Cultura Inútil: Chavões

Mouzar benedito BokoPor Mouzar Benedito.

Boko Haram e boko-moko. Adioba!

O que tem a ver o Boko Haram com o boko-moko? Nada. Mas desde a primeira vez que li sobre a existência do grupo de fanáticos chamado Boko Haram, as notícias sobre ele me fazem lembrar de uma expressão dos anos 1960, boko-moko. Não me lembro como era a grafia certa, bocomoco, boco-moco… Mas lembro o significado: palerma, bobalhão, ultrapassado metido a moderninho, por aí. Não deixa de ter a ver com o Boko Haram, só que os nossos boko-mokos eram inofensivos. Mais tarde, passaram a usar “goiaba” ou “goiabão” com o mesmo sentido de boko-moko.

Por causa do Boko Haram e da lembrança do boko-moko comecei a me lembrar também de algumas expressões que ouvi desde criança. Muitas caíram em desuso, outras viraram chavões.

Das que caíram em desuso, na minha infância chegou à minha cidade, pelos caminhoneiros, uma expressão para gozar quem passava por alguma dificuldade: “chora na rampa, negão”. Outra dessa fase acredito que também foi levada pelos caminhoneiros era para falar de moça muito bonita: “é o tufo!”, ou mais completa ainda, “o tufo do mufurufo”. Uma menina que veio a São Paulo, quando voltou chamava o garoto que paquerava de “garoto enxuto”.

Depois, já em São Paulo, ouvia (e não gostava) pessoas imitando Roberto Carlos para falar de algo bom ou de alguém legal: “é uma brasa”, ou “é uma brasa, mora!”. Nessa fase, as mocinhas diziam que o rapaz que achavam bonito era “um pão”. Aí surgiu uma gozação: “Pra ser bom, o pão tem que ser fresco”.

No movimento estudantil, no final da década de 1960, quem não gostava de política era alienado. E quem não aceitava nem discutir ideias novas era “um refratário”. Nas assembleias, o orador “fazia uma colocação”. Nas discussões, às vezes fazia uma “análise de conjuntura” para dizer que seus argumentos eram científicos. Eu não gostava, dizia que se análise de conjuntura fosse mesmo algo científico, o resultado de análises de conjuntura não variaria de um analisador para outro.

Não tão de esquerda, mas da moda nessa época, era dizer que o fulano ou algo era “inserido no contexto”. Uma coisa muito boa era (e continua sendo para muitos) genial. Mas dizia-se também “fora de série”. Uma moça que conheci juntava as duas coisas: “é genial fora de série”. E havia também uma variável para o muxoxo: “putz!” Essa acho, era uma redução de uma expressão que o Henfil usava de forma gozadora: “putzgrila!”

Quando resolvi virar jornalista, fiquei sabendo de muitas expressões excomungadas nesse meio. Um professor da faculdade ficava indignado quando alguém escrevia “via de regra” ou “por outro lado”. Reservadamente (não se dizia isso em sala de aula) ele decretava: “Via de regra é a vagina, e por outro lado é o ânus”.

Vi na TV Globo uma lista de expressões amaldiçoadas, que segundo diziam podia resultar até em demissão, como “calor senegalesco”, progenitora em vez de mãe, nosocômio em vez de hospital e muitas outras.

Parece que fora da Globo (ou mesmo nela, em alguns casos) as recomendações contra os lugares comuns não existe. O uso de chavões tomou conta a ponto de influenciar quem assiste principalmente aos programas policiais: os assassinatos são quase sempre com requintes de crueldade, seja na boca do apresentador, do delegado, do policial ou da testemunha. Já ouvi parente de vítima de crime dizendo que ela “entrou em óbito”. Nos programas policiais de TV ninguém morre, entra em óbito. E o criminoso é sempre “frio e calculista”, enquanto a vítima deixou “familiares inconsoláveis”.

Por falar nisso, nesses programas, sempre noticiam um “pavoroso incêndio” em que os bombeiros não tentam apagar o fogo, mas “debelar as chamas”. E quem morre seja por fogo ou outro acidente qualquer, é “vítima fatal”.

Que atire a primeira pedra…

Antes de prosseguir com a lista de expressões que viraram chavões e são na maioria detestáveis, pergunto: quem nunca usou um?

Por exemplo: quem nunca falou que o fulano “dispensa apresentações”? Outros chavões comuns: fechou o evento com chave de ouro, teve uma atuação impecável, cometeu um erro gritante, teve uma calorosa recepção, algo ou alguém teve uma importância vital num acontecimento, o Beltrano é a bola da vez, tal coisa caiu como uma luva, o Cicrano entrou em rota de colisão com o Fulano, outro fugiu da raia, e tudo voltou à estaca zero, e depois de marcar um gol, a seleção só administrou o resultado.

Um fato ou pessoa foi um divisor de águas, o Zé e o Mané trocaram farpas, o moço fez das tripas coração para realizar um desejo da namorada. Outro começou com o pé direito no novo trabalho e no fim do dia respirou aliviado.

E a história de que a presença de alguém “veio preencher uma lacuna”… rê-rê… O Pasquim falou de um canalha qualquer: “A ausência dele veio preencher uma lacuna”. Acho que foi no Pasquim também que alguém escreveu sobre a famosa “luz no fim do túnel”: era um trem que vinha vindo. E a história de agradar gregos e troianos? O Barão de Itararé inovou, quando um deputado goiano ficou irado por causa de alguma coisa feita pelo presidente da República. Segundo o Barão, o presidente “desagradou gregos e goianos”. Hoje, muita gente repete isso, que virou chavão também. Alguns mudam para “gregos e baianos”.

Há expressões que me irritam. Houve um tempo em que namorar universitárias ou intelectuais ficou difícil, porque queriam “discutir a relação”. Mais tarde, mocinhas e rapazinhos falavam em levar um “papo cabeça”.

Umas expressões que tiveram origem na PUC de São Paulo foram “popularizadas”, acredito, por Zélia Cardoso de Mello, que as usava muito, quando foi ministra da Economia. Eram “a nível de…” e “como um todo”. Alguns corrigiam: era “em nível de”, o que não diminui a chatice. Uma menina que conheci colocava um “a nível de…” em tudo. Eram coisas tipo (olha aí outro chavão) “a nível de sabor, este aqui é melhor, mas a nível de preço é aquele ali”. Ou “A nível de beleza…”, “a nível de horário…” Alguém falou para ela: “A nível de nível, você precisa melhorar o nível”.

E o “como um todo”? Expressão dispensável está aí. Se quero falar de parte do Brasil, por exemplo, digo “tal parte do Brasil”; se é sobre o Brasil inteiro, falo simplesmente “o Brasil”. Mas ouvia: “A economia, como um todo…”, “a empresa, como um todo…” e por aí vai. Para um eu disse: “A única situação em que uso essa expressão é quando vou almoçar e alguém me propõe dividir um comercial. Aí respondo que não quero dividir: eu como um todo”.

Articulistas “criativos”

Uma época, cheguei a publicar no Pasquim uma lista de expressões que articulistas de jornais e revistas usavam direto, repetindo uns aos outros e achando que estavam sendo criativos. Às vezes falavam também na TV, fazendo a maior pose. Lembro-me só de alguns chavões que critiquei.

Muitos começavam seus artigos dizendo que “o uso do cachimbo deixa a boca torta”. Nunca vi alguém com a boca torta por fumar cachimbo. “Querem tapar o sol com a peneira” era outra expressão besta e corriqueira. Tal coisa era uma “cortina de fumaça”. Alguns pretensos intelectuais citavam o general De Gaulle para falar do Brasil, com desprezo: “Este não é um país sério”. De Gaulle nunca disse essa frase, mas era citado como se tivesse dito, e os mais metidos a cultos colocavam a frase em francês, para piorar.

Uns achavam que era usando a expressão “dos tempos de antanho” estavam sendo engraçados. E muitos, depois de fazer um monte de considerações e previsões, terminavam o artigo com o quase sempre presente “quem viver verá”.

Colunistas sociais e outros

Num tempo em que viajava bastante, comprava jornais do interior e me divertia com um tipo presente em praticamente todos eles: um misto de cronista e colunista social que noticiava festas de aniversário e bailes de debutantes. Invariavelmente, escreviam sobre alguma menina da elite local: “Fulaninha de Tal colhe a décima quarta rosa no jardim de sua existência”. Sem contar que muitas vezes dizia que ela estava na “primavera da vida”.

Mas até jornalistas famosos acabam descambando para certos chavões. No esporte é direto. Radialistas, então, na maioria parecem especialistas em lugares comuns. Antes eram mais ainda. Muitas vezes, davam seus palpites nos jogos de futebol, erravam e se justificavam: “O futebol é uma caixinha de surpresas”.

Acho que esse chavão deveria ser adaptado pelos colunistas de economia. Há muito tempo vejo que erram muito, e depois se calam fingindo que não é com eles. Lembro-me quando louvavam a abertura econômica do México, e o país desandou em seguida. Ninguém reconhecia que errou. “Meteram a viola no saco”, eu poderia dizer, usando outro chavão. Se se adaptassem aos colunistas esportivos, poderiam dizer que “a economia é uma caixinha de surpresas”.

Uma das coisas que me irritava nesses jornalistas de economia era a insistência de que o Brasil tinha que “fazer a lição de casa”, chavão que na maioria das vezes significava fazer o que o FMI mandava. Criticavam o Brasil por não se submeter 100% ao FMI.

Acho que eles precederam o tucanês em muitas coisas: falavam em “crescimento negativo”, por exemplo.

Voltemos aos chavões. Falavam que tal empresa a ser privatizada era “a joia da coroa”. Ah, essa joia da coroa foi entregue “de mão beijada” para um grupo capitalista. Quando julgava que a população o apoiava, governantes cobravam que a oposição tinha que ouvir “a voz rouca das ruas”, como dizia FHC. Por falar em governo, e as “obras faraônicas”? E o “elefante branco” que recebeu? Mas agora vai ter que “correr atrás do prejuízo”. Epa… No meio deste parágrafo, citei FHC, mas não é só ele. Não me coloquem no meio dessa briga de chavões, “petralhas x coxinhas”! Esclareço, porém, que já fui pra Cuba e numa viagem a Nova Orleans passei por Miami… Preferi Cuba, muito mais. Tanto que voltei lá anos depois, em plena crise provocada pelo fim do apoio russo.

E os noticiários televisivos falando de reunião de políticos ou empresários? Falam do “cardápio da reunião”. Em almoços ou jantares desse pessoal, os repórteres televisivos dizem que o “prato principal” foi a crise, os investimentos, a carga tributária ou outro assunto qualquer. Um chavão que usavam muito há alguns anos, e que me feria os ouvidos, parecia ter saído de circulação, mas reapareceu recentemente, não na TV, mas nos jornais impressos, com um ministro do STF falando que tinha que esse Tribunal tinha que “calçar as sandálias da humildade”. Que horror!

De novo na televisão, mas não só nela, nas entrevistas, antigamente quem ia fazer uma pergunta incômoda ao entrevistado começava com um preâmbulo como quem não quer perguntar aquilo, mas tem que fazer, dizendo que tinha que fazer o papel de “advogado do diabo”. Mas depois de um filme sobre o assassinato de John Kennedy, passaram a usar como preâmbulo o título desse filme: “A pergunta que não quer calar”.

Lugares comuns divertidos

O “orra meu!” típico do bairro da Mooca, em São Paulo, que depois se expandiu para a cidade toda, foi usado primorosamente por Rita Lee num rock com esse nome. Divertido.

Tem um que não é divertido, mas me divirto ouvindo certos políticos falarem assim: “Decisão judicial não se discute, cumpre-se”. É um jeito de “tirar o corpo fora”, não é? E as decisões judiciais nem sempre “estão com essa bola toda”.

Outro que não uso, ouvi muito no interior: “chique no úrtimo”.

Agora, um típico do interior que eu sempre gostei e que é pouco utilizado hoje em dia é para quando alguém fala uns impropérios que deixam outra pessoa a fim de lhe dar umas porradas. Um sujeito da “turma do deixa-disso” diz ao ofendido: “Não liga, não. Ele é meio sistemático”. O ofendido torna-se compreensivo, talvez exprima “ah, bom”, e “deixa barato”.

Sistemático, no caso é o sujeito muito metódico, meio maluco ou maluco de tudo, intransigente.

Bem… Como no início falei de expressões que ouvi na minha terra, quando criança, então vou terminar falando de outras que podem ser consideradas chavões, mas exclusivamente locais, e da época. Nem lá falam mais.

Em Nova Resende tinha muitos “doidos” e o pessoal gostava deles. Às vezes nem eram tão doidos, apenas pessoas excêntricas, mas divertidas. O que eles falavam ou faziam virava moda. Um desses excêntricos era o Pedrinho Pedreiro, muito anterior à música Pedro Pedreiro, de Chico Buarque. Ele cumprimentava homens, mulheres, idosos, jovens, crianças, todo mundo com a expressão “oi, bem”. E essa forma de cumprimento pegou na cidade, quase todas as pessoas passaram a se cumprimentar assim. Era divertido ver um homem com cara de carrancudo falando para outro esse “oi, bem”. E o outro respondendo “oi, bem”.

Um que era considerado doido mesmo era o Badi. Tinha esse apelido porque só falava uma palavra que soava assim: “Badi… badi… badi…”. Mas um dia, o Peixoto, um gozador, disse que estudou bastante a fala do Badi e concluiu que na verdade as pessoas não ouviam direito o que ele dizia. Não tinha esse “B” antes de Badi. E tinha um final, “oba”, que era falado baixinho. Então, o que o Badi falava direto era a palavra “adioba”. Por isso, segundo o Peixoto, adioba tinha um significado universal. Tudo era adioba. E passou a usar a palavra adioba para exprimir admiração ou dúvida, e também a cumprimentar as pessoas falando apenas “adioba”, seja quem fosse, a qualquer hora do dia ou da noite. Pouco tempo depois, o cumprimento entre quase todas as pessoas da cidade era simplesmente um dizendo “adioba” e o outro respondendo “adioba”.

Adioba pra vocês.

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Ou clique aqui, para ver todas as outras colunas da série “Cultura inútil”, de Mouzar Benedito, no Blog da Boitempo!

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Mouzar Benedito, jornalista, nasceu em Nova Resende (MG) em 1946, o quinto entre dez filhos de um barbeiro. Trabalhou em vários jornais alternativos (Versus, Pasquim, Em Tempo, Movimento, Jornal dos Bairros – MG, Brasil Mulher). Estudou Geografia na USP e Jornalismo na Cásper Líbero, em São Paulo. É autor de muitos livros, dentre os quais, publicados pela Boitempo, Ousar Lutar (2000), em co-autoria com José Roberto Rezende, Pequena enciclopédia sanitária (1996) e Meneghetti – O gato dos telhados (2010, Coleção Pauliceia). Colabora com o Blog da Boitempo quinzenalmente, às terças. 

1 comentário em Cultura Inútil: Chavões

  1. Clovis Pacheco F. // 17/05/2016 às 12:03 pm // Responder

    Sandálias da humildade é horrendo, tal como as sandálias ideológicas que o Roberto Campos, vulgo Bob Fields, dizia que era preciso descalçar, ao entrar em discussões sobre qualquer aspecto da realidade, para não nos chocarmos com os fatos. Ele dizia que o fazia “tal como os islâmicos, ao entrar na mesquita”. Sempre que um papalvo – gostou? – me dizia isso, eu falava que ainda preferia manter calçados os meus coturnos da arrogância! E quanto ao dizer que quem discorda é arrogante? Que o cachimbo não entorta a boca, sou a prova viva, que o fumo desde os 15 anos. E com relação ao “via de regra”, um dos subsecretários do Diário Popular, havia um “senador”, o velhinho Luiz Alves, bacharel em Direito à moda antiga, e criatura boníssima, que viva eliminando essa expressão do texto de um redator que era useiro e vezeiro. Um dia se cansou, e perguntou ao dito cujo que significava “via”. “É caminho”, disse o outro. “E regra? “É a menstruação”. “Pois então, não me escreva mais buceta no jornal!/’, foi o argumento definitivo. Acho que foi a primeira vez que o Alves falou palavrão dentro da redação do jornal, tão fino ele era. Falei acima do “senador” Luiz Alves. E que tal escrever algo sobre a gíria jornalística, tanto os termos mais recentes – de que estou desatualizado – quanto os antigos, caídos de uso, como “argolar uma notícia”? Sobre os termos preciosistas como “soldados do fogo”, “saltou para a morte”, “facultativo”, “causídico”, “sodalício” e quejando, há uma lista vastíssima num livro de jornalismo escrito pelo repórter carioca Natalício Norberto, creio que se chama “Jornalismo para todos”, que vale a pena ler, para rir muito.

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