Panelaço: não existe contradição alguma
Colaboração integra o especial Feminismo e política do Blog da Boitempo.
Deixemos de lado, por alguns instantes, o golpismo orquestrado pela mídia que há por trás do panelaço ocorrido ontem em diversas capitais do país durante o discurso da presidenta Dilma Rousseff. Tampouco tentemos defender o discurso conservador da presidenta e sua desesperada insistência em se aliar ao setor privado e às classes políticas que só querem ver o que resta do Partido dos Trabalhadores bem morto e enterrado.
O que se viu ontem deve ser visto também (quiçá, sobretudo) como uma aula prática e bastante didática sobre o machismo da nossa sociedade.
Antes de tudo, deve-se colocar aqui que existe uma diferença crucial entre machismo e misoginia: a misoginia é o ódio generalizado ao gênero feminino, ao passo que o machismo é o ódio direcionado. Isto é, dentro da lógica machista, existe um tipo de mulher, um único tipo, que merece ser respeitado. Os exemplos para caracterizá-lo são muitos, mas todos nós sabemos resumi-lo numa frase: trata-se das mulheres que se colocam no seu “devido lugar”. O resto – as vadias, as comunistas, as sapatonas – simplesmente não é gente.
O discurso machista enaltece o primeiro grupo. Romantiza, dá flor, faz poema. Vai da garota de Ipanema que enche o mundo de graça à mãe guerreira e trabalhadora, de vida honrosa e comportamento afável. Mas desce, literalmente, porrada no “resto”: no Brasil, uma mulher é estuprada a cada 12 segundos, e a violência doméstica é considerada a segunda causa de morte de mulheres no país. E aí, quando as piadas sobre estupro corretivo geram uma reação polvorosa nas redes sociais, são as feminazis que não têm senso de humor.
Assim, não é nem um pouco contraditório que o cara que postou de manhã uma imagem de uma rosa dedicada às mulheres maravilhosas de sua vida, que enchem seu mundo de beleza, amor, compreensão e cuecas limpas, à noite valeu-se de panelas que ele não lavou para xingar uma figura pública de “vaca”, “gorda” e “vagabunda”.
Essa sintomática escolha do léxico, que pode parecer risível e desprovida de conteúdo num primeiro momento (afinal, para uma figura pública, muito mais ofensivo seria chamar de “desonesta”, “mal-caráter”, “corrupta”), revela-se portadora de coisa muito mais nefasta: numa sociedade machista, não há nada pior para uma mulher do que ser vaca, gorda e vagabunda, uma vez que isso a inclui instantaneamente no segundo grupo, o das mulheres “resto”, a mulher-coisa que não é gente e não merece nem rosa nem bombom. Pior: se for estuprada e morta, “fez por merecer”.
Não existe, portanto, contradição alguma em ofender publicamente uma senhora, mãe e avó, em pleno 8 de março com xingamentos que aprendemos lá na quarta série. Isto é, senhoras e senhores, só mais um dentre os infinitos exemplos do machismo, esse discurso-fenômeno tão arraigado em nosso cotidiano.
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Thaisa Burani trabalha no departamento editorial da Boitempo.
Realmente, a mulher Dilma não merece nada disto.
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Cara Thaisa, você falou tudo o que eu tinha vontade e não tinha percebido. Ontem ouvi uma amiga dizendo que faltou o feminino na Dilma em seu discurso (sic). Me senti furiosa por dentro e pensando que caraca de machismo carregava esse comentário. Agora, lendo as suas palavras, me reconheci nelas. Parabéns por sua análise. Vou replicar e pedir a todos os meus contatos de redes sociais que repliquem. Me parece que as pessoas não podem ser definidas pelo feminino ou masculino. Aliás, a Dilma foi eleita para presidir o país, não para ser homem ou mulher. E se a xingam para atingi-la como mulher, mãe e avó, não entenderam nada. No impeachment do Collor não ouvi ninguém chamá-lo de viado, corno, drogado ou prostituto. Mas sim de ladrão, corrupto, mau-caráter.
Virei sua fã! 🙂
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É isso aí, Thaisa, senta a porrada neste monte de energúmenos machistas, misóginos e filhos de uns putos!!! Que só vive de reproduzir imagens mal fabricadas e, por falta de capacidade de se recriar no dia a dia sem a bengala patriarcal, tem quase nula capacidade de usar o cérebro para conviver com as diferenças!
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Parabéns, Thaisa, comentário que foi direto ao ponto. Para além da política, o respeito à pessoa humana é necessário numa sociedade civilizada. Dilma merece respeito não apenas porque é presidente mas porque é um ser humano, um igual de todos nós. Cordialidade é bom e todas merecemos, mesmo que tenhamos posições políticas diferentes.
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Palavras apelativas.
O que ocorreu, aconteceria se fosse um presidente do sexo masculino também. Xingar e ofender eh errado sendo homem ou mulher, mas não cabe machismo na ação.
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Prezado,
Desculpe se não fui clara, mas por favor releia o texto. Eu não disse que a Dilma foi xingada por causa do machismo. Porque não foi mesmo. Xingar a Dilma não é machismo. Ela é uma figura pública e, como tal, está sujeita a todo tipo de manifestação popular, inclusive manifestações raivosas. O que eu estou defendendo é que, quando o povo resolve xingá-la, muito frequentemente opta por palavras que atingem a sexualidade feminina dela, em vez da política. Claro que também xinagram de outras coisas, incluindo “Fora PT” e tal. Mas o que mais se ouviu, pelos testemunhos de vídeo e de quem presenciou, foram xingamentos do tipo “puta”, “vadia”, “baranga”, “velha”, “gorda”.
Proponho aqui uma reflexão: imagine que ela fosse um homem. Melhor: imagine que fosse o Lula ainda no poder. Seria meio ridículo as pessoas saírem na janela pra gritar “seu gordo”, “Lula galinha” ou “michê”, não é mesmo? Ninguém faz isso. Muito mais ofensivo seria gritar “Lula ladrão”, “salafrário” e outros xingamentos que afetam a atitude política dele, em vez de aparência física. Mas, no caso de uma mulher, é muito pior ser xingada de “vadia” e de “gorda”, e isso sim é sintoma de machismo.
Bom, espero ter ajudado.
Thaisa
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Parabéns pela reflexão
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