Žižek: Pensar o atentado ao Charlie Hebdo

Zizek Charlie HebdoPor Slavoj Žižek.*

* Novo: Leia aqui, “Je suis bête et méchant“, em que Žižek esclarece sua posição sobre o “Je suis Charlie” no debate sobre os atentados.

É agora – quando estamos todos em estado de choque depois da carnificina na sede do Charlie Hebdo – o momento certo para encontrar coragem para pensar. Agora, e não depois, quando as coisas acalmarem, como tentam nos convencer os proponentes da sabedoria barata: o difícil é justamente combinar o calor do momento com o ato de pensar. Pensar quando o rescaldo dos eventos esfriar não gera uma verdade mais balanceada, ela na verdade normaliza a situação de forma a nos permitir evitar as verdades mais afiadas.

Pensar significa ir adiante do pathos da solidariedade universal que explodiu nos dias que sucederam o evento e culminaram no espetáculo de domingo, 11 de janeiro de 2015, com grandes nomes políticos ao redor do globo de mãos dadas, de Cameron a Lavrov, de Netanyahu a Abbas – talvez a imagem mais bem acabada da falsidade hipócrita. O verdadeiro gesto Charlie Hebdo seria ter publicado na capa do semanário uma grande caricatura brutal e grosseiramente tirando sarro desse evento, com cartuns de Netanyahu e Abbas, Lavrov e Cameron, e outros casais se abraçando e beijando intensamente enquanto afiam facas por trás de suas costas.

Devemos, é claro, condenar sem ambiguidade os homicídios como um ataque contra a essência das nossas liberdades, e condená-los sem nenhuma ressalva oculta (como quem diria “mas Charlie Hebdo estava também provocando e humilhando os muçulmanos demais”). Devemos também rejeitar toda abordagem calcada no efeito mitigante do apelo ao “contexto mais amplo”: algo como, “os irmãos terroristas eram profundamente afetados pelos horrores da ocupação estadunidense do Iraque” (OK, mas então por que não simplesmente atacaram alguma instalação militar norte-americana ao invés de um semanário satírico francês?), ou como, “muçulmanos são de fato uma minoria explorada e escassamente tolerada” (OK, mas negros afro-descendentes são tudo isso e mais e no entanto não praticam atentados a bomba ou chacinas), etc. etc. O problema com tal evocação da complexidade do pano de fundo é que ele pode muito bem ser usado a propósito de Hitler: ele também coordenou uma mobilização diante da injustiça do tratado de Versalhes, mas no entanto era completamente justificável combater o regime nazista com todos os meios à nossa disposição. A questão não é se os antecedentes, agravos e ressentimentos que condicionam atos terroristas são verdadeiros ou não, o importante é o projeto político-ideológico que emerge como reação contra injustiças.

Nada disso é suficiente – temos que pensar adiante. E o pensar de que falo não tem absolutamente nada a ver com uma relativização fácil do crime (o mantra do “quem somos nós ocidentais, que cometemos massacres terríveis no terceiro mundo, para condenar atos como estes?”). E tem menos ainda a ver com o medo patológico de tantos esquerdistas liberais ocidentais de sentirem-se culpados de islamofobia. Para estes falsos esquerdistas, qualquer crítica ao Islã é rechaçada como expressão da islamofobia ocidental: Salman Rushdie foi acusado de ter provocado desnecessariamente os muçulmanos, e é portanto responsável (ao menos em parte) pelo fatwa que o condenou à morte etc.

O resultado de tal postura só pode ser esse: o quanto mais os esquerdistas liberais ocidentais mergulham em seu sentimento de culpa, mais são acusados por fundamentalistas muçulmanos de serem hipócritas tentando ocultar seu ódio ao Islã. Esta constelação perfeitamente reproduz o paradoxo do superego: o quanto mais você obedece o que o outro exige de você, mais culpa sentirá. É como se o quanto mais você tolerar o Islã, tanto mais forte será sua pressão em você…

É por isso que também me parecem insuficientes os pedidos de moderação que surgiram na linha da alegação de Simon Jenkins (no The Guardian de 7 de janeiro) de que nossa tarefa seria a de “não exagerar a reação, não sobre-publicizar o impacto do acontecimento. É tratar cada evento como um acidente passageiro do horror” – o atentado ao Charlie Hebdo não foi um mero “acidente passageiro do horror”. Ele seguiu uma agenda religiosa e política precisa e foi como tal claramente parte de um padrão muito mais amplo. É claro que não devemos nos exaltar – se por isso compreendermos não sucumbir à islamofobia cega – mas devemos implacavelmente analisar este padrão.

O que é muito mais necessário que a demonização dos terroristas como fanáticos suicidas heroicos é um desmascaramento desse mito demoníaco. Muito tempo atrás, Friedrich Nietzsche percebeu como a civilização ocidental estava se movendo na direção do “último homem”, uma criatura apática com nenhuma grande paixão ou comprometimento. Incapaz de sonhar, cansado da vida, ele não assume nenhum risco, buscando apenas o conforto e a segurança, uma expressão de tolerância com os outros: “Um pouquinho de veneno de tempos em tempos: que garante sonhos agradáveis. E muito veneno no final, para uma morte agradável. Eles têm seus pequenos prazeres de dia, e seus pequenos prazeres de noite, mas têm um zelo pela saúde. ‘Descobrimos a felicidade,’ dizem os últimos homens, e piscam.”

Pode efetivamente parecer que a cisão entre o Primeiro Mundo permissivo e a reação fundamentalista a ele passa mais ou menos nas linhas da oposição entre levar uma longa e gratificante vida cheia de riquezas materiais e culturais, e dedicar sua vida a alguma Causa transcendente. Não é esse o antagonismo entre o que Nietzsche denominava niilismo “passivo” e “ativo”? Nós no ocidente somos os “últimos homens” nietzschianos, imersos em prazeres cotidianos banais, enquanto os radicais muçulmanos estão prontos a arriscar tudo, comprometidos com a luta até sua própria autodestruição. O poema “The Second Comming” [O segundo advento], de William Butler Yeats parece perfeitamente resumir nosso predicamento atual: “Os melhores carecem de toda convicção, enquanto os piores são cheios de intensidade apaixonada”. Esta é uma excelente descrição da atual cisão entre liberais anêmicos e fundamentalistas apaixonados. “Os melhores” não são mais capazes de se empenhar inteiramente, enquanto “os piores” se empenham em fanatismo racista, religioso e machista.

No entanto, será que os terroristas fundamentalistas realmente se encaixam nessa descrição? O que obviamente lhes carece é um elemento que é fácil identificar em todos os autênticos fundamentalistas, dos budistas tibetanos aos amistas nos EUA: a ausência de ressentimento e inveja, a profunda indiferença perante o modo de vida dos não-crentes. Se os ditos fundamentalistas de hoje realmente acreditam que encontraram seu caminho à Verdade, por que deveriam se sentir ameaçados por não-crentes, por que deveriam invejá-los? Quando um budista encontra um hedonista ocidental, ele dificilmente o condena. Ele só benevolentemente nota que a busca do hedonista pela felicidade é auto-derrotante. Em contraste com os verdadeiros fundamentalistas, os pseudo-fundamentalistas terroristas são profundamente incomodados, intrigados, fascinados pela vida pecaminosa dos não-crentes. Tem-se a sensação de que, ao lutar contra o outro pecador, eles estão lutando contra sua própria tentação.

É aqui que o diagnóstico de Yeats escapa ao atual predicamento: a intensidade apaixonada dos terroristas evidencia uma falta de verdadeira convicção. O quão frágil não tem de ser a crença de um muçulmano para que ele se sinta ameaçado por uma caricatura besta em um semanário satírico? O terror islâmico fundamentalista não é fundado na convicção dos terroristas de sua superioridade e em seu desejo de salvaguardar sua identidade cultural-religiosa diante da investida da civilização global consumista.

O problema com fundamentalistas não é que consideramos eles inferiores a nós, mas sim que eles próprios secretamente se consideram inferiores. É por isso que nossas reafirmações politicamente corretas condescendentes de que não sentimos superioridade alguma perante a eles só os fazem mais furiosos, alimentando seu ressentimento. O problema não é a diferença cultural (seu empenho em preservar sua identidade), mas o fato inverso de que os fundamentalistas já são como nós, que eles secretamente já internalizaram nossas normas e se medem a partir delas. Paradoxalmente, o que os fundamentalistas verdadeiramente carecem é precisamente uma dose daquela convicção verdadeiramente “racista” de sua própria superioridade.

As recentes vicissitudes do fundamentalismo muçulmano confirmam o velho insight benjaminiano de que “toda ascensão do fascismo evidencia uma revolução fracassada”: a ascensão do fascismo é a falência da esquerda, mas simultaneamente uma prova de que havia potencial revolucionário, descontentamento, que a esquerda não foi capaz de mobilizar.

E o mesmo não vale para o dito “islamo-fascismo” de hoje? A ascensão do islamismo radical não é exatamente correlativa à desaparição da esquerda secular nos países muçulmanos? Quando, lá na primavera de 2009, o Taliban tomou o vale do Swat no Paquistão, o New York Times publicou que eles arquitetaram uma “revolta de classe que explora profundas fissuras entre um pequeno grupo de proprietários abastados e seus inquilinos sem terra”. Se, no entanto, ao “tirar vantagem” da condição dos camponeses, o Taliban está “chamando atenção para os riscos ao Paquistão, que permanece em grande parte feudal”, o que garante que os democratas liberais no Paquistão, bem como os EUA,  também não “tirem vantagem” dessa condição e procurem ajudar os camponeses sem terra? A triste implicação deste fato é que as forças feudais no Paquistão são os “aliados naturais” da democracia liberal…

Mas como ficam então os valores fundamentais do liberalismo (liberdade, igualdade, etc.)? O paradoxo é que o próprio liberalismo não é forte o suficiente para salvá-los contra a investida fundamentalista. O fundamentalismo é uma reação – uma reação falsa, mistificadora, é claro – contra uma falha real do liberalismo, e é por isso que ele é repetidamente gerado pelo liberalismo. Deixado à própria sorte, o liberalismo lentamente minará a si próprio – a única coisa que pode salvar seus valores originais é uma esquerda renovada. Para que esse legado fundamental sobreviva, o liberalismo precisa da ajuda fraterna da esquerda radical. Essa é a única forma de derrotar o fundamentalismo, varrer o chão sob seus pés.

Pensar os assassinatos de Paris significa abrir mão da auto-satisfação presunçosa de um liberal permissivo e aceitar que o conflito entre a permissividade liberal e o fundamentalismo é essencialmente um falso conflito – um círculo vicioso de dois polos gerando e pressupondo um ao outro. O que Max Horkheimer havia dito sobre o fascismo e o capitalismo já nos anos 1930 – que aqueles que não estiverem dispostos a falar criticamente sobre o capitalismo devem se calar sobre o fascismo – deve ser aplicada também ao fundamentalismo de hoje: quem não estiver disposto a falar criticamente sobre a democracia liberal deve também se calar sobre o fundamentalismo religioso.

* Texto enviado pelo autor ao Blog da Boitempo. A tradução é de Artur Renzo. Uma versão encurtada deste artigo foi publicada em inglês no New Statesman em 10 de janeiro de 2015.

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Slavoj Žižek nasceu na cidade de Liubliana, Eslovênia, em 1949. É filósofo, psicanalista e um dos principais teóricos contemporâneos. Transita por diversas áreas do conhecimento e, sob influência principalmente de Karl Marx e Jacques Lacan, efetua uma inovadora crítica cultural e política da pós-modernidade. Professor da European Graduate School e do Instituto de Sociologia da Universidade de Liubliana, Žižek preside a Society for Theoretical Psychoanalysis, de Liubliana, e é um dos diretores do centro de humanidades da University of London. Dele, a Boitempo publicou Bem-vindo ao deserto do Real! (2003), Às portas da revolução (escritos de Lenin de 1917) (2005), A visão em paralaxe (2008), Lacrimae rerum (2009), Em defesa das causas perdidasPrimeiro como tragédia, depois como farsa (ambos de 2011), Vivendo no fim dos tempos (2012), O ano em que sonhamos perigosamente (2012), Menos que nada (2013) e o mais recente Violência (2014). Colabora com o Blog da Boitempo esporadicamente.

35 comentários em Žižek: Pensar o atentado ao Charlie Hebdo

  1. Žižek: Pensar o atentado ao Charlie Hebdo

    “quem somos nós ocidentais, que cometemos massacres terríveis no terceiro mundo, para condenar atos como estes?”

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  2. Genial! para variar…
    Só vejo um problema com o seguinte trecho:
    “Se os ditos fundamentalistas de hoje realmente acreditam que encontraram seu caminho à Verdade, por que deveriam se sentir ameaçados por não-crentes, por que deveriam invejá-los?”
    Aqui, o Zizek deixa escapar que a parte da tradição islâmica que coaduna e pratica atos terroristas já é programada de forma a não poder distinguir em si mesma a inveja, pois a guerra santa oculta essa percepção. A aceitação fátua da jihad por desses grupos a torna antes uma finalidade religiosa, ao invés de uma reação a se sentirem ameaçados pela zombaria da cultura ocidental, pela suposta percepção de que eles já tem como parâmetro recalcado, a moral ocidental.
    Só é possível para esses grupos perceberem seus atos como reação invejosa ao ocidente deixando sua fé nessa crença para trás.
    E nós sabemos como se abandona uma crença.

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    • Ademir Bezerra // 02/02/2015 às 12:17 pm // Responder

      Entendo o ponto de vista de Zizek, mas não concordo com a ideia de que esses radicais invejam o ocidente (a, eles tem inveja de nós, por isso reagem de forma violenta). Claro que não, eles estão pouco se lixando para o que acontece com o ocidente, eles apenas não querem que nossos valores culturais sejam exportados para o território deles. Esse grupo denominado Estado Islâmico é um grupo nacionalista, e sua reação (criminosa e inaceitável, não discuto isso) se dá no âmbito da ação do ocidente, que tenta impor (por sua visão política Liberal, que é, em si, internacionalista) seus valores culturais e seu modelo político.

      Talvez fosse melhor, afinal de contas, que Zizek tivesse esperado para escrever sobre o assunto.

      Esse texto do Historiador Osvaldo Coggiola me parece bem mais lúcido e esclarecedor: /blog/2015/01/12/ser-ou-nao-ser-charlie/

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      • Ademir Bezerra // 02/02/2015 às 12:19 pm // Responder

        Trecho do texto do professor Coggiola:
        “Mas são muitos os que sabem que, por trás desse “fantasma da liberdade” (diante do qual os “bons islâmicos” da Europa deveriam se ajoelhar e aprender, como se fossem crianças ignorantes, mas perigosas) se desenha um Estado policial “antiterrorista” e, no bojo deste, um fascismo new age e um aprofundamento das políticas e dos massacres colonialistas e imperialistas, em primeiro lugar no Oriente Médio, na Ásia central e na África.”

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  3. Que merda de comentario a esquerda acha-se a solução de tudo mais ela e problema, nunca sera a solução!

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  4. Caca Martins // 13/01/2015 às 12:04 pm // Responder

    De longe o melhor texto até agora. Esse blog é foda… melhores autores, melhores traduções, os artigos sempre muito oportunos

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  5. Eduardo Dutra Aydos // 13/01/2015 às 2:02 pm // Responder

    AFINAL, UM ARTIGO BEM TRABALHADO E INTELIGENTE DE UM INTELECTUAL DE ESQUERDA SOBRE O ATENTADO AO CHARLIE HEBDO.
    SEU DIAGNÓSTICO SOBRE A RESPOSTA CÍNICA DO “BLAMING THE VICTIM” OU DA JUSTIFICAÇÃO SOLERTE DO ATENTADO PELAS CONDIÇÕES SOCIAIS E POLÍTICAS DO SEU ENTORNO, CONVERGE COM O TEXTO RECÉM PUBLICADO DO REINALDO AZEVEDO QUE PARTILHEI NA MINHA PÁGINA.
    VAI TÃO LONGE NA COMPREENSÃO DO PROBLEMA QUANTO UM INTELECTUAL, AINDA CATIVO DA RAZÃO DIALÉTICA – QUE ELE VISLUMBRA COMO LIBERALISMO X ESQUERDISMO – E QUE AINDA SE PROFESSA DE ESQUERDA, PODERIA IR. MAS, EXATAMENTE POR ISSO, FALHA PELA CANDURA DA SOLUÇÃO PROPOSTA: verbis – “Deixado à própria sorte, o liberalismo lentamente minará a si próprio – a única coisa que pode salvar seus valores originais é uma esquerda renovada. Para que esse legado fundamental sobreviva, o liberalismo precisa da ajuda fraterna da esquerda radical. Essa é a única forma de derrotar o fundamentalismo, varrer o chão sobre seus pés.” ISSO QUE SE TORNA MAIS GRAVE, QUANDO, NA MORAL QUE TENTA TIRAR DA SUA LEITURA DA HISTÓRIA, A CONCLUSÃO DO SEU TEXTO SE DESBALANÇA, SE PARCIALIZA E VOLTA A CHOVER NO MOLHADO DA VELHA ARMADILHA DO PENSAMENTO HEGELO-MARXISTA: verbis – “O que Max Horkheimer havia dito sobre o Fascismo e o capitalismo já nos anos 1930 – que aqueles que não estiverem dispostos a falar criticamente sobre o capitalismo devem se calar sobre o fascismo – deve ser aplicada também ao fundamentalismo de hoje: quem não estiver disposto a falar criticamente sobre a democracia liberal deve também se calar sobre o fundamentalismo religioso.”
    POR QUE NÃO DIZER QUE AQUELES QUE NÃO ESTIVEREM DISPOSTOS A FALAR CRITICAMENTE SOBRE O SOCIALISMO REAL E SEU DÉFICIT DE HUMANIDADE DEVERIAM SE CALAR SOBRE O FASCISMO. POR QUE NÃO DIZER QUE HOJE, QUEM NÃO ESTIVER DISPOSTO A FALAR SOBRE A FARSA AUTOCRATA DAS DEMOCRACIAS POPULARES DEVE TAMBÉM SE CALAR SOBRE O FUNDAMENTALISMO RELIGIOSO.
    NA PLENA CONSISTÊNCIA DA ANÁLISE DE ZIZEK ESSA POSSIBILIDADE OMISSA NÃO OCORRE POR CONSEQUÊNCIA DE ARGUMENTO, MAS POR MERA FILIAÇÃO IDEOLÓGICA.
    É PÍFIO IMAGINAR QUE UMA ESQUERDA FRATERNA SUSTENTARÁ O LIBERALISMO. TANTO COMO É PÍFIO IMAGINAR QUE A CRÍTICA DA DEMOCRACIA LIBERAL É FUNDAMENTO NECESSÁRIO E SUFICIENTE PARA EMBASAR O ENFRENTAMENTO DO FUNDAMENTALISMO RELIGIOSO.
    QUANDO O CONCEITO UNIVERSALISTA DA FRATERNIDADE É APROPRIADO POR UMA FACÇÃO DO MOVIMENTO SOCIAL – NO CASO, PELA ESQUERDA – ELE SE TRANSFORMA NUM INSTRUMENTO PARA CONQUISTA OU SUSTENTAÇÃO DA RESPECTIVA HEGEMONIA.
    E QUANDO ZIZEK CONCLUI QUE O FUNDAMENTALISMO RELIGIOSO DECORRE ESSENCIALMENTE DE UMA FALHA DO LIBERALISMO, REINTRODUZ NO FIM DO SEU DISCURSO O ARGUMENTO DENUNCIADO E COMBATIDO NO INÍCIO, QUAL SEJA O DA IMPROPRIEDADE DA “RESSALVA OCULTA” DO “EFEITO MITIGANTE DO CONTEXTO” – ESSE QUE, SIMPLESMENTE SE DESLOCA, DA POLÍTICA FRANCESA DE IMIGRAÇÃO, PARA AS FALHAS E INSUFICIÊNCIAS DA DEMOCRACIA LIBERAL.
    NA MINHA ANÁLISE DOS FATOS, O ENFRENTAMENTO DO TERROR E DOS FUNDAMENTALISMOS QUE O ALIMENTAM EXIGE UM COMPROMISSO MAIS RADICAL DA INTELECTUALIDADE CONTEMPORÂNEA: EXIGE A CRÍTICA DA RAZÃO DIALÉTICA; EXIGE A RUPTURA CONCEITUAL DO SEU PARADIGMA ANTAGONISTA.
    NEM NA ESQUERDA, NEM NA DIREITA – SEJAM ELAS TRADICIONAIS, OU RENOVADAS – SE ENCONTRARÃO HOJE AS BASES DE SUSTENTAÇÃO PRÁTICA, TEÓRICA E POIÉTICA, PARA A SOLUÇÃO DO FUNDAMENTALISMO RELIGIOSO E O ENFRENTAMENTO DO TERRORISMO.
    A RECONSTRUÇÃO DO SENSO COMUM DA VIDA DESTRUÍDO PELA RAZÃO DIALÉTICA – A RECONSTRUÇÃO DESSE ELEMENTAR BOM SENSO, QUE PROCLAMA, NÃO IMPORTA DE QUE LADO NOS SITUEMOS, QUE ASSASSINATO É CRIME, QUE POLÍTICA NÃO É GUERRA, QUE RELIGIÃO NÃO É POLÍTICA, ETC. – É UMA CONDIÇÃO ESSENCIAL AO SUCESSO DESSE EMPREENDIMENTO,

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    • Excelente contraponto. Havia “acompanhado” o texto de Zizek que traz uma compreensão e análise muito além dos textos que tenho lido a respeito dos atentados, porém “algo” me pareceu furar na conclusão. Seu comentário me ajudou a dar contorno ao furo. Obrigada.

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    • Eduardo, Zizek é um daqueles que não se negam a por o dedo na ferida do marxismo oriental… mas vamos lembrar que há toda uma tradição socialista ocidental democrática… Até seria interessante uma análise no sentido de se buscar como o anti-ocidentalismo fundamentou (assim como, por aqui, o anti-comunismo) o ataque à democracia. E acredito que Zizek seria uma das fontes atuais mais importantes para se construir um estudo como esses.
      Abraços!

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  6. Uma coisa é pensar o que aconteceu, outra é viver cada detalhe do contexto no qual ocorreu. Negar o contexto é omitir fatos, já que cada evento se insere em um grupo de relações sociais. Como viviam Charb e seus colaboradores e como viviam os irmãos Kouachi – que na realidade eram franceses também? Sim, a França colonizou países islâmicos como a Argélia, pátria dos pais de Chérif e Saïd Kouachi e ainda hoje se beneficia dessa invasão e domínio. Isso pode ser desconsiderado? Talvez os motivos dos que promoveram o ataque não se cinjam apenas à questão religiosa, mesmo tendo declarado tal razão. Sabemos que na Europa os árabes e descendentes de árabes, junto com latinos, europeus do leste, africanos e orientais, estão muitas vezes relegados a limpar a merda, carregar tijolos ou prestar serviços sexuais. E ainda são hostilizados. E seus valores ainda são negados ou depreciados. Como Zizek se sentiria nesse contexto? O mundo concreto é sempre diferente e bem mais complexo que o mundo só pensado …
    Nada justifica nada – mas explica.

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    • Só gostaria de deixar aqui o registro de que concordo com a Janaína: desconsiderar o contexto interessa apenas à quem pretende apontar um lado culpado e limpar a barra da França islamofóbica, do Ocidente islamofóbico. Pior ainda, além de culpar os ofendidos por se sentirem ofendidos, ainda culpa o autor das ofensas por não ter ofendido com mais convicção. Lamentável texto do Zizek.

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    • João Cabral // 18/01/2015 às 1:44 am // Responder

      Zizek tenta pensar a situação, vale o que vale. e que na realidade, é importante. O que vemos nos telejornais, é um acumular de detalhes, de pormenores, de acontecimentos que não levam a lado nenhum. Primeiro é preciso saber o que um autor quer dizer, e que efeito quer alcançar, antes de o críticar por não ter dito tudo, ou não ter prestado atenção a um detalhe, que nem é o seu papel. Depois, Zizek não é apenas um pensador, se vir a sua obra, e as suas intrevistas, claramente percebe, que a sua experiencia de mundo é vasta, pois viajou bastante, e fala de enormes exemplos práticos e concretos para reforçar as suas teorias. Se calhar está a confundir pensado com intuido, que é parecido, mas não quer dizer, que o seu pensamento não brote de uma experiencia concreta. Ninguêm pode dizer tudo, nem pensar em tudo, ninguem pode estar 100 % dentro do contexto, e mal fora pensar que só assim se pode produzir pensamento válido. É sempre melhor acrescentar algo. E não negar um visão nova, por umä visão que é a visão que sempre prevaleceu, o problema da colonialização, e que claramente não está a dar frutos.

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  7. Sou admirador do Ziza, mas no caso desse texto devo dizer que não me empolguei. Não que a análise dele não incite à reflexão, etc.
    O problema é que ele se apoia em duas premissas a meu ver questionáveis, nesse caso:
    – a de que o ataque/atentado foi de fato cometido por terroristas/fundamentalistas religiosos islâmicos, quando ainda há uma série de dúvidas / fatos mal-explicados a respeito [a despeito do que a grande mídia se esforce em seguir divulgando];
    – ele usa diversas vezes o termo “fundamentalismo”, sempre sem contextualizá-lo [subentendendo, depreendemos, referir-se ao fundamentalismo religioso islâmico/jihadista]; o que é errado, já que manifestações de fundamentalismo per se [político/religioso] podem estar presentes – e estão – em todas as culturas. inclusive a norte-americana e a francesa, no caso.

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    • João Cabral // 18/01/2015 às 2:01 am // Responder

      primeiro – podem ser factos mal explicados realmente, são hipoteses, mas questiona-los, tambem continuam a ser hipóteses. É a unica explicação que existe para já. ficar a espera de outra, seria, como Ziza diz, perder a força de acção do seu pensamento. Ächo que existe uma certa dificuldade nas pessoas, de perceber, o pensamento não tem de ser cientifico, provado em factos reais, ele tâmbem deve ser imaginado, especulado, intuido. que o pensamento de Zizek, não tem objectivo a ciência, ele não visa o conhecimento de algo concreto, tenta mais traçar um movimento, relaciona-se mais com filosofia. O que responde a segunda premissa. Ele procura explicar os atentados de Charlie Ebdo, não no que eles são de concreto, mas num movimento total, que já se desenrola no tempo.

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  8. Menelau Paparabos Antypas // 14/01/2015 às 10:20 am // Responder

    Eu simplificaria todo este conflito e um ato. ONU 1963 a criação do estado de Israel. Ato arbitrário e uni lateral baseado em uma fabula da Bíblia. É de interesse da mídia só analisar os efeitos e nunca a causa.

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  9. Maria Carmem Côrtes Magalhães // 14/01/2015 às 11:26 am // Responder

    O artigo de Zizek é muito esclarecedor para possíveis análises de nosso momento atual. Os 7 últimos parágrafos são ótimos. A ponderação sobre o nivel exacerbado de projeção psicológica oriental/ocidental e ocidental/oriental é perfeita. Um não quer ver em si o seu próprio espelho e nesse caso faz-se a guerra para continuar a falsidade de si mesmo, coletivamente falando…

    Obrigada,
    Maria Carmem

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  10. Ralfo b b penteado // 14/01/2015 às 3:12 pm // Responder

    Mais uma vez somos nós contra eles. Basta refletir quem somos nós e quem são eles. Versões de vários matizes de um mesmo erro, ou, até, um acerto (?) da natureza, hibridizado ou não e que não tem a qualidade de controlar suas emoções, principalmente pelo medo exacerbado. Outras permanecerão havendo. Donde estão as diferenças sadias ? E o planeta queima, anda, lentamente.

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  11. O ocidente os classifica de terrorista, eles se classificam de guerrilheiros do Estado Islâmico, que segundo eles o ocidente quer destruir..Segundo eles todas suas ações justificam-se na defesa do estado Islamico, etc, etc , etc. Mas o que me preocupa e mesmo me apavora e o depoimento de cientistas como do lingue abaixo https://www.youtube.com/watch?v=NStpPy2N4u4

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  12. Alem do mais o atentado ao Charlie promoveu um efeito mediático de “liberdade” da imprensa. O que a mídia explicitadamente considera como liberdade e: o poder de regular e manipular o social sem o menor risco de punição, porque desta maneira o quarto poder torna-se hegemônico.https://www.facebook.com/photo.php?fbid=651084911688037&set=a.249856218477577.58109.100003596027007&type=1&theater

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  13. Fico pensando Bolsonaro Papa francisco.( Como nos livrar disto ) ?.o vice disse que seus eleitores não tem o hábito de ler ;dão cem meréis e vão comer.Direita,esquerda fundamentalismo causuimos uma caricatura em uma nação de igualdade,fraterninade.e legalidade ; inexistimos. Pois é pra que ?.Sidney Muller.

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  14. Ceci Lohmann // 15/01/2015 às 10:51 am // Responder

    Estou surpresa com a qualidade desse blog, os debates,enfim um espaço extremamente enriquecedor…Tentarei compartilhar Parabens Ceci Lohmann

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  15. Precisaríamos de um pensamento associativo acelerado em meio à eferverscência do “agora”.

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  16. Como o texto é imenso, destaco: “As recentes vicissitudes do fundamentalismo muçulmano confirmam o velho insight benjaminiano de que “toda ascensão do fascismo evidencia uma revolução fracassada”: a ascensão do fascismo é a falência da esquerda, mas simultaneamente uma prova de que havia potencial revolucionário, descontentamento, que a esquerda não foi capaz de mobilizar.”

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  17. E, o insight sobre os complexos: “”O problema com fundamentalistas não é que consideramos eles inferiores a nós, mas sim que eles próprios secretamente se consideram inferiores. É por isso que nossas reafirmações politicamente corretas condescendentes de que não sentimos superioridade alguma perante a eles só os fazem mais furiosos, alimentando seu ressentimento. O problema não é a diferença cultural (seu empenho em preservar sua identidade), mas o fato inverso de que os fundamentalistas já são como nós, que eles secretamente já internalizaram nossas normas e se medem a partir delas.”

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  18. Republicou isso em Tropposfera Pluse comentado:
    Será que a esquerda radical vai conseguir erradicar o fundamentalismo islamo-fascista?

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  19. Eu acredito que seja uma questão de inveja. Ex: Sou religioso e sei que a alegria da pregação sobre o inferno está, na maioria da vezes, ligada na ideia de que as pessoas que fazem tudo que “querem” vão para o inferno! Então, pra mim não é novidade esse conceito, mas agora, muito bem esclarecido pelo zizek, compreendo melhor o potencial que essa inveja tem no islamismo fundamentalista.

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  20. Eu acho que esses atentados não ocorreram. Não sei porque inventaram esses atentados. Em mim esses “atentados” produziram um efeito catártico de justiça a qualquer preço contra crimes contra a humanidade dos franceses. Agora estou sentindo raiva de mim mesma por ter acreditado que esses atentados foram verdadeiros. Porra meu, não existe acontecimento real no capitalismo?

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  21. Essa é velha Ralfo Penteado, você está desatualizado. Você acaba de me dar a confirmação que eu queria. Os acontecimentos de 11 de setembro, os “atentados da França”, os “atentados de Bruxelas”, é tudo armação do capitalismo. Deus fará justiça, entrego nas mãos de Deus.

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