Maringoni: É legal à beça colorir as fotos do Facebook
Por Gilberto Maringoni.
É legal à beça colorir as fotos do Facebook! Estamos comemorando uma decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos.
É medida progressista legalizar a união entre pessoas, qualquer que seja a maneira de se amar.
Não é uma vitória do imperialismo e nem de um governo que massacra países e povos, assim como a conquista dos direitos civis, nos EUA dos anos 1960 também não foi.
As vitórias contra o racismo e a homofobia são vitórias da Humanidade.
A decisão da Suprema Corte dos EUA tem dimensões planetárias, pela posição hegemônica do país no mundo.
A luta pela jornada de oito horas teve seu ponto de virada nas jornadas de Chicago, nos anos 1880. A luta pelos direitos das mulheres tem no país um palco importante.
A música americana – em especial o blues, o jazz e o rock – são ritmos nascidos nas comunidades negras e pobres do meio oeste.
Mesmo o inglês, antes de ser a língua do império, é a língua de Shakespeare, de Yeats, de Whitman, de Hemingway, de Fitzgerald, de John dos Passos, de Hawthorne, de Hammett, de Faulkner, de Capote, de Auster e de um timaço de gênios.
A literatura americana, com sua linguagem direta e seca, surgiu a partir dos pulps, revistas impressas em papel barato, destinadas aos trabalhadores, no final dos anos 1800. A partir dali, um novo tipo de narrativa, com diálogos secos e frases enxutas, surgiu na esteira da revolução do jornal, na virada daquele século.
Hugo Chávez, uma vez disse: “Somos antiimperialistas, não somos antiamericanos”.
A diferença é essencial.
Não percebê-la significa confundir a ação de um Estado dominado por megacorporações com as demandas e conquistas do povo estadunidense. Implica não perceber algo óbvio: lá também existe luta de classes. E de forma encarniçada.
Estampar o arco-íris nas fotos do Facebook diz mais a respeito da luta contra o obscurantismo aqui dentro do que de decisões tomadas em terras gringas. Aliás, nada mais gringo do que o próprio Facebook, com suas bisbilhotices na privacidade alheia.
É uma boa que isso tenha acontecido, mesmo sabendo que sentença semelhante foi proferida pelo STF daqui há um par de anos.
O que soma não atrapalha.
Especialmente se a causa é generosa e contribui para torpedear o atraso.
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Na mesa “Que cidade queremos? Apontamentos para o futuro da cidade” do Seminário Internacional Cidades Rebeldes, o Deputado Federal Jean Wyllys falou e da importância de fazer uso das redes sociais na disputa dos valores e do imaginário político. Neste trecho, partindo da afirmação ousada de que “os homossexuais são o grupo mais odiado da história da humanidade”, atravessando as mais diversas culturas e civilizações, ele reflete sobre como o fascismo opera e insiste na urgência de lutar por uma democracia efetiva.
Gilberto Maringoni é doutor em História Social pela FFLCH-USP e professor adjunto de Relações Internacionais na Universidade Federal do ABC. É autor, entre outros, de A Revolução Venezuelana (Editora Unesp, 2009), Angelo Agostini: a imprensa ilustrada da Corte à Capital Federal – 1864-1910 (Devir, 2011) e da introdução do romance O homem que amava os cachorros, do cubano Leonardo Padura. Cartunista, ilustrou algumas capas de livros publicados pela Boitempo Editorial na Coleção Marx Engels, como o Manifesto comunista. Integra o conselho editorial do selo Barricada, de quadrinhos da Boitempo.
Claro que não é difícil entender a importância da aprovação dessa lei nos EUA. Mas esta ode ao pseudo-heroísmo norte-americano é muito mais profunda. Se hoje aprovaram o casamento gay é porque seus marqueteiros sentiram a tendência mundial para tal e criaram seu produto. Ao meu ver é muita “babação de ovo”, usar o produto Facebook é uma coisa, agora, sair por aí cantando “como são geniais este norte-americanos!” me parece bem diferente.
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Republicou isso em Tempus fugite comentado:
Vale muito, mesmo, a leitura. Grande artigo do Maringoni.
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Caro Maringoni, acho que você está esquecendo somente de perceber o controle de pauta imposta pelo Facebook. Não é em relação ao EUA que devemos fazer a crítica, mas como, por meio dessa estratégia de cores, o Facebook direcionou a pauta a ser discutida. Você pensou se algum dia o Facebook vai sugerir o tingimento das fotinhos de vermelho contra o Capitalismo? Não, ele nunca o fará! E essa é a preocupação, o controle sobre o que discutimos e como discutimos impostos por essa rede. O questionamento e a crítica devem seguir nesse sentido. Muito importante a decisão da Suprema Corte americana legalizar o casamento gay, porém, as fotinhos coloridas é evidência de uma ingenuidade infinita de seus usuários diante da proposta do Facebook. Diante disso, pensei apenas no atualíssimo filme Matrix (1999) para entender essa atitude de manada que se observou sexta-feira no Facebook. Para finalizar, acredito que ainda não estamos preparados para nos defendermos do cinismo do Facebook e escrevo esse post para que possamos, pelo menos, pensar sobre o assunto.
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Concordo com Maringoni. E não penso que quem coloriu a foto tenha necessariamente agido como manada… há tantos agindo como manada que não coloriram as fotos.
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