Não deve haver limites para o homem…
[Paulo Roberto Costa, novo herói brasileiro, e Eddie Redmayne no papel de Stephen Hawking em fotograma de A teoria de tudo]
Por Izaías Almada.
Tenho absoluta convicção de que os leitores, em algum momento de suas vidas, se confrontaram com a estranha sensação de se sentirem perdidos, psicologicamente desequilibrados mesmo, ao compararem fatos comezinhos completamente díspares ou mesmo paradoxais, quer da sua vida particular, da vida coletiva à sua volta ou mesmo entre tempos e épocas diferentes, consoante o conhecimento que se tem da História. Uma sensação de pesadelo ao vivo. Ou, se me faço entender, uma espécie de bipolaridade na velocidade da luz. Esperança e desilusão em segundos. Euforia e desanimo instantâneos.
E neste particular, a arte – em suas diversas manifestações – tem uma função importante e por vezes pedagógica quando nos aponta tais situações e nos faz refletir sobre elas. Como, por exemplo, descobrirmos que no mesmo instante em que uma jovem mãe dá à luz ao seu primeiro filho na cidade do Cabo, alguém perde a vida num desastre ferroviário no interior do México. Ou enquanto um grupo de juízes condena arbitrariamente cidadãos sem provas, um poeta escreve versos exaltando a liberdade.
No caso, nada que se assemelhe ao Efeito Borboleta ou teorias do gênero.
Há alguns dias tive uma sensação dessas. Foi durante a sessão do excepcional filme que vi (e recomendo) sobre o físico Stephen Hawking, A teoria de tudo. Um filme sobre o ser humano e não sobre fórmulas matemáticas na lousa que a maioria dos mortais não entende, porque antes dos números e dos teoremas está o homem.
Sabemos que o cinema, quando se trata de apresentar a vida de alguns seres humanos excepcionais pode se tornar redutor ou parcial na apresentação dos fatos históricos que o cercam ou, num outro extremo, exagerar na dose dos bons atributos do protagonista.
Não é o caso aqui: com um roteiro seguro na apresentação da ideia central e das peripécias que acontecem ao protagonista, A teoria de tudo é um filme encantador. Realista, mas com toques românticos e mesmo melodramáticos para os mais emotivos, a história é um belo exemplo da vontade de viver, da perseverança e do respeito entre seres humanos, sobretudo com aqueles que, sem tornar o ato de amor piegas ou o dissimulado fruto de uma crença religiosa qualquer, dedicam-se àquela das nossas virtudes mais esquecidas: a solidariedade.
Stephen Hawking, ainda estudante na Universidade de Cambridge, onde fazia seu mestrado, recebeu o diagnóstico de ser portador de esclerose lateral amiotrófica, doença incurável e responsável pela paralisia progressiva dos músculos do movimento e não só, podendo levar à morte em curto espaço temporal. Hawking, a quem o diagnóstico médico deu dois anos de vida quando estava com vinte e poucos anos de idade, vive até hoje. A biografia de Hawking pode ser fartamente encontrada na internet ou em livros.
O que importa aqui é chamar a atenção para uma singularidade, ou duas, se quiserem: o livro, escrito por sua primeira mulher, Jane Hawking, com carinho, mas sem concessões aos altos e baixos de uma personalidade acostumada a orgulhar-se de sua inteligência; e a fulgurante interpretação do ator Eddie Redmayne, merecidamente ganhador do Oscar de interpretação, numa das mais brilhantes atuações que vi nos últimos anos. Não só pela progressiva e bem cuidada construção física da doença, mas – sobretudo – pelas expressões faciais, dos olhos em particular, do ligeiro tremor dos lábios, que demonstram em fração de segundos a tristeza, a alegria, a dor, o amor, esses sentimentos que um close-up pode engrandecer ou mostrar a falta de talento de atores e atrizes.
Pois bem: em algumas dessas cenas passei pela tal bipolaridade na velocidade da luz, quando me perguntava: como é possível, por exemplo, existirem seres humanos com as qualidades de Stephen Hawking ou um atrasado mental como Paulo Roberto Costa? Qual é a química que forma neurônios em busca do avanço da ciência e da felicidade do homem e aquela que induz mentecaptos a dilapidarem o patrimônio público de um país em proveito próprio? Ingenuidade do autor nos tempos que correm? Disparate?
Pior ainda: qual a razão política, cultural, psicológica, sociológica – seja ela qual for para aqui chamada – que submete um país como o Brasil contemporâneo a um tratamento de choque moralista, anticorrupção, protofascista, justamente por parte daqueles que a praticam vinte quatro horas por dia?
Ou como alguns juízes da mais alta corte de justiça do país, atropelando elementares fundamentos do direito e escondendo provas desencriminadoras, se põem a alardear, antes da sentença final, que determinado partido político promoveu a maior corrupção da história brasileira até que se desmente, um ano depois, com o surgimento de uma lista de clientes de poderoso banco internacional na Suíça que arrola mais de cinco mil brasileiros sonegadores de impostos ao enviaram qualquer coisa ao redor de sete bilhões de dólares para o exterior. Alguma dúvida que entre esses honestos e íntegros brasileiros estejam alguns donos de jornais, revistas, rádios e emissoras de televisão no Brasil?
Que mundo é esse cada vez mais injusto e desigual? Qual a origem disso tudo? Onde começou? Onde irá terminar? Questões que nos afetam (ou não) de maneiras e intensidades diferentes é verdade, mas que estão nas mentes dos cientistas mais brilhantes e do mais comum dos cidadãos.
Tem razão boa parte da classe média brasileira e seus arautos da mediocridade e da subserviência: o Brasil é um país de merda, mas não necessariamente pelos problemas que apontam. É um país de merda por ter a elite que tem, é um país de merda por sua secular subserviência a culturas exógenas, por ter parte das suas universidades ainda arraigada a um colonialismo cultural, por não lutar com maior vigor para diminuir a injustiça social, por continuar a fazer da política um cabide de empregos e negócios, por ainda ter vergonha da senzala enquanto mendiga favores aos donos da Casa Grande ao norte e ao sul do Equador. Por ter uma esquerda desorientada e inerte para travar o combate político. E, sobretudo, nos dias que correm, por ter uma mídia nefasta ao país, criminosa e entreguista.
A frase que dá título a esse artigo resume um dos conceitos de Hawking sobre a ciência e penso que a história da humanidade corrobora tal pensamento. O que o professor inglês não tinha em mente é que os gigolôs das grandes conquistas do homem têm o mesmo entendimento, mas num viés diferente e totalmente oposto: não têm limites nem escrúpulos para justificar os seus atos.
E para continuarmos apenas no atual momento da conjuntura brasileira, que tal se nos fosse dado saber os nomes da já famosa lista de sonegadores do HSBC suíço? O suiçalão? Desses brasileiros acima de qualquer suspeita, de caráter ilibado? Talvez muitos cidadãos começassem a perceber como compram gato por lebre quando se emprenham pelos ouvidos ou pelos olhos com a nossa imprensa, cuja ética e o profissionalismo já não cabem nos contornos de seus próprios vasos sanitários.
A teoria de tudo: um filme, algumas reflexões e uma enorme vontade de vomitar.
E viva a democracia da delação premiada! Da justiça feita em tribunais penitenciários que acobertam juízes, delegados e políticos como uma espécie de membros de um PCC de gravatas borboletas. Dos sonegadores em pele de cordeiro! Da liberdade de imprensa em causa própria! De deboche ao cidadão brasileiro.
***
Izaías Almada, mineiro de Belo Horizonte, escritor, dramaturgo e roteirista, é autor de Teatro de Arena (Coleção Pauliceia da Boitempo) e dos romances A metade arrancada de mim, O medo por trás das janelas e Florão da América. Publicou ainda dois livros de contos, Memórias emotivas e O vidente da Rua 46. Como ator, trabalhou no Teatro de Arena entre 1965 e 1968. Colabora para o Blog da Boitempo quinzenalmente, às quintas-feiras.
Tudo que você escreveu, sinto em meu coração a muito tempo.Não sei transmitir meus pensamentos com a sua competência, que, ao mesmo tempo são pérolas jogadas aos porcos. Muito poucos irão ler, menos ainda transmitir e sozinhos estaremos fadados ao anonimato, quiçá, a chacota pública. E com as nossas escolas fazendo redações com temas de novelas, estou pronto para partir para outra. Vovozinha já dizia “O rabo está a balançar o cachorro.”
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Republicou isso em xykosanto.
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Brilhante texto, parabéns
Luiz Humberto Pinheiro
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“…como é possível, por exemplo, existirem seres humanos com as qualidades de Stephen Hawking ou um atrasado mental como Paulo Roberto Costa? Qual é a química que forma neurônios em busca do avanço da ciência e da felicidade do homem e aquela que induz mentecaptos a dilapidarem o patrimônio público de um país em proveito próprio?”
?! O problema é do cidadão citado, que dilapidou “o patrimônio público de um país em proveito próprio” ou de um partido político (paladino da ética, até chegar ao poder… rs), que criou mecanismos sistemáticos e abrangentes de corrupção e desvio de recursos públicos, instrumentalizando cidadãos como esse para roubarem na mão grande?! Se alguém induziu “mentecaptos a dilapidarem o patrimônio público” do país, seu nome certamente é outro… rs
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Sinto desapontá-lo, Cintra, pois a corrupção é mais antiga que isso. É só saber um pouco da história política do Brasil. Só, então, para ficar num nome mais recente, já que você quer ironizar a citação do Sr. PRC, que fique bem claro que quem abriu as portas para a mais recente onda de corrupção na Petrobrás foi o Sr. Fernando Henrique Cardoso que abriu mão das licitações para inúmeros projetos da empresa. Em decreto presidencial. Abraços.
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Prezado. Tive o prazer de ler teu artigo graças ao teu filho André. \agora já
tenho o enderêço do site e vou aproveitar. Falei para o André tentar achar o livro do Sergio Buarque – Raízes do Brasil- que deveria estar nas grades das nossasd escolas. Abraços do Luiz Medalha e de Goiânia.
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Salve Luiz, e o piano? Schubert, Mozart, Vila Lobos?
E não só “Raízes do Brasil”, mas outros clássicos da nossa formação.
Grande abraço para você.
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