Um novo mundo é possível?
[Imagem feita pelo designer André Almada, especialmente para esta coluna]
Por Izaías Almada.
“Quanto riso, ó, quanta alegria.
Mais de mil palhaços no salão…”
– Zé Kéti
Sempre tive grande fascínio pelo cinema, desde o momento em que fui levado pelo meu pai para assistir ao clássico Fantasia com os famosos bonecos da Disney. O mundo cicatrizava as feridas de uma segunda guerra mundial e eu, na inocência dos meus quatro anos de idade, não tinha a menor ideia do que se passava além dos muros da nossa casa. Contudo, fiquei conhecendo o rato Mickey, aprendiz de feiticeiro, na divertida sequencia com a vassoura e as baldes.
Ainda na infância fui apresentado ao Pato Donald, à Margarida, ao Pateta, à dupla Tom & Jerry, ao Pernalonga e ao Hortelino Trocaletra, Gaguinho, Petúnia Resedá, Reco-Reco, Bolão e Azeitona (desses poucos se lembram), Pica Pau, Frajola e outros divertidos personagens que encantaram a minha e várias outras gerações de crianças.
Mais alguns anos e descubro o gênero western que, ao lado do gênero musical, me encantou na adolescência. Dois gêneros de filmes, que após Chaplin e ao lado de Hitchcock, transformaram o cinema americano numa das maiores máquinas de diversões, dinheiro e manipulação da mente humana, antes da televisão, da Internet e do Facebook.
O western foi minha primeira incursão ao mundo do homem bom e do homem mau, do bandido e do mocinho. Maniqueísmo em cinemascope.
E assim vem caminhando a humanidade. Aos trancos e solavancos, como diz uma amiga.
Apesar de toda parafernália tecnológica atual e dos grandes avanços da ciência, a medicina em particular, entre outros, o homem tem evoluído pouco. A frase, com algum ranço de lugar comum, não explica, entretanto, porque – afinal de contas – a bandidagem tem se misturado tanto com a política.
Não estou falando da bandidagem dissimulada de gravata borboleta e vestidos longos. Ou a dos bicheiros ligados a policiais, hoje substituída pelo rentável tráfico de droga pesada. Sequer a do Comando Vermelho ou do PCC.
Não: estou falando da bandidagem moderna, “democrática” e cheia de títulos acadêmicos. Onde já não conseguimos distinguir mocinhos e bandidos. Ou lobistas, para ser mais sutil. Vale tudo. O público e o privado se misturam e estão nas principais manchetes dos jornais.
Já há quem desavergonhadamente insinue que existe uma “corrupção do bem” e outra “corrupção do mal”, tamanho o cinismo dos partidos de oposição e seus senhores na mídia.
Em Washington, Paris, Tel-aviv, Pequim, Brasília, Buenos Aires. As máfias contam-se aos magotes. Até mesmo em facebooks, onde a hipocrisia e algum sentimento nazifascista recheiam milhões de entradas nessa rede social pelo mundo.
Empresas, bancos, políticos, advogados, policiais, juristas, misturam-se todos num caldeirão que vai cozinhando a honestidade em banho Maria, deixando que os falsos moralistas tomem a frente no combate à corrupção, num teatrinho sem vergonha que já não engana a mais ninguém. E atenção: o fenômeno não é só brasileiro como gostam de encher a boca os pusilânimes caboclos em particular nossa classe média idiotizada e neofascista. Está presente na maioria dos países…
A justiça é matéria obrigatória, obvio, nas faculdades de Direito, mas aos poucos vai se tornando uma espécie de arqueologia do saber. Um museu de boas intenções. Quem tem dinheiro, manda. Quem tem dinheiro, faz justiça em causa própria. Quem não tem…
O deboche, a arrogância, a hipocrisia, a injustiça são as palavras e as ações da vez. E, na contramão de Fernando Pessoa, arrisco dizer que tudo vale à pena quando a alma é pequena.
Andaram espalhando por aí que um novo mundo seria possível. Também apostei minhas esperanças nessa possibilidade. E ele está aí, mais firme e arrogante como nunca. É o capitalismo na sua forma mais requintada e que dispõe de todos os meios para espalhar a eterna boa nova aos crentes e aos inocentes: seja um homem de sucesso!
Estude aqui ou acolá, compre esse carro, aumente o seu desempenho sexual, deposite nesse banco que seu dinheiro vai render mais, vote num democrata cristão, contribua para tais obras de caridade, leia a lista dos mais ricos do mundo, não vai ter copa, o Brasil é uma merda, a corrupção começou com o PT, nos Estados Unidos a justiça funciona, Miami é uma maravilha, lá fora é tudo mais barato… O intoxicante repertório de imbecilidades é extenso e produz efeitos deletérios até entre mentes mais abertas e progressistas.
A tal ponto que jornais, revistas, emissoras de rádio e televisão, sem nenhum compromisso com o povo brasileiro deitam e rolam sobre o leite derramado. O que dizem é lei e não há contestação.
O momento é de guardar a máscara da honestidade no armário (pois corruptos são sempre os outros, não é senhor Fernando Henrique Cardoso?) e cair na folia, pois ninguém é de ferro. E não se preocupem irmãos, pois Deus é brasileiro! Aleluia, Saravá!
Todos aos sambódromos!
***
Izaías Almada, mineiro de Belo Horizonte, escritor, dramaturgo e roteirista, é autor de Teatro de Arena (Coleção Pauliceia da Boitempo) e dos romances A metade arrancada de mim, O medo por trás das janelas e Florão da América. Publicou ainda dois livros de contos, Memórias emotivas e O vidente da Rua 46. Como ator, trabalhou no Teatro de Arena entre 1965 e 1968. Colabora para o Blog da Boitempo quinzenalmente, às quintas-feiras.
Mudei meu email. Mande agora para rosyrosalinascapin@gmail.com Obrigada Rosy Rosalina
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Prezado Izaías Almada, nesta véspera de Carnaval, seu texto me pescou pela memória afetiva: Máscara Negra foi a primeira música das folias de Momo em que prestei atenção, com 5 ou 6 anos de idade, e até hoje a considero uma das mais bonitas e poéticas.
Segui me irmanando nas recordações de personagens que também povoaram minha infância.
Mas ai chegamos na política e o que era pura empatia ganhou traços de discórdia. Traços, é verdade, não um antagonismo absoluto.
É verdade que há uma ignorância orgulhosa bradando bobagens partidárias da extrema esquerda à extrema direita, mas você colocou coisas demais neste caldeirão da estupidez.
Se a justiça brasileira é uma piada de mau gosto, não é verdade que seja da mesma forma nos EUA, como você insinua. Não é verdade que seja uma piada sempre, em todo lugar. E, para mim, este é o ponto central. A grande reforma que o Brasil precisa não é a política ou do sistema econômico, mas a da justiça. Uma reforma do judiciário que tornasse a justiça célere e as punições efetivas (como nos EUA e no Chile, por exemplo) teria um impacto gigantesco em toda sociedade e acabaria com a percepção de que “O deboche, a arrogância, a hipocrisia, a injustiça são as palavras e as ações da vez. E, na contramão de Fernando Pessoa, arrisco dizer que tudo vale à pena quando a alma é pequena.”
Ou em outras palavras, deixaríamos de ser o país em que toda falcatrua acaba em samba, pizza e/ou condecoração.
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Vc também deve acreditar na rainha da inglaterra.
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Caro Pol pot, quandou uma ideia faz sentido, ela é viável. Nem sempre é rápido. Nunca é rápido, nunca é indolor, mas é possível. Dê uma olhada neste artigo que contrapõe dois casos concretos: COMO A CIVILIZAÇÃO PODE VENCER A BARBÁRIE SEM RECORRER AOS MESMOS MÉTODOS? https://goo.gl/v6VWKO
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A discórdia é natural e elemento importante num diálogo fraternal. Até porque a ironia do artigo, neste ou em outros que já escrevi, é feita com alguma tristeza por ver determinados problemas à nossa volta. Obrigado pela participação.
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Atenção, mudei meu email. Agora é rosyrosalinascapin@gmail.com
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mas o que o sambódromo tem a ver com isso? estava indo tão bem…mas “não deixe o samba morrer…”
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nada contra o samba, Gil, nem contra o sambódromo. Apenas uma metáfora sobre um Brasil que insiste em dividir seus cidadãos entre os que devem mandar e os que devem obedecer.
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Atrás do trio elétrico, só não vai quem já morreu.
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