A segunda transição política na Espanha

Por Emir Sader.

Depois do longo período franquista, a Espanha passou por um processo de transição democrática que, de forma similar ao nosso, não alterou as estruturas profundas do poder no país. Não por acaso o mesmo autor, Juan Linz, orientou o processo lá, com sua teoria do autoritarismo, copiada por FHC aqui.

A democratização se deu sob esses cânones, nos moldes do liberalismo: restabelecimento do Estado de direito, nem sequer acerto de contas com o passado franquista. Depois de uns anos, instaurou-se na Espanha o modelo europeu de bipartidismo, com o PP como partido de direito, e o PSOE como alternativa de esquerda, que se revezaram durante varias décadas no governo.

Quando as políticas de austeridade se impuseram, ambos partidos se comprometeram com ela. O bipartidismo parecia ser um dique de contenção para ambos. O máximo que podia acontecer ao PP era perder para o PSOE e vice-versa. Tudo no marco da austeridade.

De repente, a acumulação de tensões sociais provou a explosão dos indignados, como sintoma de que as coisas começaram a mudar. O Podemos nasceu como o projeto político de superação do neoliberalismo na continuação dos Indignados.

Depois de uma primeira e surpreendente aparição nas eleições europeias, a direita montou seu ataque. Denúncias sem nenhum fundamento real buscaram criar o medo a Podemos, a rejeição ao novo. Ao mesmo tempo, se criou um partido novo da direita – Cidadãos – como alternativa para quem se cansou do PP e do PSOE, mas entra na de rejeição a Podemos.

As eleições do fim de semana passado decretaram o fim do bipartidismo. Não apenas porque a soma dos votos dos dois partidos tradicionais continua em queda acentuada, mas principalmente porque ninguém – nem eles – pode governar hoje na Espanha sem alianças. Projetando a possibilidade real de que o PP só possa seguir governando em aliança com o Cidadãos ou mesmo só integrando o PSOE.

Para o Podemos o resultado é bom, mesmo que não espetacular, como se previa há alguns meses. Em alianças, pode chegar a governar Madri – com candidata sua, em aliança com o PSOE – e em Barcelona, como uma das forças em uma ampla aliança de esquerda.

E se colocam para o Podemos os dilemas de quem se dispõe a governar: a política de alianças, com as plataformas respectivas. Fazendo prever que este ano pode ainda avançar muito, mas acumulando forças diante de um eventual governo de aliança que recomponha a direita e o centro, ou até mesmo o abraço de afogado dos dois partidos tradicionais, para enfrentar um duro período em que as dívidas que a Espanha tem a pagar pode levar essa coalizão a uma vida curta.

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Emir Sader entrevistou o pensador nova-iorquino Immanuel Wallerstein para a nova Margem Esquerda. A edição #24 da revista, que chega às livrarias em junho, conta ainda com uma homenagem especial de Emir a Eduardo Galeano. Com dossiê temático “Cidades em conflitos, conflitos nas cidades”, a edição tem ainda artigos de Michael Löwy, José Paulo Netto, Leon Trotski, entre outros. Confira os detalhes completos desta edição clicando aqui.

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Emir Sader nasceu em São Paulo, em 1943. Formado em Filosofia pela Universidade de São Paulo, é cientista político e professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). É secretário-executivo do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (Clacso) e coordenador-geral do Laboratório de Políticas Públicas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). Coordena a coleção Pauliceia, publicada pela Boitempo, e organizou ao lado de Ivana Jinkings, Carlos Eduardo Martins e Rodrigo Nobile a Latinoamericana – enciclopédia contemporânea da América Latina e do Caribe (São Paulo, Boitempo, 2006), vencedora do 49º Prêmio Jabuti, na categoria Livro de não-ficção do ano. Publicou, entre outros, Estado e política em MarxA nova toupeira e A vingança da históriaColabora para o Blog da Boitempo quinzenalmente, às quartas.

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