Segurança pública como questão política

Edson Teles Segurança pública como questão política[Cerco policial no local chacina de agosto de 2015 em Osasco. Foto: Edison Temoteo]

Por Edson Teles.

Temos assistido à repetição de um forte discurso de alerta sobre a violência urbana, gerando o medo e a necessidade de medidas “fortes” para conter a situação de insegurança vivida nas grandes cidades. Reduzir a idade penal para conter a presença dos adolescentes no crime; encarceramento em massa da população com aumento das penas; aquisição de armamentos novos e mais eficazes para as polícias militares; investimento em tecnologia de vigilância da população, criação de batalhão de policiais preparados para impedir manifestações de rua; uso de forças armadas para patrulhamento de espaços civis precarizados com a ausência do Estado.

Não há dúvida de que a considerada população vitimizada de fato sofra com a ocorrência constante de crimes, dos mais corriqueiros e leves aos mais trágicos e horríveis. E nesta sociedade agressivamente machista, especialmente as mulheres têm sido alvo desta aparente desordem das cidades.

Contudo, há a produção de eficientes máquinas de controle social fundamentadas no discurso da violência urbana e na legitimação de políticas de uso da força na segurança pública, o que têm alimentado uma violência desmedida e histórica por parte de agentes do Estado. Ano após ano, em continuidade à lógica de combate ao inimigo interno institucionalizada durante a ditadura pela doutrina de segurança nacional, o Estado de Direito não tem obtido resultados positivos no incremento da capacidade de uso da força por parte dos equipamentos de segurança pública. Além de pouco modificar o quadro da forma de vida vulnerável dos grandes centros urbanos, as informações publicizadas indicam o aumento constante da violação de direitos por parte dos aparatos e agentes do Estado, com destaque para o crescimento das cifras de brasileiros assassinados por ações de instituições de segurança.

São chacinas operadas por policiais e com apuração muito lenta, quase inexistente, pelos órgãos de justiça. A autorização da ação violenta nas periferias contra os jovens atingiu seu ápice de legitimação com a discussão e aprovação parcial na Câmara Federal da redução da maioridade penal. Não é preciso tornar-se lei a definição social e biológica do “inimigo”, mas é suficiente que o discurso social e das instituições assim o considerem.

Parece esquizofrênico, mas quanto mais o Estado é violento, mais o quadro social se apresenta como de crise produzida pela violência urbana e mais se autoriza o investimento na capacidade de uso da violência por parte das políticas de segurança pública. Parece-nos que tal quadro não é o resultado de falhas ou má execução destas políticas. Ao contrário, há neste processo a eficaz produção de uma sociedade de controle, disciplinamento e punição, produzindo o cidadão domesticado e manso, para que assim ele seja ainda mais produtivo sem tomar em suas mãos a própria potência de agir politicamente. Do ponto de vista da eficácia desta política de segurança pública é mais importante uma situação de violência urbana do que de relações harmoniosas e ordeiras.

Parece haver um cálculo da aplicação da força por parte do Estado, dando à sua ação um aspecto teatral e espetacular, com o objetivo de produzir essencialmente dois efeitos práticos.

O primeiro seria a disseminação do terror, mobilizando uma opinião pública com a sensação de vulnerabilidade e alimentando o jogo do medo mantido pelo Estado, o que institucionalmente e em larga escala ocorre ao menos desde a ditadura. Neste contexto, pouco importa se as polícias têm a imagem de eficientes ou de serem completamente desestruturadas. O segundo efeito é o de mostrar para a população que a força aplicada será sempre que necessário acima da legalidade. Nesta prática de segurança pública a lei funciona como um parâmetro de medida da violência vinda dos agentes do Estado para aqueles que saírem da normalidade social e política.

Exemplo trágico deste modelo foram as chacinas de Osasco e Carapicuíba, levadas a cabo por policiais agindo no formato dos antigos esquadrões da morte dos anos 70 e contando com a impunidade – resultado da conivência das ouvidorias, da própria polícia e do judiciário com os crimes do Estado. Se a grande mídia tenta colar a ideia de um evento abusivo por parte de alguns policiais, a modificação da cena dos crimes e de destruição de provas praticadas por policiais que atenderam as ocorrências mostra a cumplicidade do sistema ao modus operandi. Segundo recente relatório da ONU (de outubro de 2015), ocorre no país uma política sistemática de “limpeza” dos centros urbanos sob a aparente justificativa de preparar as cidades para os mega eventos esportivos (Copa do Mundo e Olimpíadas). No caso de Osasco, a demora e os recorrentes “erros” nos procedimentos de apuração estão produzindo o terreno para que não se coloque em risco a política atual de segurança.

Assim, cria-se o cidadão de bem, pacífico, trabalhador (ou proprietário) e ordeiro, e o vagabundo, vândalo, louco, drogado, arruaceiro, o indivíduo fora das bordas que delimitam o possível autorizado pela ordem. Desta forma, a combinação do jogo do medo com a percepção de uma força acima das leis, a segurança pública em prática no país visa demonstrar que o aparato jurídico é insuficiente para proteger os cidadãos.

É por estas razões que campanhas pela diminuição da maioridade penal ou pelo recrudescimento das leis são vitoriosas mesmo quando não atingem seu objetivo aparente e discursivo. Não é necessário alterar a menoridade ou aumentar a pena por determinado crime, pois a pauta conservadora de seus debates já criam um imaginário e legitimam a ação violenta e violadora por parte do Estado.

A legitimação da violência do Estado não parece ser um engano ou falha do Estado de Direito, mas sim a ação política de uma sociedade do controle e do bloqueio de suas potências criativas e transformadoras.

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Edson Teles é doutor em filosofia pela Universidade de São Paulo (USP), é professor de filosofia política na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Pela Boitempo, organizou com Vladimir Safatle a coletânea de ensaios O que resta da ditadura: a exceção brasileira (2010), além de contar com um artigo na coletânea Occupy: movimentos de protesto que tomaram as ruas (2012). Colabora para o Blog da Boitempo mensalmente, às quartas.

4 comentários em Segurança pública como questão política

  1. Antonio Elias Sobrinho // 14/10/2015 às 5:51 pm // Responder

    Entregar a questão da segurança pública para um conjunto de pessoas que não possuem nenhum compromisso com a cidadania e nem foram preparados para isso é um perigo. O resultado não poderia ser outro. Afinal, entrega-se todas as condições materiais para indivíduos, comprometidos mais com uma ideologia de violência e um clima de guerra do que com a pacificação.
    Aliás, é bom notar que esse clima não existe apenas nas forças armadas, e sim em toda a sociedade.
    Acho até que o artigo, apesar de ser brilhante ao desenvolver a questão da segurança pública, a partir do Estado, peca no entendimento do que é segurança pública, como objeto de responsabilidade de todos os cidadãos, assim como faz um deslocamento artificial sobre o papel do Estado sobre essa questão como se ele não tivesse nada à ver com a sociedade civil e nem com suas demandas.
    Garanto que esse comportamento da fôrça pública recebe, por parte significativa da sociedade, um grande apoio. Acho, inclusive, que as próprias forças, consideradas progressistas, possuem uma relação dúbia e as vezes oportunista com relação a presença ostensiva do policiamento.

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  2. Antonio Tadeu Meneses // 17/10/2015 às 2:38 pm // Responder

    É verdade que a violência da segurança pública é usada como espetáculo e como consequência cria os dois tipos de Zumbis, uns vagabundos, drogados, arruaceiros e sem nenhuma esperança na sociedade em que vive. Outro tipo é o zumbi pacífico, trabalhador, ordeiro, alienado que pede a volta dos militares para reprimir os outros zumbis.
    Mas isto é só os fenômenos consequentes de um estado capitalista, neoliberal e dependente, que foi consolidado pela ditadura militar. De lá para cá o Estado brasileiro e seus aparelhos de controle nunca estiveram ameaçados, embora surgissem as crises econômicas cíclicas a sua estrutura ideológica sempre esteve no controle das forças produtivas e nunca permitiram um enfraquecimento nas relações de produção.
    Desde 1964 nunca houve uma reforma agrária, para não prejudicar o agronegócios. Isto fomentou uma enorme migração do campo para cidade, aumentando o exército de mão de obra de reserva de.
    Nunca foi desenvolvido melhorias de de ciência e tecnologia de inovação que transformasse o país de exportador de commodities em exportador competitivo de produtos industriais de alto valor agregado.
    O investimento em infraestrutura privilegiou a construção de estradas para beneficiar as montadoras multinacionais, em prejuízo das ferrovias, e hidrovias que deixaria o custo Brasil mais baixo.
    Qualidade da educação nunca foi uma prioridade o Brasil se encontra em classificações muito baixa medidas pelos índices IDH (84ª posição em 187 países) e outros indicadores como IDS e índice Gini. Embora venha em desenvolvimento crescente mas o resto do mundo também.
    Enquanto se faz a apassivação dos movimentos sociais e de trabalhadores mais organizados a ideologia da prosperidade e do consumismo vai muito bem, beneficiando o estado burgues mais que as massas populares e ocultado pelo marketing politiqueiro, e isto, entre outras coisas, acaba criando uma crise social, transformando a segurança pública como uma questão política.

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  3. so falam merda pois esse é um país de hipocritas e de bandidagem, quem é a favor da bandidagem e contra policiais, que tb são gente tem familia como todo mundo, deixam suas casas familias pais maes e filhos pra defenderem filhos das putas como vcs. e acabam morrendo e nao tendo um filho da puta pra falar, direitos humanos so exixte pros manos. familia de bem nao recebe visita.

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  4. Justo o que estava pesquisando, obrigada!

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