Simón Bolívar (Parte 2)

14.12.03_Izaías Almada_Bolivar II_Por Izaías Almada.

A história de Simón Bolívar, apesar de seu nascimento em família abastada, foi entremeada de pequenas e grandes tragédias pessoais, como a morte dos pais ainda cedo e uma viuvez aos 20 anos de idade.

Bolívar, que esteve casado por oito meses com Maria Tereza Rodríguez Del Toro, nasceu em 1783, na cidade de Caracas, e morreu em 1830, na Colômbia, pobre e solitário.

Ao lado de sua vida de lutas e batalhas para se libertar do jugo espanhol, há que se mencionar a intensidade de uma vida amorosa cheia de grandes paixões, na qual se destacará a figura de Manuela Saens (Manuelita), com quem viveu e combateu nos últimos oito anos de sua vida. Vale a pena reproduzir a carta póstuma de Manuelita a Bolívar escrita da sua fazenda em Paita, já ela também doente:

Simón: Meu amor, meu Simón triste e amargurado. Meus dias também estão aprisionados por uma insociável solidão, cheia da agradável nostalgia de seu nome. Também olho e retoco a cor dos seus retratos que são o testemunho de um momento aparentemente fugaz. As horas passam afoitas diante da inquietude ausente de seus olhos que já não estão comigo, mas que de algum modo seguem abertos, observando minha figura. Conheço o vento, conheço os caminhos para chegar ao meu Simón, porém sei que ainda assim não posso responder a essa dúvida de tristeza que derrama luz em seu rosto e, sua voz que já não é minha, já não me diz nada. — Manuela1

A dor pelo amante já ausente revela o profundo elo amoroso entre dois seres que se dispuseram a lutar pela liberdade de suas pátrias, tornando o mito mais próximo à realidade do sangue e do suor das batalhas, aos constantes ciúmes e brigas de amor, ao dia-a-dia dos conflitos humanos.

Na ficção literária, Bolívar imortalizou-se no romance de Gabriel García Márquez O General em seu Labirinto. Segundo o jornalista e escritor inglês Richard Gott, “o romance deu dimensão humana à convencional estátua de bronze”.2

Quando, na introdução do artigo fiz referências a preconceitos que os diferentes períodos históricos acabam, pelas circunstâncias em que se dão, engendrando diferentes pontos de vista e avaliações susceptíveis de novas interpretações, não me dava conta de que um caso que se tornou emblemático de tal situação encontra eco nos próprios escritos de Karl Marx sobre Bolívar e que aguçou a minha curiosidade.

Richard Gott, já citado, afirma que, “partindo dos escritos do próprio Marx, a maioria dos escritores marxistas via o Libertador como uma figura típica burguesa, cuja ação servia tão-somente aos interesses imperiais emergentes na época”.3

Em 1858, Marx, entre outras atividades, era colaborador do New York Daily Tribune. Um de seus textos para esse jornal, escrito a pedido do editor Charles Dana, tratava de Simón Bolívar como um homem a serviço dos interesses ingleses contra os espanhóis.4

Além disso, em carta ao seu parceiro Engels, nessa mesma época, faz referências nada elogiosas a Bolívar. A polêmica entre marxistas e não marxistas permanece, mas o fato é que as opiniões de Marx sobre Bolívar em nada alteram o significado do esforço deste em favor da libertação dos povos da Venezuela, Colômbia, Panamá, Equador e Peru, onde ganha ressonância, entre outras, a sua luta pela libertação dos escravos negros naquela região e no Caribe, em especial no Haiti.

E muito menos, no meu entender, dão guarida a dúvidas sobre o patriotismo de Bolívar e seu sincero amor pelos povos sul-americanos. A querela apenas comprova a importância de Bolívar para a América espanhola e sua mitificação encontra acolhida entre aqueles que, inspirados em sua ação, bem como na ação de Francisco de Miranda e Antonio Jose de Sucre, entre outros, se dispõem nos dias de hoje a lutar pela libertação de seus povos contra o imperialismo norte-americano.

O fato é que Bolívar, como outros libertadores da sua época, homem de muitas leituras e conhecimentos, agiu também sob o impulso e as ideias então recentes difundidas pela independência dos Estados Unidos da América em relação à Inglaterra (1776) e, principalmente, pela aceitação dos princípios de liberdade, igualdade e fraternidade, originários das teses dos filósofos iluministas e praticados nas ruas e esgotos de Paris (1789).

Fato semelhante de tal comportamento e dessa influência, aliás, vem a ocorrer no Brasil entre os sediciosos mineiros, nos meses que antecederam a Inconfidência. O estudante Álvares Maciel ofereceu a Tiradentes um exemplar da Constituição dos Estados Unidos da América, conseguido em Nîmes, cidade francesa, das mãos do então embaixador norte-americano naquele país, Thomas Jefferson, quando ali se reúne com estudantes brasileiros de Coimbra.

Acompanhado de seu mestre Simón Rodríguez e do amigo Fernando Toro, ainda com 22 anos de idade, Simón Bolívar profere em Roma o juramento que a história consagra, o juramento do Monte Sacro, na cidade de Roma, em 1805:

“Juro pelo Deus de meus pais e por eles; juro por minha honra e juro pela Pátria, que não darei descanso a meu braço nem repouso à minha alma, até que não se rompam as cadeias que nos oprimem, por vontade, o poder espanhol!”

Foram 25 anos de lutas e batalhas em mares e terra firme, com o uso da espada e da diplomacia. Quando em 9 de dezembro de 1824 o general Sucre vencia a batalha de Ayacucho, que na prática determinava a independência da América do Sul do domínio espanhol, era difícil prever que nos próximos seis anos Bolívar não conseguisse realizar o seu sonho de uma América livre e unida.

Em 1830, já após a separação de Peru e Equador, oficialmente também se separam Colômbia e Venezuela. Dois trágicos acontecimentos nesse mesmo ano enlutam a epopéia libertária: o assassinato, em 4 de junho, de Antonio Jose de Sucre, na selva de Berruecos, e a morte, aos 47 anos de idade, de Simón Bolívar.

Mas o Libertador de ontem viria ressuscitar com a nova leitura de suas ações e pensamentos na conspiração de Chávez e seus companheiros militares. Destituída de seu caráter de independência nacional apenas frente aos espanhóis, como foi consagrada nos compêndios oficiais da história da nova elite venezuelana do século 20, a luta de Bolívar é adaptada e ampliada para as necessidades libertárias do século 21, integrando-se ao ideário de uma revolução que junta o povo venezuelano às suas Forças Armadas e propõe para a América Latina a discussão de um novo projeto socialista para o futuro do continente e de toda a humanidade.

NOTAS

1 ANDRADE, Arturo, Cartas de Amor entre Bolívar y Manuelita. Editora Intermedio.

2. GOTT, Richard, À Sombra do Libertador. Editora Expressão Popular, São Paulo, 2004, pág. 136..

3. GOTT, Richard, obra citada, pág. 138.

4. “Simón Bolívar y Ponte”, Marx-Engels Internet Archive (domínio público).

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Izaías Almada, mineiro de Belo Horizonte, escritor, dramaturgo e roteirista, é autor de Teatro de Arena (Coleção Pauliceia da Boitempo) e dos romances A metade arrancada de mim, O medo por trás das janelas e Florão da América. Publicou ainda dois livros de contos, Memórias emotivas e O vidente da Rua 46. Como ator, trabalhou no Teatro de Arena entre 1965 e 1968. Colabora para o Blog da Boitempo quinzenalmente, às quintas-feiras.

2 comentários em Simón Bolívar (Parte 2)

  1. O TEXTO ÓTIMO PARA CONHECIMENTO DA HISTORIA.

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  2. Dirval Alvez Cruz // 12/04/2020 às 6:30 pm // Responder

    O fato ou evento histórico, mesmo como partícipe, nunca é dado a integralmente conhecer, o pouco que se apura completasse com o elemento ficcional, para o bem ou para o mal; todavia, não há negar, Simón Bolívar foi o maior nome da América, pena que apenas da espanhola, mas sem negar a grande importância, também em sua vida, da valente companheira e amada Manuela. Bom texto, porque sugestivo para a partir dele buscar conhecer a história.

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