Dá para ser feliz no Natal!
Por Mouzar Benedito.
Mês de dezembro é um saco, digo todos os anos.
Os bares ficam lotados, muitas vezes com comemorações de fim de ano, promovidas por empresas, e geralmente há nesses grupos pessoas que não são acostumadas a beber e, quando bebem, começam a dar risadas estridentes, falar gritando, batucar desafinadamente em garrafas, e por aí vai.
Jingle Bell’s no ouvido o tempo todo, papais Noel aos montes, e babacas metidos a engraçadinhos dizendo que pareço com eles. Algumas pessoas me consideram muito parecido com algumas pessoas que gosto. Muitos me comparam ao Barão de Itararé, o que gosto: era um bem-humorado homem de esquerda. Há também quem me considere parecido com Marx e com Bakunin. Também gosto.
Mas sempre tem alguém me comparando ao Papai Noel.
Um dia, falei para um cara que me comparou com ele: “Só que o meu saco não é de brinquedo”. Outra vez, num final de tarde, eu estava com minha mulher e um amigo bebericando numa mesa na calçada, num bar de Guarapuava, no Paraná, quando apareceu um monte de crianças com um uniformes escolares e pastas. Iriam passar em frente a nós. Vi um perversinho me olhando com ar de sacana e já imaginei o que ele ia me dizer. Batata! Para fazer gracinha aos amigos, fez pose de gozador e pediu: “Papai Noel, me dá um brinquedo?”. Respondi à altura: “Vem pegar no meu saco”. Virou gozação para seus coleguinhas.
Bom, teve uma época em que todos os anos eu viajava para o Nordeste, na segunda quinzena de dezembro, para espichar até meados de janeiro. No Sertão não havia naqueles tempos – comecei a viajar por lá em 1969 – tanta badalação por causa do Natal. Mas não escapava de algo típico dessa ocasião: todos os anos Roberto Carlos lançava um disco no fim do ano, e tocavam direto por lá. Em São Paulo, eu não ouvia música pelo rádio nem pela televisão, colocava na vitrola (!!!) apenas os meus discos preferidos e, portanto, só sabia do novo lançamento de Roberto Carlos nessas viagens ao Nordeste.
Na primeira viagem que fiz pelo rio São Francisco, um sujeito com uma vitrolinha que funcionava com pilhas ia visitar a família não sei onde, e levava o disco do ano, de Roberto Carlos. Tocava direto “As curvas da estrada de Santos”. Foi uma semana ouvindo “As curvas da estrada de Santos”!
Em outra viagem pelo São Francisco, também num fim de ano, a música da vez era “Obrigado, Senhor!”. E tinha alguém no vapor com uma maldita vitrolinha e o disco. Eu estava com um grupo e, para provocar o sujeito que ouvia essa música, toda vez que acontecia alguma coisa errada ou ruim, gritávamos juntos: “Obrigado, Senhor!”.
Até um casal alemão entrou na onda. O homem derrubou um copo de cerveja e gritou: “Obrrriigadddaaaa Senhooorrrr!”. Rimos todos.
Sim, acompanhei no Nordeste, anualmente, os lançamentos dos discos Roberto Carlos todos os anos. Em outras viagens ouvi “Jesus Cristo, eu estou aqui” e não sei que mais.
Uma vez passei o Natal numa viagem de trem entre Belo Horizonte e Salvador, com quatro dias de duração. Não havia ninguém com vitrola, mas um mocinha cantava direto: “Debaixo dos caracóis dos seus cabelos…”. Achei a música muito estranha. Em Monte Azul, no Norte de Minas, saí na estação e ouvi num bar a mesma música, na voz dele… “Ah, mais uma do Roberto Carlos”, murmurei. Depois, muitos anos depois, soube que ela foi composta em homenagem a Caetano Veloso, exilado em Londres. Aí achei que tinha sentido. Mas no trem, ficava estranhando o canto da mocinha. E cantada por Roberto Carlos, no resto da viagem, também.
Seja como for, foram natais legais (olha a rima!). Mas o mais legal deles foi esperando para embarcar num vapor, mais uma vez no rio São Francisco.
Estávamos um grupo grande em Pirapora, no Norte de Minas, desde a manhã de 24 de dezembro, e só embarcaríamos no dia 26.
No próprio dia 24, à noite, moças e rapazes que estavam conosco resolveram ir beber num barzinho luxuoso para os padrões locais.
Meus amigos Marinho e Ricardo, e eu, preferimos ir beber num prostíbulo. Chegamos lá e me lembrei de uma coisa: prostituta em véspera de Natal é tomada por uma tristeza profunda. Fica pensando na família que abandonou (ou que a abandonou), remexendo lembranças da mãe, de outros parentes, de amigos que ficaram geralmente em outra cidade… É uma baita tristeza. Imagine num prostíbulo com umas quinze delas ou mais!
Entramos lá e estava aquele ambiente de depressão, as mulheres com semblante dolorido, conversando umas com as outras, algumas bebendo, algumas com cara de quem tinha chorado. E praticamente nenhum “cliente”, pois nesse dia eles se tornam homens de família.
A vitrola do salão não tocava Roberto Carlos. Tocava boleros e chachachás. Eu nunca fui bom dançarino. Quando “aprendi” a dançar, na adolescência, a intenção era só dar amassos nas meninas. Alguns rapazes, eu inclusive, pedíamos que tocassem chachachá, porque para dançar esse ritmos tinha uma paradinha estratégica. E nós parávamos sempre na hora errada, esticando o joelho para a frente, de modo que a parceira praticamente “montava” na perna da gente. Reconheço: não era nada correto. Éramos safados mesmo.
Mas nessa noite no prostíbulo de Pirapora, tirei uma moça para dançar e não fiz nenhuma sacanagem. E parece que baixou um santo em mim: dancei maravilhosamente. Terminada a música, levei a moça até a mesa que ocupava com suas colegas e uma delas exigiu que eu dançasse com ela a música seguinte. Dancei. Maravilhosamente de novo. O Ricardo e o Marinho também entraram na dança, tiraram outras mulheres. Não paramos mais. O dançarino preferido, modéstia a parte, era eu. Nunca dancei tão bem.
Em pouco tempo não havia mais tristeza. Só que não dava para parar: era tirado para dançar de novo. Só me davam tempo para virar um copo de cerveja e recomeçar.
Saímos de lá quando o sol nascia, deixando muita alegria. E levando também.
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Mouzar Benedito, jornalista, nasceu em Nova Resende (MG) em 1946, o quinto entre dez filhos de um barbeiro. Trabalhou em vários jornais alternativos (Versus, Pasquim, Em Tempo, Movimento, Jornal dos Bairros – MG, Brasil Mulher). Estudou Geografia na USP e Jornalismo na Cásper Líbero, em São Paulo. É autor de muitos livros, dentre os quais, publicados pela Boitempo, Ousar Lutar (2000), em co-autoria com José Roberto Rezende, Pequena enciclopédia sanitária (1996) e Meneghetti – O gato dos telhados (2010, Coleção Pauliceia). Colabora com o Blog da Boitempo quinzenalmente, às terças.
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