Leblon, sábado, calor do Cão, porta do Bracarense (Peça em um ato)
Por Gilberto Maringoni.
– Ei, Joca!
– Caralho, Armínio!
– O Edmar ta vindo aí. Que surpresa! Achei que você tava direto em Brasília…
– Pois é. Fiquei de novembro até agora. Como o pontapé inicial tá dado, vim pegar um sol de fim de semana.
– Foi no estádio?
– Não… O Fogão vai me dar uma dor de cabeça que eu não preciso agora.
– Mas me conta, como anda a coisa lá? A mulher pega muito no pé?
– Nada…
– Ei, ó o Edmar chegando. Vem com o Ilan.
– Pô, Ilan, tu perdeu peso, mas não a barriga, hein?
– Mas tu aluga, hein, Joca?…
– Gente, peraí. O Joca ta me contando aqui como anda a coisa por lá. Diz aí, Joca, tu já entrou pro PT?
– Deus me livre, Mínio, Deus me livre. Além de tudo, não carece…
– Mas como tá lá?
– Tá ótimo. Nem uma contrariedade, nem nada. Cheguei, falei pra presidente…
– Tu não chama ela de presidenta?
– Fala sério! Pra mim é presidente e acabou.
– E ela não chia?
– Sei lá, pra mim, não…
– Mas vai, conta.
– Então, cheguei lá, no primeiro dia e ela me chamou. Tava ela e aquele gaúcho…
– O Miguel?
– Isso, o Miguel e o Aloísio. Aí eu falei, sabe, presidente, a senhora me chamou, mas eu tenho uma linha. E aí ela me cortou…
– Eu sabia. Ela corta, berra, xinga…
– Tá maluco? Nada disso. Ela me cortou pra dizer assim. Seu Joaquim. Ela me chama de seu Joaquim. Seu Joaquim, nós chamamos o senhor…
– Senhor? Ela te chama de senhor?
– Tudo na moral, no maior respeito. Seu Joaquim, nós chamamos o senhor porque sabemos qual sua orientação e damos carta branca. A coisa tá feia, o mercado ta arisco, o investimento caiu e nós não podemos brincar em serviço. O senhor indique quem tem de indicar, faça o que tem de ser feito e nós vamos conversando aí…
– Como é que é?
– É, cara. Senti que os caras tão no mato sem cachorro e querem que eu resolva.
– Sei. O Mr. Wolf, do Pulp Fiction. “I solve problems”.
– Pensei isso na hora. Fazem a merda, lambuzam tudo e aí chamam Mr. Wolf. Quase falei “I solve problems”…
– Mas o Aloísio, todo metido a desenvolvimentista, todo Unicamp, todo, todo, não chiou?
– Edmar, deixa eu te falar. Esse é o que menos chia. Ninguém ali chia. Eles estão apavorados com o mercado, com a balança comercial, com a queda das commodities, com a China, com a transmissão disso no emprego, com o teto da meta e o caralho. Tão com o cu na mão, se me entende. Fizeram uma campanha tosca, sabem que mentiram pra cacete e tão se borrando todos. Topam qualquer coisa!
– Topam tudo?
– Acho que menos beijar na boca! Se o Aécio tivesse levado, Mínio, aí você ia ver o que é bom pra tosse. O Serra – que ta meio gagá – ganhou força com a eleição. Ia fazer aquela demagogia de política industrial, investimento etc. Aqui não tem disso. Querem resolver problemas.
– Mas e aquele abaixo assinado, o Belluzzo, a Conceição, a Unicamp?
– Fala pra mim, Ilan: quem no governo quer saber deles? Quantos votos têm?
– E o esporro que ela deu no Nelson?
– Mas o Nelson é meio PT, ela não respeita muito o Nelson. Ele cagou com aquele negócio do salário mínimo e teve o troco. Eu não entro nessa. De mais a mais, resolvi testar.
– Testar?
– É, testar.
– Peraí, antes de você contar, vamos pedir alguma coisa? Caipirinha de vodka pra todo mundo? E aquele bolinho de carne seca invencível?
– Pede lá. Então, logo que fui nomeado, quis fazer um teste. E fui pesado. Falei pra presidente – coisa que o Nelson não fez – , olha, vamos fazer um superávit baixo, mas não podemos sangrar o empresariado, se não, não dá nem para começar o trabalho.
– Você é um filho da puta, hahahahaha!
– Calma, Edmar. Isso é só o intróito… Falei, vamos ter de mudar algumas coisas aí no seguro–desemprego, nas pensões e tal. E ela pulou.
– Pulou, como?
– Ficou puta da vida, disse que tinha falado na campanha que não mexeria e tal, aquela história da vaca tussa e o cacete. E aí veio o Aloísio e serenou os ânimos.
– Esse topa tudo!
– Topa, Mínio, topa. Eu entrei com um argumento baixo – números –, mas é o que ela gosta. Olha lá, clima tenso, ela chiando, o Aloísio tentando acalmá–la. E eu soltei a bomba: vamos economizar R$ 18 bilhões só nisso, presidente. E não vamos mexer com quem está na ativa, com quem tem poder de mobilização. Vai ter uma semana de chiadeira e acaba.
– Eu falo, tu é um filho da puta! Rárárárá!! E ela topou?
– Na hora, Edmar! Esse foi o teste. Se o PT que é o PT topa mexer com os assalariados, o resto sai na urina. Abrir o capital da Caixa, arredondar para menos o reajuste do mínimo – que ninguém nota, pois são dois reais, mas dá um puta efeito –, aumentar os juros da casa própria… Tudo vem na banguela, na descida…
– Tu tem carta branca, então?
– Mais do que você teria, Mínio. E depois que o Rui, na reunião do diretório lá deles falou que minha nomeação era assunto encerrado, acabou!
– E você ainda veio com aquela de “patrimonialismo”… Rááráráráárárárá!!!
– Pois é… Coloquei na última hora no discurso. E isso fodeu com o Guido, que engoliu seco. Ele e o PT, o Lula e o escambau. Mas eles adoram. Adoram tudo o que faço. E ela fez comigo uma coisa que não faz nem com o PMDB: me deu o ministério de porteira fechada. Vou nomear todos vocês!
– Não fode, Joca.
– E agora?
– Agora é isso, já avisei, Ilan. Dois anos de ajuste pesado, vai ter solavanco, vai ter porrada, a base pode chiar um pouco, a CUT vai gritar, mas a vida é assim. Eu falo de novo: eles estão fodidos, cagados, com o cu na mão. E não tem meio ajuste. É até o talo. Vamos abrir mais empresas, vender o que dá para ser vendido, mexer na CLT, aprovar a terceirização e deixar o pessoal gritar. Sangue frio eu tenho, vocês sabem. E eles não têm culhão para ir pra cima do empresariado, dos bancos…
– E ela?
– Ela fez a escolha dela. E agora não tem volta atrás.
– Putz, você é mesmo um filho da puta, Joca, um grande filho da puta. E sabe que com o Aécio, eu teria mais dificuldade, até pela oposição do PT…
– Pois é, Mínio. Anulamos quem poderia se opor.
– Agora, vem cá… E essas alas do PT. E a esquerda?
– No PT não tem mais nada. Só tenho receio de um cara de esquerda, que de vez em quando, ainda conversa com a presidente… E pode criar confusão…
– Quem? O chefe lá do MST? O garoto do Sem teto? Os malucos do PSOL e do PSTU?
– Cê ta na lua, mesmo, né, Ilan? Nada disso. Esses tão fora!
– O Lula?
– Puta que o pariu! Vocês não leem nem jornal. Ficam nessa história de mercado, mercado e não sabem o que acontece no mundo.
– Então quem, porra?
– O Delfim, o cara mais à esquerda que ela ainda ouve…
(Estupor geral)
– O Delfim.
(Gargalhadas estrepitosas, enquanto chegam as caipirinhas e os bolinhos)
***
Gilberto Maringoni é doutor em História Social pela FFLCH-USP e professor adjunto de Relações Internacionais na Universidade Federal do ABC. É autor, entre outros, de A Revolução Venezuelana (Editora Unesp, 2009), Angelo Agostini: a imprensa ilustrada da Corte à Capital Federal – 1864-1910 (Devir, 2011) e da introdução do romance O homem que amava os cachorros, do cubano Leonardo Padura. Cartunista, ilustrou algumas capas de livros publicados pela Boitempo Editorial na Coleção Marx Engels, como o Manifesto comunista. Integra o conselho editorial do selo Barricada, de quadrinhos da Boitempo. Foi candidato do PSOL ao governo de São Paulo, em 2014.
IMPECÁVEL, professor! o meu voto em Dilma, foi util. Não voto no pt ha 10 anos! Perdeu o rumo pelo PODER! Reforma ministerial é PIADA! É balcão de negócios MESMO!! E não vai peitar a grande mídia!
CurtirCurtir
Excelente
CurtirCurtir
Ganhou um admirador Professor! Show
CurtirCurtir
Quem reclama do Levy tem memória curta. Tiramos 40 milhões da pobreza com o Meireles no banco central com juros acima do necessário. Política é conciliação de interesses e não confronto apenas
CurtirCurtir
Grande babaquice, corrijo redações melhores no colégio.
CurtirCurtir