Dois Brasis?

14.10.22_Emir Sader_Dois Brasis_

Detalhe da capa de “Os dois Brasis”, de Jacques Lambert (Col. Brasiliana n° 335, Companhia Editora Nacional, São Paulo, 5a. ed., 1969)

Por Emir Sader.

Era o titulo de um livro de muito apelo de um economista francês – Jacques Lambert. Era o resgate da modernidade do centro-sul e do sul contra o atraso e a miséria do nordeste. Era o Brasil europeu contra o Brasil africano.

Era uma foto, mas pretendia ser um diagnostico. A imigração nordestina para São Paulo era o resgate generoso da civilização em relação aos famintos, aos miseráveis, aos paus-de-arara.

A direita brasileira, ainda mais tendo São Paulo como sua cabeça, sempre agiu como se fosse a portadora da civilização contra a barbárie. Como uma espécie de Israel cercado de povos incultos, miseráveis, violentos, que se movem pelos instintos, enquanto eles personificariam a razão.

O futuro seria dado pela expansão do polo moderno, industrializado, urbanizado, que iria absorvendo, isolando, derrotando ao polo do atraso, do mundo rural, agrícola. A pujança de São Paulo e sua liderança nacional estaria dada por essa função dinamizadora e modernizadora do pais. “São Paulo é a cidade que mais cresce no mundo: 4 casas por hora.” “São Paulo não pode parar.” Esses lemas, correntes nos anos 1950, eram a atualização dos “ideais de 1932”. Da São Paulo vanguarda do Brasil, que trazia a modernidade do primeiro mundo para o terceiro.

Sabe-se no que deu essa São Paulo que construía 4 casas por hora: naquela que tem mil carros por dia entrando no trânsito, tornando a vida na cidade insustentável. Tornando São Paulo uma cidade desumana, desigual, cruel, que precisa, de forma urgente e prolongada, de políticas que a humanizem de novo.

Na campanha eleitoral atual, analistas levantam de novo a tese de que haveriam dois Brasis: um em torno da modernidade e do progresso, em torno da “rica” e “bem informada” São Paulo, o outro em torno da “atrasada”, pobre e “mal informada”, do nordeste. Se ganhar o primeiro Brasil, voltaríamos à integração subordinada ao centro do capitalismo, como periferia subordinada. Se continuasse a triunfar o segundo, continuaríamos a orbitar em torno do Sul do mundo e da América Latina.

O país estaria dividido, quem quer que ganhe. A diferença essencial é que se triunfar o candidato da elite paulista, promoveria um brutal processo de exclusão social como o Brasil nunca viu, porque com os governos do PT a massa pobre da população conquistou direitos que nunca tinha tido. Será necessário um gigantesco processo de exclusão social para despojá-la, pela força desses avanços. Seria a opressão de um dos Brasis sobre o outro. Seria o aprofundamento da fratura social que sempre caracterizou o nosso país.

Enquanto que o outro projeto vai na direção oposta, a da integração dos “dois Brasis”, pela diminuição das desigualdades sociais. Essa a grande disputa desta eleição: a continuidade do Brasil que integra contra o retorno do Brasil que desintegra.

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Eleições630p

Especial Eleições: Artigos, entrevistas, indicações de leitura e vídeos para aprofundar as questões levantadas em torno do debate eleitoral de 2014, no Blog da Boitempo. Colaborações de Slavoj Žižek, Mauro Iasi, Emir Sader, Carlos Eduardo Martins, Renato Janine Ribeiro, Edson Teles, Urariano Mota e Edson Teles, entre outros. Confira aqui.

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Emir Sader nasceu em São Paulo, em 1943. Formado em Filosofia pela Universidade de São Paulo, é cientista político e professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). É secretário-executivo do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (Clacso) e coordenador-geral do Laboratório de Políticas Públicas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). Coordena a coleção Pauliceia, publicada pela Boitempo, e organizou ao lado de Ivana Jinkings, Carlos Eduardo Martins e Rodrigo Nobile a Latinoamericana – enciclopédia contemporânea da América Latina e do Caribe (São Paulo, Boitempo, 2006), vencedora do 49º Prêmio Jabuti, na categoria Livro de não-ficção do ano. Colabora para o Blog da Boitempo quinzenalmente, às quartas.

2 comentários em Dois Brasis?

  1. Rafael Kraus // 23/10/2014 às 7:00 am // Responder

    Emir Sader, essa falsa divisão entre dois Brasis(mas aceito um número mais expressivo)é só mais uma redezinha barata que alguns neonazistúpidos doentios jogaram e que parte da mídia igualmente estúpida e imperialista aceitou confortavelmente assumir(o cálculo deve ser interessante). Admitamos, Emir, o Brasil ainda é ou muito pobre ou miserável para a maioria dos Brasis(inclusive o sul e o sudeste), e infelizmente o horizonte que se desenha não nos faz esperar uma redenção para o melhor dos mundos. É lógico que é indiscutível a relação PT-PSDB, é virtualmente impossível não se demonstrar os avanços e a superioridade petista em todos os campos e aspectos em que se possa pensar. Mas já não quero discutir isso, o que eu gostaria de lhe perguntar é o seguinte desafio: congresso mais conservador desde…, mídia enlouquecida e ainda mais depravada, despolitização escrachante, conjunturas internacionais mais do que instáveis e beirando sabe-se lá o que, e aí surge aquela perguntinha lá do fundo: não estamos na hora do PT definitivamente mostrar para o que veio(ou não mostrá-lo nunca!)e iniciar e aprofundar uma rede de decisões que provavelmente só poderiam ser implementadas através de uma série de golpes “democráticos”(vamos chamá-los assim, eu queria coisa muito maior)? Que tal pararmos de imaginar alguns passos mais largos e efetivamente saltarmos de uma vez por todas “e de uma vez só”? O PT já esteve com a bola da vez por três vezes, e agora lhe cabe por mais uma vez a honra. Ou é agora ou…você sabe…

    Saudações!

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  2. Emir,
    Com a devida licença, sobre o tal “protesto” que aécistas fizeram em São Paulo devo dizer o que segue: O que essa gente fez não pode ser denominado de protesto. Os derrotados nas urnas estão pregando a apologia à desordem, à anarquia e ao caos institucional. É criminosa a atitude dessa gente, pois estão atentando contra a democracia e o direito sagrado ao sufrágio – o resultado das urnas que expressa a vontade da maioria popular não pode ser revertido pelo ódio dos coxinhas ao PT, muito menos no grito e tampouco ao bel prazer de uma elite antidemocrática. O que essa gente fez em São Paulo só pode ser comparado ao que faz organizações criminosas como o PCC e Comando Vermelho.
    É crime de lesa-pátria o que esses meliantes fizeram em São Paulo, inclusive, pedindo para os militares tomar o poder. Cadê o Ministério Público, as autoridades competentes e os frouxos parlamentares do PT? Cadê o Zé – Ministro da Justiça?
    Não obstante, em qualquer democracia minimamente racional, educada e civilizada os propagadores do ódio estariam na cadeia, pois lá (nas democracias) existe e funciona: Ministério Público, Ministério da Justiça e parlamentares corajosos para defender o governo do qual pertencem.
    Outrossim, o candidato derrotado Aecioporto tem a obrigação de vir à público por meio do PIG e por meio do Senado repudiar a atitude fascista, grosseira, irracional, baixa e nefasta dos seus correligionários, haja vista, que o candidato derrotado, FHC, dentre outros tucanos disseminaram o ódio por todo o Brasil. Ademais, é uma excelente oportunidade para os derrotados nas urnas provarem que são democráticos.
    PS: Ué!!! O Cantor Lobão estava inflando a população à desordem, mas o mesmo não disse que iria embora no dia seguinte a eleição caso a Presidenta Dilma fosse reeleita?
    PS 2: Sabemos que tudo isso é obra e arte do PIG.
    PS 3: Mas, como fizemos nos 2 turnos das eleições, usaremos a internet para não aceitar mais esse atentado contra o Estado Democrático de Direito e contra o sufrágio universal.
    PS 4: Aqui em Brasília o ódio e o inconformismo dos tucanos contra a reeleição da Presidenta Dilma, fez um grupo de “democratas tucanos” agredir um cidadão e sua família, o crime cometido pela família: ter votado na Presidenta Dilma. A seguir o link que mostra o ódio e o inconformismo sem limites: https://www.facebook.com/bander.antonio/posts/833918429992869

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