A farsa se repete como história?
Por Izaías Almada.
Com a possibilidade de me colocar na contramão dos desejos da maioria dos brasileiros (onde paradoxalmente me encontro, que isso fique claro), permita-me o leitor a ousadia de colocar em dúvida o significado de alguns fatos políticos que envolveram e envolvem a nova equipe escolhida pela presidente Dilma Rousseff para dar continuidade ao seu governo. Ainda é cedo para essa ou aquela reflexão a respeito, certo, mas expectativas não padecem do fator tempo. Por isso mesmo são expectativas. E por que tal preocupação?
Que a economia seja a força catalisadora e mobilizadora das relações humanas, fenômeno demonstrado por inúmeros economistas, pensadores e cientistas políticos, sendo Marx considerado um dos mais argutos e didáticos a respeito, já não surpreende a ninguém que nesse momento de transição eleitoral e de eventuais mudanças político/administrativas no país haja particular preocupação com a escolha ou manutenção dos responsáveis pela condução da economia brasileira nos próximos quatro anos.
Sobretudo numa nação que se destaca cada vez mais no cenário mundial e tem a defender não só o seu próprio desenvolvimento com ampliação das melhorias sociais, mas também solidificar as garantias democráticas conquistadas após o período ditatorial.
O governo da presidente Dilma Rousseff, agora reeleita, entra na segunda etapa de sua estratégia de ação: desenvolvimento com justiça social. Os exatos 66 dias entre a proclamação oficial do resultado eleitoral e a posse da presidente, 60 deles foram dedicados à escolha e nomeação dos novos condutores da economia brasileira entre consultas, hipóteses, entrevistas, confirmações ou não daqueles que, à esquerda e à direita do espectro político, procuravam identificar tendências de ação do governo para o novo quadriênio.
O natural debate que se seguiu aos nomes confirmados ocupou grande espaço na mídia nacional, quer aquela que defende com unhas e dentes seus interesses comerciais, político/partidários e ideológicos, num viés conservador e de pensamento único, quer a de seus principais opositores, os blogues e sites que estão desempenhando com vigor o contraponto progressista e democrático que desgraçadamente desapareceu do jornalismo brasileiro.
Como explicar a presença de Kátia Abreu no Ministério da Agricultura ou a presença de um Barbalho no Ministério da Pesca, do pastor Hilton da Universal do Reino de Deus para comandar (sic) o esporte ou ainda a permanência de Cardoso no Ministério da Justiça, para ficarmos em alguns nomes?
No dia 1º de janeiro, finalmente, após os ensaios ridículos e frustrados da oposição de não reconhecimento do resultado das urnas, chegou-se à posse da presidente e seu ministério. Novas expectativas e não só as minhas, como é óbvio. Sobretudo com os discursos dos responsáveis pela área econômica, agricultura, justiça, indústria e comércio, comunicações. Nesse aspecto, algumas nuvens mais cinzas, ainda que poucas, deslocavam-se sob o lindíssimo céu azul de Brasília.
Na posse de cada ministro de estado, novo ou vindo do governo anterior, os protocolares discursos de praxe. Vamos começar fazendo isso, aquilo e aquilo outro, entoaram em coro. Mídias e blogues atacaram: conseguirá o ministro Berzoini regulamentar uma nova lei de meios? Será que em dois anos, com a pasta da Educação prestigiada, até com uma nova palavra de ordem do governo, a “pátria educadora”, o ministro Cid Gomes dará novo perfil à educação no país? Kátia Abreu e Patrus Ananias se entenderão sobre latifúndio e Reforma Agrária? Privatizar voltará a ser palavra de ordem? E a regulação da mídia? E a Cultura?
Deixando de lado o que a oposição diz no seu desvario da má perdedora, onde o melhor que pode fazer por interpostas pessoas foi criticar a roupa da presidente no dia da posse a que muitos sonhavam impedir, tentemos refletir sobre o que de fato parece significar o ministério escolhido e o comportamento do “não estou nem aí, eu sei o que estou fazendo” da presidente Dilma Rousseff.
Nesse jogo intrincado de xadrez, para levarmos essa questão a sério, haverá algum cheirinho de Maquiavel? Não acredito… Quando muito a tal da governabilidade… humm… O fato é que esquerda e direita ainda não assimilaram bem o que vem por aí. E o país político se pergunta: para onde sopram os ventos? A propósito, o que vem a ser esquerda e direita no Brasil contemporâneo?
Mas voltemos ao ministério. Começaria por dizer que a arrogância não é boa conselheira política. Como também não o são o medo ao poder econômico e à mídia. Parece que é disso que se trata. Essa é a sensação que fica na escolha de um ministério que, tudo indica, tem mais a ver com um leilão do que propriamente com a indicação de pessoas preparadas e com projetos que se encaixem nos propósitos até aqui do governo federal. Pelo menos o tão decantado programa dos últimos doze anos… A diminuição da pobreza é um mérito de imensa proporção, não há dúvida, mas a miséria do Brasil não é só econômica.
A política em muito se assemelha a uma pantomima, sabemos todos, um jogo de logros, mesmo que alguns de seus principais comediantes se mostrem sisudos e verazes. As intenções contam, mas contam mais ainda os resultados práticos das metas anunciadas. Caso contrário, o estigma de que os políticos são todos iguais, isto é, pessoas insensíveis aos desejos dos cidadãos e mesmo trambiqueiras, continuará como um cutelo sobre nossas cabeças.
Existe, sim, ministra Kátia Abreu, latifúndio no Brasil, sendo o pior deles, talvez, o latifúndio midiático, onde inúmeros deputados, senadores, governadores possuem empresas de rádio, televisão, jornais e revistas, o que é inconstitucional: uma farsa.
A justiça no Brasil é uma farsa, com o STF a fingir que é um poder imparcial e defensor de todo e qualquer cidadão. Condena sem provas e nada acontece. Cabe lembrar uma vez mais a roubalheira nos governos do PSDB, onde é que fica?
A imprensa, mais do que uma farsa, transformou-se em deboche da boa fé dos brasileiros que insistem em acreditar que a esperança venceu o medo. Meia dúzia de emissoras de rádio e televisão, jornais e revistas, mentem, distorcem, escondem fatos, julgam, prejulgam, prendem, escarnecem e nada muda no dia a dia do país, que vai acumulando farsa atrás de farsa, hipocrisia atrás de hipocrisia.
A impunidade, contudo, não é uma farsa, é a realidade mais visível de um país que finge combatê-la. Outra farsa e essa, dolorida, cruel.
O ano de 2015 começa com ar estranho no país e no mundo. O número de tragédias e farsas tomou conta dos quinze primeiros dias do calendário, criando sobressaltos que podem gerar mudanças para pior e desagradáveis surpresas.
Tragédias e farsas que de tanto se repetirem estão, sim, se tornando História. Os arautos da hipocrisia pregam aos quatro ventos que os piores atributos do ser humano são próprios da sua natureza. Que o homem já nasce assassino, corrupto, ladrão, injusto e por aí afora…
Diante dessa falácia, quando vejo uma mãe a empurrar, cuidadosa, o carrinho do seu bebe recém nascido, minha reação é imediata: ali vai um corrupto de chupeta. O que será dele ou dela daqui a trinta, quarenta anos? Será dirigente de uma grande empreiteira ou repórter da revista Veja? Um banqueiro? Um pastor de almas a 10%? Ou até mesmo um idiota como eu, que continuo a me preocupar com tais questões…
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Confira o especial Charlie Hebdo, no Blog da Boitempo, com reflexões, vídeos e artigos de Slavoj Žižek, Michael Löwy, João Alexandre Peschanski, Gilberto Maringoni, Osvaldo Coggiola, Tariq Ali, Ruy Braga, Vladimir Safatle, entre outros. Veja aqui.
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Izaías Almada, mineiro de Belo Horizonte, escritor, dramaturgo e roteirista, é autor de Teatro de Arena (Coleção Pauliceia da Boitempo) e dos romances A metade arrancada de mim, O medo por trás das janelas e Florão da América. Publicou ainda dois livros de contos, Memórias emotivas e O vidente da Rua 46. Como ator, trabalhou no Teatro de Arena entre 1965 e 1968. Colabora para o Blog da Boitempo quinzenalmente, às quintas-feiras.
OS FORMADORES DE OPINIÃO
Mas manifestações desses comentaristas, ditos formadores de opinião, menos para mim, são geralmente polêmicos, posto não fornecerem os fundamentos teóricos de seu discurso. Data venia, sem embasamento teórico fica impossível de aferir a real visão que possui o “formador de opinião’, em tais circunstâncias. Daí a cautela que devemos ter, fazendo um juízo crítico e fundado, que identifica a falsa peroração para escapulir ao real debate, geralmente por serem mesmos avoados, vivendo intensamente da polêmica, tornando-se assim, idênticos aos mais votados para a Câmara Federal por englobar a sátira do eleitor que resolve brincar com seu voto, desvalorizando-o, por alienação (por viver o outro, ‘alien’), coisa fácil de se verificar tomando-se como modelo maior as telenovelas e sua audiência.
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Republicou isso em bule13verdee comentado:
FARSA ATRÁS DE FARSA, DE HIPOCRISIA EM HIPOCRISIA …
A MÍDIA NO BRASIL, MAIS DO QUE UMA FARSA, VIROU DEBOCHE DA BOA FÉ DOS BRASILEIROS
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A história se repete como tragédia quando o fascismo se apresenta mais uma vez como saída para a crise do capitalismo contemporâneo.
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Eleger Dilma para avançar mais…………. . Será q doze anos não foram o suficiente para mostrar, de fato, qual é o lado do governo?
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