guarda uma coerência com o caminho escolhido.
A TRAJETÓRIA DA ESTRATÉGIA DEMOCRÁTICA POPULAR
O caminho que leva das intenções iniciais da Estratégia Democrática Popular à sua implementação numa situação de governo é muito longo e cheio de matizes que não é possível aqui reproduzir. Desta maneira, vou centrar a atenção em alguns pontos que considero centrais para jogar um pouco mais de luz no desfecho trágico que agora presenciamos e pensar sobre perspectivas que se abrem.
Em sua substância mais essencial, a Estratégia Democrática Popular esperava, através de uma combinação de dois movimentos em “pinça” (a construção de um movimento socialista de massas de um lado, e assegurar as expressões institucionais destas lutas na conquista de espaços institucionais de outro), chegar ao Governo Federal para executar um programa anti-latifundiário, anti-imperialista e anti-monopolista. Buscando diferenciar-se da antiga formulação do PCB sobre a Revolução Democrática Nacional, um governo nestas condições que busca realizar este programa não representaria uma nova teoria de “etapas”, uma vez que sua implementação só poderia se dar por um governo “hegemonizado pelos trabalhadores”, sem nenhuma aliança estratégica com a burguesia.
Completa tal formulação a afirmação presente no V Encontro Nacional do PT (1987) segundo a qual a superação do capitalismo e o início da construção socialista marcava uma “ruptura radical” que pressupunha a necessidade dos trabalhadores tornarem-se classe “hegemônica e dominante no poder de Estado”, eliminando o “poder político exercido pela burguesia”.
A conjunção de vários fatores (a derrota eleitoral para Collor, a reestruturação produtiva do capital, a crise nas experiências de transição socialista, etc.) fará com que um processo de inflexão moderada se iniciasse a partir do VII Encontro Nacional (1990). A diferença sutil, mas cheia de significado, aparece nas resoluções deste encontro quando cita a formulação do V Encontro que apresentamos antes, afirmando que os trabalhadores devem se tornar hegemônicos na sociedade civil e no Estado, deixando outros aspectos do projeto socialista como “desafios em aberto”.
Para os bons observadores, é fácil notar que o que desaparece da frase é a necessidade dos trabalhadores tornarem classe dominante no Estado destruindo o poder político da burguesia e a desconsideração explicita na primeira formulação segundo a qual não haveria “qualquer exemplo histórico de uma classe que tenha transformado a sociedade sem colocar o poder político – o Estado – a seu serviço”.
O que parece ficar implícito é que os trabalhadores poderiam ocupar a máquina do Estado burguês e colocá-la a seu serviço. Tal raciocínio se explicita já no I Congresso em 1991, quando as resoluções afirmam, para apontar o tipo de socialismo que se desejava e diferenciá-lo das experiências históricas do século XX, que no caso petista o socialismo deveria se dar no quadro de um “Estado de Direito”. Ainda que tal debate se dê no contexto de uma avaliação necessária da relação entre democracia e socialismo e os problemas nas experiências de transição realizadas, no caso do PT isso, parece-me, acaba desembocando para muito além. Vejamos mais de perto a passagem das resoluções do I Congresso que trata do tema:
“O socialismo pelo qual o PT luta prevê, portanto, a existência de um Estado de Direito, no qual prevaleçam as mais amplas liberdades civis e políticas, de opinião, de manifestação, de imprensa, partidária, sindical etc.; onde os mecanismos de democracia representativa, libertos da coação do capital, devem ser conjugados com formas de participação direta do cidadão nas decisões econômicas, políticas e sociais. A democracia socialista que queremos construir estabelece a legitimação majoritária do poder político, o respeito às minorias e a possibilidade de alternância do poder”. (Resoluções do I Congresso (1991)
Quando analisamos mais detidamente a afirmação, percebemos que trata-se do mesmo Estado Burguês na forma “democrática”, com todas seus princípios tornados universais (ordenamento jurídico como fundamento das relações, liberdades civis, democracia representativa combinada com formas de democracia direta, legitimação da maioria, respeito às minorias e alternância de poder), as famosas “regras do jogo”, tal como define ninguém menos que Norberto Bobbio e que foram invocadas pelo ex-presidente Lula em seu discurso recente. A diferença é que esta máquina política seria, agora, liberta da “coação do capital”.
O problema é que se estas concepções navegam em um inevitável terreno de abstrações, na situação concreta da possibilidade de chegar ao governo do Estado burguês elas ganham materialidade. A principal alteração na operação da estratégia surge exatamente da possibilidade de chegar ao Governo Federal antes que o trabalho da “pinça” estivesse avançado o suficiente para criar uma correlação de forças que permitisse implementar o programa anunciado.
Tal dilema se expressa em algumas perguntas: É possível, mesmo nesta situação, chegar ao governo? É desejável? Caso se chegue é possível manter-se, isto é, não ser derrubado por um golpe? As respostas a estas questões são chave na compreensão de nosso tema. Porque depois de avaliar que por conta crise econômica, das contradições dos governos burgueses de plantão, etc. essa era sim uma alternativa possível, e depois de definir que ela era de fato desejável, a discussão passa a se centrar nas condições para manter-se no governo.
O sentido geral desta equação resolveu-se da seguinte forma. É possível chegar ao governo mesmo sem a correlação de forças necessária, mas isto implica que não seria possível implementar o programa anti-latifúndio, anti-imperialista e anti-monopolista, o que significaria seguir o acúmulo de forças em novo patamar – agora numa situação privilegiada de poder por se encontrar no governo.
REGRAS DO JOGO
Neste ponto, no entanto, a operação da estratégia se torna complexa, pois a chegada ao governo significava, no esquema anterior, a oportunidade para desencadear o programa democrático popular e, num segundo momento, confirmada a impossibilidade de levá-lo a cabo em sua integralidade no interior da ordem burguesa (até pela resistência óbvia dos segmentos conservadores), a possibilidade de seguir com uma ruptura mais radical em direção ao socialismo. Agora, no novo contexto, trata-se de seguir a acumulação de forças utilizando-se do espaço de governo, para depois buscar este desfecho. Mas, para isso, é preciso e essencial permanecer no governo e a única forma de fazê-lo era não implementar os eixos do programa e sua radicalidade para não despertar a reação das classes dominantes.
A forma do Estado proposta e os termos deste dilema se resolvem, no andar da carruagem, na equação que conduziria à inflexão moderada: rebaixar o programa, ampliar alianças, ganhar as eleições e garantir a governabilidade.
Durante todo o tempo em que, nas novas condições apresentadas, o PT levaria o processo de acúmulo de forças para uma situação de governo, o Estado burguês não interviria no sentido da interrupção do processo, uma vez que o PT estaria comprometido a respeitar as regras do jogo.
Acontece que as regras não dizem respeito apenas ao tabuleiro político. O jogo principal se dá na luta de classes, e é em seu terreno (que são as relações sociais de produção e as formas de propriedade) que se encontram as principais regras que a burguesia quer ver respeitada. O equilíbrio não estaria, portanto, apenas na aceitação das regras da disputa política e do exercício de governo, mas na aceitação explícita que ninguém estava disposto a chutar o tabuleiro da acumulação capitalista, ou nas palavras do jovem Genoino, “moldando as exigências de mudanças a um esquema de representações significativas que não abalem os alicerces das relações sociais determinadas pelo conservadorismo”, diríamos nós, determinadas pela forma capitalista de produção e a sociabilidade burguesa que dela deriva.
É neste ponto que a estratégia petista desemboca no pântano do pacto social e da conciliação de classes como condição de sua governabilidade. Os termos do XII Encontro Nacional em 2002, às vésperas da eleição que levaria Lula ao seu primeiro mandato é reveladora desta intenção ao falar da necessidade de um “novo contrato social”, uma ampla aliança entre forças políticas para dar “suporte ao Estado-Nação”, leque de forças que deveria incluir “empresários produtivos de qualquer porte”. O problema era como atrair o empresariado de qualquer porte e a resposta é os benefícios de superar a lógica rentista, a ampliação do mercado de massas e garantir a “previsibilidade para o capital”.
Ora, previsibilidade para o capital significa garantir para a burguesia que não se mexerá nas formas de propriedade, nas relações sociais de produção e, conjunturalmente, não se alteraria o rumo da contra reforma em curso e seus mecanismos macro-econômicos. Ou seja, exatamente o que foi depois expresso na “Carta aos brasileiros”, de Lula em 2002.
Quatro mandatos presidenciais demonstram, é certo, a eficiência tática do caminho do pacto social. Mas algo salta à vista de qualquer analista atento: a tática de permanência no governo não acumulou forças no sentido esperado no quadro da estratégia democrática popular. Pelo contrário: desarmou a classe trabalhadora de sua autonomia necessária, a desorganizou, despolitizou, e deslocou o campo de luta para o terreno do inimigo: seu Estado. Aí está um nó principal no grande equívoco de implementação da estratégia na situação de governo. O Estado não é neutro, nem altera sua natureza de classe pela ocupação de seus espaços por forças sociais oriundas de outras classes, segue funcionando como Estado-classe, nos termos gramscianos.
Para manter os termos necessários ao pacto e a conciliação de classes, o governo é obrigado a golpear os trabalhadores em seus direitos mais elementares. O preço da governabilidade não é o adiar da execução integral do programa democrático popular, é sua mais retumbante renúncia.
MAS E A OPERAÇÃO LAVA JATO?
Neste ponto da exposição, o leitor inquieto do Blog da Boitempo se pergunta: “puxa, a conjuntura explodindo em fatos dramáticos, a Presidente sob risco de impedimento, Lula sendo levado sob condução coercitiva para depor na Lava-Jato, e este cara nos falando de estratégia!?”
Pois é, o problema é que não creio ser possível entender os acontecimentos envoltos nas brumas enganosas da conjuntura, e muito menos posicionar-se politicamente, sem compreender estes fatos à luz do processo histórico mais recente. Aquele que tomar as decisões pelo fígado ou movido pelas paixões mais candentes, corre um enorme risco de errar.
Uma lembrança pessoal pode me ajudar a finalizar esta reflexão. Inúmeras vezes, quando militava no PT, era provocado pela veemente afirmação segundo a qual Lula tinha uma casa no Morumbi. Ocorre que naquela época eu morava em São Bernardo e era vizinho de Lula. Ele morava ao final da Rua São João e eu uma rua acima. Era uma casa absolutamente compatível com as condições de um operário e dirigente sindical. Desta forma, sempre respondia a tais provocações com humor, afirmando que meu pequeno apartamento na cidade do ABC paulista tinha então valorizado muito, pois não sabia que ali era o Morumbi.
Conto isso para afirmar duas coisas. Primeiro, que o que tem aparecido é apenas uma cortina de fumaça. Não se trata de bens pessoais ou favorecimentos. Não tenho o menor interesse em saber onde fica ou qual o tamanho da moradia do ex-Presidente, nem de onde ele descansa nos fins de semana. Segundo, que diferente daquela época, não estou disposto a botar minha mão no fogo para atestar a inocência de Lula, como parece ter se prontificado Fernando Morais. Não pelos fatos que o imputam, como disse, mas por algo maior que se refere à reflexão aqui apresentada.
Uma das consequências da conciliação de classes operada é uma relação promiscua entre o poder público e os interesses monopolistas privados. Vejam, não discuto a dimensão legal de tais atos, uma vez que exércitos de bons advogados podem chegar a provar que nada do que foi feito é ilícito. Não opino e não quero opinar neste campo. Interessa-me uma dimensão política e moral.
Pode ser perfeitamente legal, num exemplo hipotético, que um ex-Presidente aproveite suas viagens para apresentar a um determinado candidato em um certo país, seu amigo publicitário com um portfólio invejável de vitórias eleitorais; ou ainda, um esforçado empresário de uma grande empreiteira disposto a contribuir desinteressadamente com os custos de tal campanha e depois discutir, já que está por ali, a eventualidade de um ou outro contrato caso o candidato ganhe. Independente de discutir a legalidade de tais procedimentos, do ponto de vista moral é reprovável e do ponto de vista político tal postura é indefensável.
Em outro plano, com o perdão dos adoradores da álea singular dos acontecimentos conjunturais, o desenvolvimento da estratégia petista na situação de governo comprovou que o malabarismo do pacto social acabou por favorecer muito os interesses das camadas dominantes, ao mesmo tempo em que se operavam ataques severos contra nossa classe trabalhadora, como a reforma da previdência, o rigor na aplicação do ajuste fiscal, a lei antiterrorismo que criminaliza as lutas sociais, a entrega do pré-sal, o abandono da reforma agrária, o código florestal e o código de mineração, a liberação dos transgênicos, e uma lista que não caberia neste espaço.
Assim, nos parece que a burguesia está disposta a se livrar de seu aliado, não por suas eventuais virtudes de um líder operário que um dia foi, mas pelo simples fato de que, tendo sido muito útil para operar uma democracia de cooptação fundada no apassivamento da classe trabalhadora, torna-se agora fonte de instabilidade que pode colocar em risco os interesses dominantes. E a burguesia vai usar todos os meios para tanto, fazendo uso inclusive daqueles instrumentos de seu Estado-classe que o PT julgava que fossem “republicanos” e que estariam a serviço desta abstração chamada “nação”.
O PT não se preparou para esta eventualidade pelo simples fato de que em sua estratégia tal possibilidade inexistia – seria neutralizada pelo caminho escolhido e o respeito às regras do jogo. Não há culpados na luta de classes, não somos cristãos. Mas há responsabilidade. Se a direita, como parece ser o caso, resolver se livrar do PT com os métodos mais escusos, certamente a responsabilidade não pode ser atribuída àqueles que sempre apontaram esta possibilidade e indicaram os limites do desenvolvimento desta estratégia.
O argumento que convoca à defesa pública de Lula (e, por via de consequência, de seu partido), de que se é a direita que o ataca, a esquerda “tem a obrigação de defendê-lo”, é absolutamente falacioso. A única maneira de defender Lula é torná-lo um fetiche. Isto é, abstrair toda a particularidade concreta que o constitui para produzir um Lula simbólico muito distinto da pessoa real que ele é e que sua prática demonstrou ser. Para emergir um Lula defensor injustiçado dos mais pobres e dos trabalhadores, perseguido pelos poderosos, é necessário abstrair o Lula amigo destes poderosos, levando-os em vôos fretados para fazer negócios e criando as condições para que ganhassem dinheiro como nunca, como ele próprio gosta de dizer. Mas mesmo assim, proclamam outros, este símbolo pode ser o que nos resta para resistir contra o ataque da direita.
Os caminhos nefastos do culto à personalidade – de se acoplar o destinos da classe ao carisma pessoal de um líder independente do sentido real que sua ação política aponta – já demonstrou seus enormes riscos na história de nossa classe. Se um Lula abstrato e fetichizado – em outras palavras, o lulismo – for nossa última e única linha de resistência (o que não creio que seja verdade) contra o próximo movimento da direita, seja qualquer que for o resultado, nós já estaremos derrotados.
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PARA APROFUNDAR A REFLEXÃO… 5 DICAS DE LEITURA DA BOITEMPO
A legalização da classe operária, de Bernard Edelman
Marxismo e direito: um estudo sobre Pachukanis, de Marcio Bilharino Naves
Estado e forma política, de Alysson Leandro Mascaro
Hegemonia às avessas: Economia, política e cultura na era da servidão financeira, organizado por Chico de Oliveira, Ruy Braga e Cibele Rizek
O dilema de Hamlet: o ser e o não ser da consciência, de Mauro Iasi
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Mauro Iasi é professor adjunto da Escola de Serviço Social da UFRJ, pesquisador do NEPEM (Núcleo de Estudos e Pesquisas Marxistas), do NEP 13 de Maio e membro do Comitê Central do PCB. É autor do livro O dilema de Hamlet: o ser e o não ser da consciência (Boitempo, 2002) e colabora com os livros Cidades rebeldes: Passe Livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil e György Lukács e a emancipação humana (Boitempo, 2013), organizado por Marcos Del Roio. Colabora para o Blog da Boitempo mensalmente, às quartas.
O erro de muitos setores da esquerda é ver o golpe em andamento como um golpe contra o PT e, por vezes, mesmo como uma justa punição por sua política acomodatícia e conciliadora. Mas a fragilidade do governo e do PT serve apenas como facilitadora para um retrocesso político monumental, que implica a criminalização de toda a esquerda, o enxovalhamento das liberdades liberais, a tutela dos resultados eleitorais pelas minorias poderosas e a aceleração e o aprofundamento dos processo de retração de direitos e de alienação do patrimônio nacional que já está em curso com a cumplicidade de grande parte do próprio PT. Que o PT não tem mais condições de vocalizar o projeto da esquerda, está claro. Mas não é a sobrevivência do partido que está em jogo, é a da democracia. Por isso é imperativo barrar o golpe, a despeito de toda a compreensível frustração com Dilma, Lula e o PT. Afinal, o golpe não cria uma linha divisória entre quem apoia e quem não apoia o governo que está sendo golpeado. A linha divisória que o golpe cria é entre quem apoia e quem não apoia os golpistas. É um desses lados que se precisa escolher.
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Olá Luis Felipe. Você está certo ao apontar que as consequências da atual crise apontam para riscos para a democracia formal estabelecida e para um retrocesso monumental. A diferença é que sigo acreditando que este processo já começou há um certo tempo, inclusive por atos e medidas dos próprios governos petistas. Acredito que devemos superar esta suposta constatação segundo a qual “A linha divisória que o golpe cria é entre quem apoia e quem não apoia os golpistas”. Nesta disjuntiva é evidente que não apoio e denuncio o eventual golpe, no entanto, isso não implica que devemos apoiar nem o governo nem Lula como alternativa para a crise. Na manhã de hoje Lula, recusando a alternativa de ir para o ministério, afirmou que prefere ficar fora do governo para pacificar a base social para garantir o ajuste que o governo julga necessário.
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Mauro, no que pese toda a sua boa performance retórica, seu texto não passa de um apelo moralista enrustido de apoio ao golpe. Espero, sinceramente, que não seja morto futuramente pelos próprios agentes golpistas.
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Obrigado Landim, também espero. Tentando sobreviver à Portaria Normativa de dezembro de 2013, da Lei Anti Terrorismo e do enquadramento na Lei de Segurança Nacional por processo movido por Bolsonaro.
Um abraço.
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Não tolero a linha ultra adotada pelo PCB…Mas vejo que lhe resta lucidez suficiente para perceber o perigo iminente. É isso mesmo, todos unidos contra o golpe e pela democracia.
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Acho que me precipitei…Pensei que o comentário do Luis Felipe fosse um resumo da fala do Iasi…Enganei-me. Não resta lucidez nenhuma ao cidadão em questão. Que se queime sozinho na fogueira qdo sua hora chegar
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Excelente, Mauro!
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Agradeço o comentário. Reforça minha convicção que o debate deve aprofundar-se nas dimensões estratégicas e históricas, evitando assim as posições fundadas no irracionalismo vazio de conteúdo. Quando minha hora chegar não estarei sozinho.
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Com certeza Mauro! Estamos num momento da história,que não há o que fazer a não ser nadar contra a maré.Seremos pouquíssimos, mas o aprendizado histórico, mostrará ao restante da classe o caminho a seguir.Abraço trezista.
Gilmar
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Muito boa a reflexão. Ter a esquerda no poder era nosso sonho nos anos 70 e 80. Me pergunto agora qual foi o projeto colocado em prática. Não cabe aqui uma comparação com 64. Naquela época, matava-se grevistas a tiros. Imperava a impunidade. Vejam Cabra Marcado para Morrer. O mandante do crime foi condenado. Era quinto suplente na Assembleia da Paraíba. O titular e quatro suplentes renunciaram para que assumisse e ganhasse imunidade parlamentar. São as regras do jogo. Delas também se valem as esquerdas de hoje.
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Tempos perversos exigem menos reflexão mas prontidão para a defesa da democracia para todos e todas. Aqui em casa estamos de prontidão para sempre tentar escrever certo apesar das linhas tão tortas impostas por seitas fundamentalistas que sugam o Estado desde João VII.
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Prezado professor Mauro Iasi, a análise me contempla em muito dos meus questionamentos, cujas respostas, por falta de instrumentos, eu somente podia intuir.
Tenho comentado, com base na mais pura intuição, que a adesão incondicional a Lula é um equivoco.
De um lado me pergunto se o único acordo que preserve Lula não seria um acordo que leva, em seguida, e inexoravelmente, ao ataque de toda classe trabalhadora. Impetrado, inclusive, por Lula e pelo próprio PT.
De outro lado me pergunto se o tensionamento for levado às ultimas conseqüências, até uma ruptura radical, não estaremos diante do risco de que não somente o PT veja sua estratégia de ocupação do Estado derrotada, mas de todas as frentes e forças de esquerda que, cada qual a sua maneira, tem buscado organizar a sociedade, na outra ponta da “pinça”.
Enfim sua análise termina no alerta sobre qual caminho não seguir. Contudo, certamente uma visão estratégica vislumbra cenários futuros que definem as posições na conjuntura.
Tenho interesse em avançar a reflexão neste sentido.
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É exatamente isso.
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É um bom caminho. Estou convencido que os caminhos da esquerda no período que se abre tem que ser qualitativamente diverso. Não será fácil.
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Quanto as ” Regras Do Jogo ” , tema levantado pelo colunista, creio que a coisa é mais complicada ainda e também toca , por isso mesmo, na questão “jurídica” que não é seu alvo, como ele mesmo ressalta. Mas poderia ser . Explico : por que milhares e milhares de pessoas que não representam o ” capital ” e seus interesses e nem estão ideologicamente alinhadas as ” direitas ” , estão contra o governo e até a favor do “impeachment ” ? Não basta dizer que elas estão sendo manipuladas pela mídia ou algo assim , por mais que isto esteja muito claro, sendo algo mais do que notório, simplesmente resplandecente.Também não basta dizer que são pessoas em dificuldades econômicas e que, por isso, ” entram no embalo “.
Para usar a terminologia aqui empregada , imaginem a seguinte situação ; alguém abordando uma pessoa ” não capitalista ” , que paga impostos ( simplesmente todas as pessoas , ao comprarem qualquer coisa ) e que não tem, digamos , qualquer ” vivencia política ” ou preferencia ideológica , para dizer isto , abra-se aspas ( estamos deixando de lado todas as pessoas assalariadas e desempregadas que possuem , por exemplo, ações da Petrobrás, RSS ) :
” Olha, até é verdade que existiu corrupção e tal e que seu dinheiro foi roubado . Ok. Beleza . Voce tá certo . Mas não esquenta não ;isso é detalhe : isso sempre aconteceu e aconteceu até pior mas ninguém foi punido e nem investigado, mesmo porque o procurador imposto pelo outro presidente, o fernandinho, aquele mesmo que comprou a reeleição , engavetava tudo . O bom, agora, é que a gente permitiu esse roubo todo mas em seu benefício , porque ele foi para manter um projeto popular . Foi também para o PT, que te representa e defende , mesmo sem voce saber ou entender direito . O nosso partido é, na verdade, o seu partido , entende ? Enfim, nós somos a favor de voce, mesmo sem prezar o seu dinheiro e ainda tomando ele de voce , porque somos marxistas e, por sermos marxistas,sabemos o que é bom e justo para voce e para seus interesses . E , claro, o que deve ser feito com a sua grana. O resto, essa coisa de investigar onde foi o dinheiro e para que, quem roubou ou deixou de roubar, é só formalidade jurídica, coisas do Direito em um estado burguês, coisa de gente estúpida preocupada com as regras do jogo de um status quo injusto e opressivo. Se a gente te roubou, dane-se . Roubamos voce para voce e por voce. E, sem voce saber, com o seu aval, de certa forma. Um dia voce vai entender .Mas num sistema capitalista e na conjuntura que havia , pra gente te ajudar, a gente tinha que fazer assim . Voce precisa, em seu nome e em nome do povo, deixar a gente te roubar, para o seu bem , porque voce não entende a perversidade maior do Capital . Mas sente só : a gente também deu meios , coisa que o fernandinho não fez, para que isso pudesse ser descoberto. Por isso tudo, voce tem que dar um desconto enorme . Deixa pra lá. Esqueça essas coisas de corrupção ; esqueça que o seu dinheiro foi desviado porque o importante é manter a gente para voce se manter e para manter a democracia , já que o Capital e as elites querem nos derrubar, sendo que eles sempre fizeram muito, muito pior e voce nem percebia ! Agora, eles querem , com o argumento da moralidade e da justiça e ainda falando em sua defesa , veja só , nos tirar do poder deixando voce na mão e boicotando a democracia . Pelo amor de Deus, não troque essa questão menor , o fato da gente ter te roubado sempre ou ter deixado te roubarem; – não importa – , pela questão maior que é evitar um golpe dentro da lei, contra a democracia ”
Gente, salvo uma prova jurídica inconteste, ou seja , ” mais inconteste ” do que as que por ventura já existam , eu posso ser a favor da manutenção da presidente , por crer que há sim , claramente, uma espécie de ” golpe dentro da lei ” , com amplo apoio midiático . Mas quem conseguir colocar o espírito do trecho acima , dentro da cabeça de uma pessoa “comum “, que não é ” ilustrada ” e nem comprometida com alguma ideologia , me diga como conseguiu a façanha ! Quem conseguir , precisa passar , correndo , a dica para todo mundo antes das próximas manifestações . Quem conseguir traduzir o “paroxismo” acima ( se é que há e não me iludo ), em uma linguagem de fácil acesso , que possa ser posta em cartazes e redes sociais, estará fazendo um grande favor à democracia, até mesmo por simplesmente conseguir informar as pessoas sobre o que está acontecendo, sobre o que está em jogo .
Ricardo Labbate
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Muito boas as observações de Mauro Iasi, especialmente a crítica ao lugar comum de que a direitização do PT é porque passou a governar. Na minha tese de doutorado, defendida em 2004 na Unicamp, analisei as metamorfoses do PT de 1980 a 2000 e daí concordar com a importância do resgate histórico. Mais observações: o PT e o governo devem ser considerados como um tipo específico de direita e perseguição que estamos assistindo materializa uma luta dentro da própria direita e não uma suposta polarização com uma esquerda inexistente; a luta entre grupos de direita, inclusive, foram bem analisadas por Marx no 18 Brumário; a questão é como criticar e se opor ao golpe sem cair na chantagem petista e governista.
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É isso mesmo Professor Mauro Iasi…isso mesmo, infelizmente…
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Mauro você nos brindou com uma ótima análise, penso que recolocar o debate no nível estratégico é fundamental, pois, muitas das análises que temos visto tem anulado está importante dimensão em favor de um novo dualismo pragmático,neste estranho e nada dialético raciocínio, seriamos forçado a defender uma figura como o Lula alem de instituições como o PT e o governo Dilma, pois, se assim não fizéssemos estaríamos entrando no jogo da direita golpista. Num misto de oportunismo com muita ingenuidade os arautos do governismo cantam auto que nesta conjuntura caberia a nós de esquerda nos tornamos defensores da democracia, ou seja, para eles a legalidade burguesa é um valor universal. Vejo em vossas análises o germe da superação deste engodo !
Um abraço !
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Carlos Nelson Coutinho, quando trocou o PCB pelo PT, um dos argumentos era que neste partido encontrava-se a maior representação dos trabalhadores e os maiores movimentos de massa. Era um bom argumento que, na época, eu entendia que ele queria dizer que tudo aquilo precisava ganhar uma consistência teórica e uma coerência na sua trajetória no sentido de tornar-se capaz de formular um programa condizente com as aspirações e necessidades dos trabalhadores, capaz de reverter o rumo do conservadorismo. O artigo de Mauro Iasi, competente, como sempre, porém descreve um PT como se fosse algo homogêneo, com uma visão e um programa dos trabalhadores, quando, de fato, era um amontoado de grupos, com reivindicações e propostas que não passava do corporativismo e, inclusive, muitos deles de caráter religioso e anticomunistas. Procurava, inclusive, se distanciar da tradição socialista e do marxismo. O socialismo, que muito precariamente chegavam a aventar era um socialismo a ser construído pelos trabalhadores e pela prática política do movimento como se isso fosse capaz num país de periferia, com forte hegemonia da ideologia dominante e monopolização das divulgações.
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Interessante, o grande pensador vai por a mão no fogo por Aécio Neves, é?.
Ando cansada dos, politicamente, “canhotos”.
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Olá Wilma, exatamente onde você encontrou alguma linha que indique qualquer tipo de apoio à Aécio Neves? Se você anda cansada, sugiro que descanse e depois faça o seguinte para entrar no debate… leia o texto. Um abraço “canhoto”.
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Em minha opinião, quem sabe até arriscada, mas penso que a melhor situação para toda a crise esquerdista em que ficamos ou tornamos, em acordo com o texto do professor e por pontos de vistas expostos aqui nas opiniões, que Lula deveria “renunciar”. Um ato simbólico, no qual ele abertamente faria o discurso do afastamento, para ir para coxia definitivamente. Ficar no silêncio e assumir compromisso com a Justiça que esta investigando e solicitando sua presença, depoimentos, e até mesmo, aceitar infeliz prisão, se ocorrer. Já dizia, quem não deve, não teme. Esta a impressão que se cobra em oposição a insistente posição dele de incitação a este fanatismo incontrolável dos petistas mais arraigados, ou de todo esquerdista que se sinta deste lado político. Ele deveria, nesta minha opinião, enaltecer a presidente Dilma, deixando claro que ela é a autoridade máxima no país e eleita democraticamente. E ela, assim, deixar de vir em público nesta defesa dele. Acredito sinceramente, que isso não seria réu confesso, pois daria o tempo da dúvida, ao menos. E, o respiro que precisamos para reorganizar as bases. Se ele quer manter o idealismo do herói, não vejo artimanha melhor. Esta teimosia, no mínimo de definição, de Lula e de Dilma, na defesa dele, está colocando os outros partidos de esquerda em desordem, pois me parecem frágeis, quem sabe oportunistas, e isso, nos incorre em errar outra vez, como teme o professor no seu texto esclarecedor e informativo. A decepção é de todas as classes sociais, pois quem recebeu os benefícios sociais do governo Lula, também está frustrado economicamente e percebe a ameaça de voltar um segregacionismo que implica na falta de oportunidades e dignidade. Chego até suspeitar, que essa necessidade de idolatria, de defesa irrefutável ao Lula, por seus admiradores e seguidores, se trataria desta frustração difícil de introjetar e assim, defendem até mesmo os prejuízos que são ameaças pautadas nas questões da previdência e as outras citadas. Sinto que corremos o risco de estarmos perdendo a luta, pois com o medo da esperança acabar, quando a aurora some sem mais, o mais fraco cede. Ele se volta, por uma sobrevivência que eu diria de atitude historicamente treinada, a se encostar subserviente ao dito poderoso, Seu Dotor. Um afastamento estratégico de Lula, eu não consideraria tão impossível, mas a grande utopia seria realmente, que o PT se revisitasse honestamente, e refizesse, assumindo todos os riscos do jogo político, sem macaquear! Para encerrar, digo que o sistema capitalista precisa ser reformulado, mas não dá para ser trocado. Atitudes radicais contra o capitalismo, também fortalece a política dominante. Mas, outra pauta.
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Será que a Lava Jato não está inserida em um contexto mais amplo e que discutindo a prisão de Lula e a destruição do PT não estamos sendo “envoltos nas brumas enganosas da conjuntura”?
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Você está correto Jorge. A operação Lava Jato é o meio pelo qual as classes dominantes, ou pelo menos um segmento destas classes, quer encerrar o ciclo petista. Precisamos refletir não apenas por que desta intenção, mas também como o PT se meteu nisso.
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Lula como reformista histórico, foi até o seu máximo para o lado esquerdo ( centro, com um dedinho mindinho na esquerda). E infelizmente, o lulismo, engoliu o PT. Enquanto conciliador, o “sapo barbudo” nunca quis bater de frente com o seu super-ego ( o capital e os dominadores). Mas o super-ego , como sempre, é perverso e não vai perdoá-lo , ainda que se ajoelhe a ele. Sempre vai pedir mais. Como serviu ao super-ego e sempre temeu o encontro com o vazio revolucionário, ou transformador, está sem o apoio da esquerda de fato, e da direita que quer, o que ele não pode mais dar. Portanto, PT, não venha pedir apoio para nós, que sempre lutamos nas trincheiras da transformação , por um apelo ao golpe. A luta aí é entre vocês da direita, seja PT, PMDB, PSDB, DEM farinha do mesmo saco ideológico, defensores do status-quo e da estrutura político-econômica atual, orquestrada por meio de ajustes fiscais na suposição equivocada de que o páis tem que gastar menos do que arrecadada. PSTU, PCB, PSOL e outros, lutam por outra proposta de Brasil.
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É possível que a lava jato seja parte de uma estratégia global.
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Perfeito, Mauro! PQP, perfeito..
Foi na espinha!
Como sou grato de ter por perto memórias como à tua. E nos momentos mais importantes, quando a história revela todo seu sentido e necessidade.
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Além de ir pelo caminho mais fácil, o PT se tornou um partido covarde e preguiçoso. Acredito que um esforço do governo para auditar a dívida pública, reduzir a taxa de juros, investir na re-industrialização do país, incentivar a produção de alimentos livres de GMOs/Agrotoxicos e se tornar, de fato, uma ‘Pátria Educadora’ era bem possível, mesmo dentro das ‘regras do jogo’. Mas não houve iniciativa nem esforço do governo em nada nesse sentido. Para mim, um Rafael Correa brasileiro já estaria de muito bom tamanho.
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Acho a análise muito boa, mas há apenas um detalhe muito importante não levantado nela, e é importante a gente se ater a isso para fugir de um esporte muito querido pela esquerda ultra intelectualizada: a masturbação ideológica. É tudo muito lindo e tudo muito claro quando são feitas análises sociológicas e políticas na base da teorização absoluta, da perspectiva de um purismo ideológico socialista que o próprio autor admite ser distante quando ele discute se era preferível não ganhar as eleições até que as condições para a implantação deste modelo estivessem colocados.
Muito bonito.
Só que a gente se esquece de um detalhe que eu acho fundamental na defesa dos governos do PT, em contraposição ao que acontecia quando a direita ‘pura’ estava no Planalto: por mais restritas que tenham sido as mudanças, por mais tímidos que tenham sido os programas sociais, existe um fato concreto que é a sensível diminuição da miséria extrema, com a mitigação do fantasma inaceitável da fome; o maior acesso de negros e pobres às universidades; a mudança gradual do pólo de investimentos e desenvolvimento econômico para regiões como o Nordeste; a chegada da energia elétrica (que luxo) a 15 milhões de residências.
Sim, eu acho isso muito pouco diante das expectativas criadas pelo governo e diante do que poderia ter sido se o PT não tivesse sentado no colo da nossa elite. Não foi feita nenhuma reforma de base profunda. Nada de reforma agrária. Nada de taxação de grandes fortunas. Nada de democratização da imprensa. Nada de democratização do judiciário.
Mas, mesmo diante de tudo isso, temos de nos fazer uma pergunta: para aqueles 30, 40 milhões de miseráveis que não tinham nem a certeza de que teriam comida no dia seguinte. Para os milhares de negros que se formaram e mudaram o destino de suas famílias graças às cotas. Para os milhões de potenciais retirantes que não tiveram de deixar suas casas e famílias para se aventurar no Sul Maravilha em busca de oportunidades de emprego. Para os milhões de pessoas que agora podem ter uma geladeira em casa graças à chegada da luz elétrica. Para todos esses infelizes que não participam de colóquios de esquerda, o que seria melhor? A esquerda não chegar ao poder até que as condições para a implantação do socialismo estivessem apresentadas?
Existe uma frase muito famosa que diz: Quem tem fome tem pressa. Para esses milhões de brasileiros, a união do PT com a elite e suas tímidas políticas sociais no governo representaram a diferença entre a fome e a barriga cheia. E isso já é alguma coisa…
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Prezado Alexandre,
Todas estas conquistas importantes também poderiam ter acontecido com uma participação maior e mais ativa dos mesmos que foram alvo das melhorias que resultaram destas políticas. Infelizmente, da maneira como se materializaram, tais políticas se tornaram “esmolas” concedidas por um governo que negociou com a elite a concessão de tais esmolas.
A elite pressionou e o PT e sua representante no comando do Executivo, leia-se Dilma Roussef, após a reeleição deu as costas aos milhões de miseráveis e passou a governar exclusivamente para a elite, retirando das massas trabalhadoras direitos que haviam sido negociados com esta mesma elite, no período anterior. A esquerda “masturbadora” como você denominou a esquerda reflexiva, esperava a continuidade e o aprofundamento das políticas de combate a miséria e de inserção social que foram acertadamente desenvolvidas nos primeiros mandatos do PT. Infelizmente, a História é implacável, não existe conciliação de classes, como o PT e Lula tentaram fazer o povo pobre e o trabalhador brasileiro, acreditarem. A luta de classes, esta sim é o moto deste sistema infame que a todos massacra, em especial aos pobres e trabalhadores terceirizados das cidades e do campo. O PT e Lula com 80% de aprovação popular ao final do segundo mandato, por acreditarem na conciliação de classes como algo que se eternizaria no Brasil, chamaram as raposas (PMDB) para governar juntos. As raposas rapidamente perceberam a fragilidade do PT, a desorganização da classe trabalhadora, fruto do período anterior de oferta de “esmolas sociais” e desmobilização político-organizativa e deram um basta nesta idéia de conciliação. Com isso estão progressivamente destruindo todas as importantes conquistas mencionadas por você em seu comentário. A esquerda reflexiva, não acredita em papai noel, duendes nem tampouco na conciliação de classes. Além dos males que mencionei causados por esta análise caolha das relações entre as classes no sistema capitalista, hoje, por conta de toda esta desmobilização e desinformação que reina na classe trabalhadora, vivemos um momento onde a direita fascista em conluio com a rede Globo de Televisão e outros fascínoras da grande mídia tentam atacar a democracia e dar um golpe civil contando com um suposto “salvador da pátria” o tal juiz sergio moro e seus asseclas na policia federal. Para piorar o quadro, beneficiários dos programas sociais dos governos do PT fazem coro a estas manifestações claramente fascistas da elite verde-amarela sonegadora de impostos que vai às principais avenidas das grandes cidades brasileiras hipocritamente bradar : “Chega de Corrupção!
A garantia das conquistas sociais está na defesa das mesmas por uma classe trabalhadora consciente de seus direitos e deveres. O PT e seus governos, ao propugnarem a conciliação de classes, deixaram os trabalhadores a mercê da “boa-vontade” da elite.
A “boa-vontade” passou e agora estes inimigos de classe estão cobrando tudo que “cederam”, com juros e correção monetária.
Hugo P. Monteiro
Professor Titular
Departamento de Bioquímica – Centro de Terapia Celular e Molecular
Escola Paulista de Medicina/Universidade Federal de São Paulo
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Mas quem votou em Dilma, votou na chapa Dilma/Temer. Dilma só foi eleita com o apoio do PMDB. O PT vendeu a alma ao diabo em nome da governabilidade. O PT perdeu completamente sua identidade de moralidade, ética e transparência ao qual Lula bradava aos quatro ventos ao ser eleito em 2002. Locupletaram-se todos. Os programas sociais implantados pelo PT, não lhe dão o direito de praticar uma política nojenta de conluios ao optar pelo famoso toma lá dá cá. Ficou refém do PMDB. A esquerda está órfã. Talvez uma possibilidade para 2018 seja Cristovam Buarque(PPS) pelo perfil social-democrata.
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Parabéns pela análise Mauro Iasi. O Brasil precisa de pensadores que coloquem em pauta os rumos da esquerda e suas opções e o exercício da crítica é fundamental em tempos de falência do modelo de poder apoiado na conciliação de classes e que ameaça retornar. Abraços e quando vier para o ABC vamos tomar um café e discutir política.
Ricardo Alvarez
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Mauro, não verifiquei outros comentários e respostas suas, mas a metamorfose que aponta não se explicaria por uma mudança do perfil da militância e uma conseguinte mudança de programa (1) ou se a metamorfose não pode ser entendida como uma construção, que não significa uma adesão a ideologia burguesa, mas um produto da reflexão de seu enfrentamento, usando da dialeticidade aos aspectos táticos a estratégicos (2).
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