Lançamento Boitempo: Luiz Carlos Prestes: um comunista brasileiro
Nesta aguardada biografia, a historiadora Anita Leocadia Prestes, filha do líder com a também comunista Olga Benario Prestes, narra os momentos-chave da atuação política de seu pai, um dos grandes personagens da história brasileira. Sua participação no movimento tenentista – especialmente na Marcha, entre 1924 e 1927, da Coluna que levou seu nome – e no levante antifascista contra Getúlio Vargas inscreveu o nome desse revolucionário singular na trajetória político-social do país. Confira, abaixo, o texto de orelha do livro assinado por José Luiz Del Roio, e o texto de quarta-capa, assinado por Fernando Morais.
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Difícil, muito difícil a vida de um comunista no Brasil. Quando o brilhante jornalista Astrojildo Pereira – reunindo um grupo de companheiros – fundou o Partido Comunista em Niterói, em março de 1922, não podia imaginar que esse agrupamento político iria permanecer ilegal até 1985, com a exceção de apenas dois anos entre 1945 e 1947. Ou seja, 61 anos de clandestinidade, fato único em todo o planeta! Pertencer a esse partido significava exclusão social, perda de emprego, exílio, prisão, tortura e morte. Mesmo assim, muitos militantes afluíram a suas filas, convencidos de que era o melhor instrumento para conseguir um Brasil digno, independente e igualitário. Por mais de quatro décadas, Luiz Carlos Prestes foi para esses militantes o líder a ser admirado e seguido. Seu prestígio espraiou-se além das fronteiras, tornando-se conhecido em plagas distantes. Sua longa vida foi pontilhada por decisões complexas e mesmo dolorosas. Seguramente cometeu erros de análises e de ação, porém jamais traiu, nem por um minuto, os ideais que abraçou nos anos 1930.
A autora deste livro teve a coragem e o desafio de enfrentar o trabalho gigantesco de fazer aflorar o pensamento e a prática política de Luiz Carlos Prestes. E isso com uma profundidade teórica e uma riqueza de fontes impressionante – a historiadora Anita Leocadia Prestes, além de filha, foi por anos secretária do Cavaleiro da Esperança. Inúmeros são os aspectos que merecem ser esmiuçados. Aceno a apenas um deles: o caráter da ditadura implantada em 1964. Esse é um assunto que divide os historiadores até os dias de hoje. Na direção e na militância do PCB desenvolveu-se um animado debate sobre o tema, definindo-o, de forma nebulosa, como regime fascistizante, de tipo fascista, fascismo dependente ou militar fascismo. Pode parecer uma questão secundária, mas a correta definição do regime condicionava a política de alianças, a tática, o tipo de organização clandestina necessária e mesmo perspectivas estratégicas à época. São elementos que acabaram por contribuir com a ruptura do partido e condicionaram a transição democrática nos anos 1980.
Como diz Anita, esta é uma biografia política, com acenos ao pessoal. Permitam-me, então, dizer algo sobre este último aspecto. Frequentemente a figura do biografado é vista como autoritária, fechada, distante. Não foi a minha experiência nas muitas vezes que o encontrei. Recordo-me que em 1967, depois de uma áspera discussão no Comitê Estadual do PCB de São Paulo, tive de ficar de guarda à noite. Prestes procurou-me para discutir a questão da luta armada, que eu defendia. Falou-me da Coluna, de 1935, das dificuldades em trilhar o caminho armado. Eu era um jovem dirigente, que contava muito pouco, mas ele encontrou tempo para fornecer suas experiências e vi em Prestes uma verdadeira angústia de que nós, jovens, enveredássemos por um caminho que nos levaria à morte. Não me convenceu, mas fiquei grato, por toda a vida, por aquele gesto.
José Luiz Del Roio
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Confira também a entrevista que o jornal português Público fez com a autora, sobre o livro. O texto é de São José Almeida, e o vídeo de Ricardo Rezende:
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Leia abaixo, o texto de quarta-capa do escrito por Fernando Morais
Durante décadas muitos autores brasileiros de não ficção alimentaram a esperança de fazer uma biografia de Luiz Carlos Prestes. Eu mesmo, desde o dia em que o conheci, num ensolarado 1º de maio, em Havana, em 1977, tentei em várias ocasiões seduzir o Cavaleiro da Esperança para o projeto. Em todas as vezes, a resposta era a mesma: não. O privilégio de escrever a biografia de Prestes recaiu sobre sua filha, a respeitada historiadora Anita Leocadia Prestes. Além da circunstância familiar, Anita trabalhou como assistente do pai de 1958 até sua morte, em 1990. Durante esses 32 anos ela teve a possibilidade de se aprofundar “no estudo de cada período da vida desse personagem singular da história do Brasil”. Com este livro, Anita supre uma lacuna acerca de uma existência que, a partir de 1930, se confunde com a do Partido Comunista Brasileiro. Pela narrativa, é possível acompanhar os bastidores de seis décadas de vida do PCB com seus rachas internos, conferências clandestinas, purgas e autocríticas. Este, porém, não é apenas um livro sobre Prestes ou sobre o Partidão, mas sobre o Brasil. Para muitos biógrafos, um personagem só se torna importante se, por meio de sua trajetória, for possível contar uma história do Brasil que nos tenha sido sonegada nos bancos de escola. Se isso é verdade, este livro cumpre sua função. Pela mão de Prestes, Anita Leocadia realiza uma extensa, minuciosa e detalhada viagem pelo Brasil do século XX, do movimento tenentista à redemocratização pós-ditadura militar. A soma desses ingredientes torna Luiz Carlos Prestes: um comunista brasileiro uma obra indispensável.
Fernando Morais
O conhecimento que a maioria das pessoas possuem sobre Prestes está relacionado a sua trajetória como liderança de uma aventura fantástica, que foi a Coluna. Aquilo é quase como se fosse uma história que adolescentes leem em revistas sobre heróis.
Aqueles acontecimentos, reproduzidos da forma como geralmente foram, relacionados à figura do herói, explica-se sobretudo pela tradição da história em centrar os acontecimentos em indivíduos, principalmente no Brasil onde o povo, regra geral, foi excluído das grandes mudanças.
Assim, o livro, deve trazer uma grande contribuição no sentido não só de desmistificar esse enredo como também acender um debate sobre o que ficou conhecido como o prestismo, coisa que ficou truncado e envolto numa série de esteriótipos.
Assim, é uma boa oportunidade não só para se conhecer melhor uma figura significativa da nossa história, como também grande parte do processo do qual participou.
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