O mês do cachorro louco

izaías almada boitempoPor Izaías Almada.

A mídia chama de “impeachment”. A blogosfera progressista de golpe de estado à paraguaia. A questão semântica não vem ao caso, mas o tema de uma possível ação contra a presidente Dilma Rousseff é um dos assuntos mais comentados no Brasil e até no exterior. E quais as razões para essa já quase paranoia?

Impossível deixar de ler e ouvir as opiniões de “especialistas” e de gente mais séria, onde variados motivos são invocados para uma ação que colocaria uma presidente para fora do governo para o qual foi eleita democraticamente.

“Enganou aos eleitores” dizem ao mesmo tempo opositores e apoiadores do governo. “Maquiou um Brasil que não existe”, diz a direita. “Traiu os trabalhadores”, diz a esquerda. “Nunca se viu tanta corrupção diz a direita”, conveniente e hipocritamente esquecida de quem é.

E o coro dos descontentes, segundos “pesquisas” feitas não se sabe muito bem onde, diz que a presidente tem, no momento, menos de dez por cento de apoio do povo brasileiro. Será isso mesmo?

Quando um partido como o PSTU diz que primeiro é preciso tirar a presidente do governo e depois defender os direitos dos trabalhadores, a paranoia ganha novos ares e a insensatez vai ganhando novos contornos.

Com o advento da internet e das chamadas redes sociais, fica difícil – senão mesmo impossível – saber o que está acontecendo de fato, pois a mídia insiste em criar um país à beira da falência e os progressistas da internet falam desse Brasil escondido e que irá surpreender a muitos ainda no segundo semestre.

São análises baseadas em fatos e estatísticas confiáveis ou vai sendo tudo na base do “chutômetro”? Entre mortos e feridos parece que não se salva ninguém.

No plano institucional o país é um verdadeiro saco de gatos, tendo nesse momento permitido que um departamento de polícia criasse um poder paralelo e seus integrantes, ultrapassando os limites legais, saiam como verdadeiras vedetes de teatro de revista, à procura do aplauso e do sucesso a qualquer preço. Sobretudo agora com a prisão de um militar da reserva.

O Congresso Nacional, que se divide em algumas sessões vazias e outras sob o clima de espetáculos circenses, vai se acostumando a desafiar os outros poderes da república sob a batuta de um fundamentalista religioso e seus fanáticos seguidores, esses – sim – aloprados. O país não pode ficar refém de seitas religiosas. Ou virou brincadeira, deboche?

Achaques, chantagens, ameaças veladas ou não vão se acumulando no dia a dia político nacional num espetáculo tão degradante ou mais do que a suposta “limpeza moral” a que se propõem seus protagonistas e mandantes. Ambiente mais do que propício ao lixo produzido pela mídia atual, sem o menor escrúpulo para levantar suspeitas sobre qualquer cidadão, seja ele suspeito ou não de algum crime.  

Nessa proposital confusão, até data já marcaram para o tal “impeachment” ou golpe de estado: o mês de agosto. O mês do “cachorro louco”, como se dizia nos tempos de 54 e 64. E uma operação policial estanca o país há um ano ou pouco mais. Será que o propósito é mesmo, como querem alguns de seus defensores, livrar o país da corrupção? Só um idiota acreditaria em tal baboseira.

E por qual razão já não fizeram isso na década de 90 ou na de 80 ou na construção de Brasília, por exemplo? Outros tempos, outros atores, outras circunstâncias? Mas motivos nunca faltaram.

Os que gostam de uma teoria da conspiração acham estranha coincidência essa que, através de delações premiadas, vai colocando sob suspeita um tripé muito estratégico para a soberania nacional: a Petrobrás, a indústria naval de submarinos nucleares e a maior empreiteira, responsável por obras também estratégicas para o desenvolvimento e a segurança do país. É preciso punir a corrupção, não o país. Só não vê quem não quer, ou os donos da verdade, seja de um lado ou do outro.

Depois de amanhã já é agosto. Vamos ver o que dá…

***

Izaías Almada, mineiro de Belo Horizonte, escritor, dramaturgo e roteirista, é autor de Teatro de Arena (Coleção Pauliceia da Boitempo) e dos romances A metade arrancada de mim, O medo por trás das janelas e Florão da América. Publicou ainda dois livros de contos, Memórias emotivas e O vidente da Rua 46. Como ator, trabalhou no Teatro de Arena entre 1965 e 1968. Colabora para o Blog da Boitempo quinzenalmente, às quintas-feiras.

5 comentários em O mês do cachorro louco

  1. Rafael Kraus // 30/07/2015 às 5:16 pm // Responder

    Estava precisando ler uma opinião como essa. Tudo está tão borrado, tão distorcido…vejam o próprio quinto congresso do PT: Que lástima! O Souto Maior bem que poderia organizar aqui na Boitempo um dossiê especial sobre as atuais operações jurídico-midiáticas que pululam dia após dia, canal após canal, especialmente a menina dos olhos, a tal Operação Lava-Jato. É ainda muito cedo, mas o trabalho do Raimundo Pereira na Retrato do Brasil, sobre o caso “mensalão”, é um ótimo modelo para se ter em vista. De qualquer forma, o país parece esmagado, pesado, emparedado, só o PIG aparenta conseguir respirar( a atmosfera lhe é natural, afinal de contas).

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  2. Grande Camarada Izaías,
    excelente artigo.
    É muito bom saber que, mesmo há tanto tempo sem conversarmos, seguimos juntos em nossas preocupações e pontos de vista.
    Isto é sempre bom, e mais importante ainda nesta conjuntura quando, diferentemente do que dizíamos outrora – “Os cães ladram e a caravana passa”, temos hoje de convir que

    OS CÃES LADRAM E A CARAVANA PASTA.

    Putabraço,
    Alipio Freire

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    • Izaías Almada // 31/07/2015 às 3:45 pm // Responder

      Grato, Alípio. A coisa tá feia, camarada… E a água do fascismo já está quase batendo no joelho… É preciso reagir.
      Gostei do trocadilho com o ditado, rs,rs,rs…
      Bração.

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  3. Marcia Medalha Castello Branco. // 02/08/2015 às 12:39 am // Responder

    A V E ! ! ! Izaías. Vá em frente, que o caminho é esse; Pelo menos, continue tentando. Abraço.

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    • Izaías Almada // 04/08/2015 às 11:47 am // Responder

      Grato Márcia,
      você conhece aquele ditado que diz “olha o porco falando do toucinho?” Pois é: o Brasil atual é um pouco por aí…

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