Cultura inútil: Qual é o seu vício?
Por Mouzar Benedito.
“Se eu quiser fumar eu fumo
se eu quiser beber eu bebo
não interessa a mais ninguém”
“Fumar é um prazer, genial sensual…
Fumando espero aquela que mais quero”
Vício vem do latim, vitium, que significa “falha” ou “defeito”. É um hábito repetitivo que degenera ou causa algum prejuízo ao viciado e aos que com ele convivem. Seu oposto é virtude.
Quando se fala em vício, pensa-se logo em fumo, álcool e outras drogas, mas a variedade deles é muito maior. E com frequência aparecem tipos novos de vício. Um “vício” que nunca apreciei foi o do trabalho. Tem gente viciada nisso. Mas a tecnologia vem criando vícios muito mais terríveis e causadores de dependência. Por exemplo: quanta gente não consegue, atualmente, ficar minutos sem mexer no celular, WhatsApp e coisas afins? Quantos não se desligam do facebook?
Andando de trem, metrô ou ônibus em São Paulo, quem não tem esse vício fica impressionado. Todo mundo em volta mexendo histericamente no aparelhinho, dando sorrisos tensos… Nas estações do metrô, de vez em quando alguém se esquece que está saindo de uma escada rolante e para na frente da gente, podendo até causar acidentes.
Com seus aparelhinhos, fotografam tudo, mandam mensagens o tempo todo (para quem, se não têm amigos?), colocam fotos e textos desesperadamente nas tais de redes sociais… Antes de comer, fotografam a comida e colocam na rede… Saem com a(o) namorada(o) e em vez de conversarem e se acariciarem, se apalparem… ficam mexendo nos seus aparelhinhos.
Viajando de avião, também tem dessas coisas. Ficam mexendo em notebooks e telefones celulares (e seus similares) e tentam até ignorar avisos para desligar isso enquanto o avião levanta voo. E ficam nervosos, esperando a “autorização” para voltar à histeria.
Gozado: fumantes têm que aceitar ficar horas sem fumar, viajando de avião, sem direito de chiar. Mas viciados nessas tecnologias se comportam agressivamente quando forçados a parar minutos. E quando o avião pousa, ignoram a ordem de só ligar telefones celulares depois de entrar no aeroporto. Sorrateiramente, enquanto o avião taxia, ligam seus aparelhos e ficam falando “escondidos”, querendo a cumplicidade dos vizinhos. Custa esperar dois minutos? Que vício é mais viciante, no caso: cigarro ou esses aparelhinhos?
Fora isso, tem um monte de coisa que considero semelhantes a vícios. Cito alguns exemplos.
- Tem gente com o vício de acumular dinheiro. Deixam de fazer as coisas boas que o dinheiro proporciona para guardar o vil metal e não usar nem para se tratar em caso de doença.
- Muitas pessoas não aproveitam a vida na Terra achando que assim ganham o direito de ir para o paraíso. Eu já disse antes: “Tem gente que passa a vida cantando Hosanas ao Senhor, esperando ganhar o direito de ir para o céu, onde poderão cantar Hosanas ao Senhor por toda a eternidade”. A religião torna-se então um “vício”. Deviam seguir o exemplo de Jesus: se ele transformou água em vinho… Bom, e tem aquele dito em latim: “In vino veritas”. No vinho, a verdade!
- Há pais que fazem tudo para formar os filhos naquilo que eles próprios, os pais, querem. Têm o “vício” de querer se realizar através do “sucesso” dos filhos.
E quem não tem esses vícios… como viver num mundo em que os vícios são necessários? Do jeito que o mundo está chato, não dá para viver sem vícios. O que eu faço? Não acumulo dinheiro, não tenho a expectativa de ir cantar Hosanas ao Senhor no paraíso, não tenho filhos e mesmo que tivesse não iria querer que eles se responsabilizassem pela minha felicidade, não tenho facebook, uso telefone celular simples, e o mínimo possível… Não uso drogas ilícitas. Posso justificar isso argumentando que elas são fornecidas por bandidos (não descarto entre eles policiais e outras “autoridades”), então comprar essas drogas seria como alimentar a bandidagem do tráfrico. Mas pode também ser por uma espécie de medo meu: já sou considerado um tanto pirado e quem sabe uma droga dessas poderia me fazer pirar de vez.
Já fumei (cigarro, cigarro de palha, cachimbo e charuto), não fumo mais. Parei quando percebi que não estava tendo prazer nenhum em fumar. E de vez em quando tinha uma baita ressaca causada pela mistura de álcool e tabaco, e o gosto que me restava na boca era o de cigarro. Enfim, a única droga que uso é a cachaça e suas variantes. Como fico nessa história?
Bom… Tem o vício da leitura, o de escrever abobrinhas… E coloco na internet também, né? Aqui mesmo onde você está lendo. E frequento bares para alimentar meu “vício” (entre aspas porque não sou tão dependente dele) da cachaça. Só que até há alguns anos, os bares eram cheios de gente igual a mim, então bebíamos e conversávamos. Agora estão um pouco diferentes. Encontro poucos conhecidos nos bares, e os não conhecidos são muito barulhentos ou ficam mexendo histericamente nos seus aparelhinhos que juntam telefone celular, máquina fotográfica, filmadora, internet e outras coisas que nem sei o que são.
O que foi dito sobre os vícios
Começo lembrando Marx. Ele disse que a religião é o ópio do povo. Não vale mais. Hoje em dia, em vez de deixar os “viciados” em religião prostrados como quem consome ópio, a religião tem sido um “antiópio: religiosos demais (mais viciados, portanto) são histéricos, agressivos e costumam partir para a bandidagem. Gostaria que os militantes do Estado Islâmico se comportassem como quem consome ópio.
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Agora, um trecho de um poema de Augusto dos Anjos:
Cuspir de um abismo em outro abismo,
Mandando ao céu o fumo de um cigarro.
Há mais filosofia nesse escarro
Do que em toda a moral do cristianismo,
Porque, não fosse a orbe oval que os meus pés tocam,
Molhada pelo meu cuspo carrasco,
Não expressaria eu o acérrimo asco
Que os canalhas deste muito me provocam.
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Tim Maia tem uma historinha interessante. Uma vez, disse numa entrevista que era mentira que tinha certos vícios: “Não fumo, não bebo e não cheiro”. Aí, lhe perguntaram: “Então você não tem nenhum defeito?”. E ele respondeu: “Bem… eu minto”.
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Paula Nei: “Eu gosto dos vícios – são os encantos da vida…”.
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Elizabeth Taylor: “O problema de pessoas que não têm vícios é que elas têm virtudes bem irritantes”.
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Molière: “Prefiro um vício cômodo a uma virtude que fatigue”.
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Molière, de novo: “Todos os vícios, quando estão na moda, passam por virtudes”.
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Camilo C. Branco: “A retórica é a arte de falar bem; mas os vícios são a arte de viver bem e alegremente”.
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Heron P. Pinto: “A tortura do vício é, inegavelmente, um estado íntimo inexplicável”.
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Marquês de Maricá: “Os vícios nos velhos são inimigos acastelados que a morte pode somente expugnar”.
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Marquês de Maricá, de novo: “A virtude é comunicável, mas o vício é contagioso”.
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Marquês de Maricá, mais uma vez: “Todas as virtudes são restrições; todos os vícios, ampliações da liberdade”.
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Sêneca: “A virtude é difícil de se manifestar, precisa de alguém para orientá-la e dirigi-la. Mas os vícios são aprendidos sem mestre”.
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Sêneca, de novo: “Os vícios são próprios dos homens e não dos tempos”
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Sabino de Campos: “A maconha, poderoso entorpecente que produz o efeito do ópio: sonho com alucinações maravilhosas”.
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Gustave Flaubert: “Cuidado com a tristeza. Ela é um vício”.
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Rubem Fonseca: “O pecado é mais saudável e alegre do que a virtude. Aqueles que trocam o vício pela beatice tornam-se velhos feios e desagradáveis”.
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Dante Alighieri: “Entregou-se tanto ao vício da luxúria que em sua lei tornou lícito aquilo que desse prazer, para cancelar a censura que merecia”.
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Francis Bacon: “A prosperidade prontamente descobre o vício; mas a adversidade logo descobre a virtude”.
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Charles Bukowski: “Enquanto um homem tivesse vinhos e cigarros à sua disposição, ele poderia resistir”.
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Carl Jung: “Toda forma de vício é ruim, não importa que seja droga, álcool ou idealismo”.
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Sigmund Freud: “Acabei por convencer-me que a masturbação era o único grande hábito, a ‘necessidade primitiva’, e que as outras necessidades, como as do álcool, da morfina, do tabaco, não passam de seus substitutos, produtos de substituição”.
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Horácio: “Na verdade, ninguém nasce sem vícios: o melhor é quem cai nos mais leves”.
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Rubem Alves: “A esperança é uma droga alucinógena”.
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Rudyard Kipling: “As palavras são a mais poderosa droga utilizada pela humanidade”.
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Charles Dickens: “Os vícios são frequentemente virtudes levadas ao extremo”.
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Johan Goethe: “Prega-se muito contra os vícios, mas nunca ouvi ninguém condenar do púlpito o mau humor”;
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Santo Agostinho: “Tenho mais compaixão do homem que se alegra no vício, do que pena de quem sobre a privação de um prazer funesto e a perda de uma felicidade ilusória”.
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Napoleão Bonaparte: “Para governar é preciso aproveitar-se dos vícios dos homens, não de suas virtudes”.
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Samuel Butler: “Uma das funções do vício é manter a virtude dentro de certos limites”.
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Bertolt Brecht: “Um homem deve ter pelo menos dois vícios. Um só é demasiado”.
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François La Rochefoucauld: “O que impede a entrega a um só vício é termos vários”.
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François La Rochefoucauld, de novo: “As nossas virtudes, a maior parte das vezes, não passam de vícios disfarçados”.
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François La Rochefoucauld, mais uma vez: “Os vícios entram na composição da virtude assim como os venenos entram na composição dos remédios. A prudência mistura-os e atenua-os, e deles se serve utilmente contra os males da vida”.
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Corrado Álvaro: “Não existe defeito que, com o tempo, numa sociedade corrupta, não se torne um mérito, nem vício que a convenção não consiga elevar à virtude”.
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Sidonie Colette: “O vício é o mal que fazemos sem prazer”.
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Samuel Johnson: “O prazer em si não é vício”.
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Victor Hugo: “Graças à sombra, apreciamos a luz; graças ao vício, admiramos a virtude”.
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Fernando Pessoa: “Todo o prazer é um vício, porque buscar o prazer é o que todos fazem na vida, e o único vício negro é fazer o que todos fazem”.
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Mark Twain: “Não nos libertamos de um hábito atirando-o pela janela; é preciso fazê-lo descer a escada, degrau a degrau”.
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Antonio Machado y Ruiz: “Não ter vícios não acrescenta nada à virtude”.
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Marguerite Yourcenar: “O vício consistia, para mim, no hábito do pecado. Ignorava que é mais difícil ceder só uma vez do que não ceder nunca”.
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Marquês de Sade: “A beneficência é sobretudo um vício do orgulho e não uma virtude da alma”.
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Orhot Tsadikim: “Um homem inteligente transforma os vícios em virtudes, mas o tolo transforma as virtudes em vícios”.
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Raul Seixas: “Os meus fantasmas tornaram minha solidão em vício”.
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Mark Twain: “O que o povo chama vício é eterno; o que chama virtude é apenas moda”.
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Mário Sérgio Cortella: “Nós, brasileiros, temos um vício, que é muito perigoso, de nos contentarmos muitas vezes com o possível, em vez de procurarmos o melhor”.
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Platão: “As grandes naturezas produzem grandes vícios, assim como grandes virtudes”.
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René Descartes: “As maiores almas são tanto capazes dos maiores vícios como das maiores virtudes”.
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Eu: “Onde tem fumaça… tem não fumante reclamando”
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Eu, de novo: “Nas mãos de maconheiro, dinheiro vira fumaça; nas mãos de viciado em cocaína, vira pó”.
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Eu, mais uma vez: “Para viciado em cocaína, sempre é tempo de começar uma nova carreira”.
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Eu (caramba!) outra vez: “Fumante incomoda. Mas militante antitabagista incomoda muito mais”.
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Já que comecei este texto com trechos de letras de músicas, termino com uma letra inteira, de um samba-canção composto em 1955, por Adelino Moreira, e cantado (com muito sucesso) por Nelson Gonçalves.
Meu vício é você
Boneca de trapo, pedaço da vida,
Que vive perdida no mundo a rolar.
Farrapo de gente que inconsciente
Peca só por prazer, vive para pecar.
Boneca, eu te quero com todo pecado,
Com todos os vícios, com tudo afinal.
Eu quero esse corpo que a plebe deseja,
Embora ele seja prenúncio do mal.
Boneca noturna que gosta da lua,
Que é fã das estrelas e adora o luar;
Que sai pela noite e amanhece na rua
E há muito não sabe o que é luz solar.
Boneca vadia, de manhas e artifícios,
Eu quero para mim seu amor só porque
Aceito seus erros pecados e vícios,
Pois na minha vida, meu vício é você.
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Mouzar Benedito, jornalista, nasceu em Nova Resende (MG) em 1946, o quinto entre dez filhos de um barbeiro. Trabalhou em vários jornais alternativos (Versus, Pasquim, Em Tempo, Movimento, Jornal dos Bairros – MG, Brasil Mulher). Estudou Geografia na USP e Jornalismo na Cásper Líbero, em São Paulo. É autor de muitos livros, dentre os quais, publicados pela Boitempo, Ousar Lutar (2000), em co-autoria com José Roberto Rezende, Pequena enciclopédia sanitária (1996) e Meneghetti – O gato dos telhados (2010, Coleção Pauliceia). Colabora com o Blog da Boitempo quinzenalmente, às terças.
Só não concordo com uma coisa: ” Exposição de vícios não é cultura inútil” E cada um tem a sua em particular. Eu por exemplo, sou antissemita, e parece que com poucos seguidores medrosos.
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Nem merece resposta…
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Ex-fumante é que nem puta arrependida, dessas que vivem em igreja “de crente” ou são ratazanas de sacristia.
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