As eleições presidenciais e os cenários da política brasileira
O segundo turno da política presidencial no Brasil coloca frente a frente dois projetos: o neoliberal, liderado pelo PSDB e representado na candidatura de Aécio Neves; e o de uma centro-esquerda, a la terceira via, que ensaia as bases de um capitalismo de Estado, liderado pelo PT e pela candidatura de Dilma Rousseff. Se o caráter extremamente disputado desta eleição sinaliza para um esgotamento da hegemonia do projeto petista, tal como ele aqui foi elaborado, uma eventual vitória de Aécio Neves representará uma drástica regressão nas conquistas alcançadas nos últimos anos, entre elas, a projeção que o Brasil alcançou no cenário internacional.
O esgotamento da hegemonia petista está vinculado à presença que o capital financeiro continua a exercer sobre o Estado brasileiro, comprometendo com juros e amortizações mais de 40% do orçamento público federal. Ainda que os governos Lula e Dilma tenham reduzido dramaticamente as taxas de juros reais na economia frente às do período de Fernando Henrique Cardoso, elas permanecem acima das taxas de crescimento do PIB, mantendo o pagamento de juros na faixa de 5% do PIB. Tal comprometimento limita os recursos investidos em saúde, educação, transporte e infraestrutura pública – um dos motivos dos protestos de junho de 2013, que reivindicavam qualidade nos serviços públicos e que derrubaram a popularidade da Presidenta Dilma da faixa dos 70% para a dos 30-40%. Assim, as pesquisas para as eleições presidenciais apontam que enquanto Dilma vence com folga na faixa de renda familiar de 1 até 2 salários mínimos, onde os programas de renda mínima, como o Bolsa Família, atuam com força, na faixa de 2 a 5 salários mínimos perde a liderança para Aécio por 54% a 46%.
Embalando a candidatura de Aécio Neves está uma pretensa ofensiva ideológica midiática da direita contra a corrupção que se aproveita da queda de popularidade de Dilma, para atribuí-la aos governos petistas, propondo difusamente uma nova política que Marina se propôs a representar e que lança desconfiança aos partidos políticos tradicionais, pretendendo estabelecer uma reforma que viabilize candidaturas avulsas e independentes. O apoio de Marina a Aécio no segundo turno, candidato cuja carreira precoce associou-se aos laços familiares com velhos políticos tradicionais, enfatiza o caráter altamente retórico desta proposição. A ofensiva ideológica da direita conta com pouquíssima sustentação empírica, se compararmos as práticas políticas do PT com as dos partidos de direita. Ilustrativo a este respeito é o ranking de corrupção comprovada fornecido pelo MCCE, onde o PT ocupa a 9ª posição com 2,9% dos políticos cassados, enquanto o DEM e o PSDB ocupam a 1ª e 3ª posição, respectivamente, com 20,4% e 17,1% das cassações.
Dois caminhos para a direita
Uma eventual vitória de Aécio Neves colocaria duas possibilidades de projeto de governo para a direita neoliberal. A primeira e mais provável, uma versão de governo similar ao de Fernando Henrique Cardoso. Se deslancharia uma nova onda de privatizações cujo alvo principal é a Petrobrás. Durante a gestão de FHC se vendeu 30,7% das ações da empresa na bolsa de Nova York e 8% estão nas mãos de investidores estrangeiros no Brasil, o que leva a empresa remeter 40 % dos seus lucros para o exterior. Hoje a União possui apenas 55% do capital votante da Petrobrás. A perda do controle acionário da União implicaria a transferência ao exterior com fortes repercussões sobre o Pré-Sal, cuja alienação se completaria com o cancelamento do modelo de partilha, através do qual o Estado brasileiro exerce controle majoritário sobre as decisões de investimento. A onda de privatizações poderia se desdobrar dos bancos estaduais (privatizados na gestão de FHC) para os federais, e se reduziria drasticamente o papel do credito público através do BNDES. Estabelecer-se-ia uma política monetária de elevação das taxas de juros com fortes pressões fiscais, que implicariam na contenção salarial do funcionalismo público, das aposentadorias, do valor do salário mínimo e dos programas sociais. No plano da política externa se praticaria o alinhamento aos Estados Unidos, desmontando-se a política em bloco do Mercosul, principalmente com a entrada da Venezuela, baixando-se o perfil da UNASUL e dos BRICS. Os efeitos sobre o tabuleiro político da região seriam notórios, particularmente sobre a Venezuela que enfrenta grave situação de crise cambial e encontra no Brasil um aliado com poderosas reservas internacionais, respaldadas pela arquitetura financeira de um BRICS em construção. A aplicação deste receituário de políticas públicas provocaria uma forte explosão social no país, de impactos imprevisíveis.
Outra possibilidade para a direita, que é improvável – pelo perfil dos integrantes de uma futura equipe de um governo Aécio Neves, fortemente ligados ao rentismo (como Armínio Fraga) –, mas teoricamente possível, é uma política de redução das taxas de juros que se combine às demais anteriormente apresentadas. Da mesma forma que o PT usou a sua presença junto aos movimentos sociais para conter suas reivindicações, o PSDB poderia utilizar sua presença junto ao empresariado para fazer o mesmo, limitando o rentismo em troca de privatizações e da entrega da soberania brasileira sobre recursos estratégicos, em particular o Pré-sal. Neste caso, poder-se-ia manter os recursos para os programas sociais e até ampliá-los, colocando em risco a base política conquistada pelo PT entre os segmentos de 1 a 2 salários mínimos, que poderiam fluir para o PSDB, trazendo novamente o Nordeste para a direita. Tal cenário seria extremamente negativo para as esquerdas, que isoladas socialmente, ofereceriam pouca resistência à entrega de empresas e reservas estratégicas da economia brasileira. O Brasil se converteria num polo de atração conservadora na América do Sul, desestabilizando o equilíbrio de forças na região e isolando as experiências de capitalismo de Estado de base popular que prosperam em nosso continente.
Dois caminhos para a esquerda
Para o PT, a vitória de Dilma colocaria dois cenários. Caso se mantenham as políticas públicas vigentes, o cenário provável é de desgaste crescente, abrindo o espaço para a crise de governabilidade com a eleição de um congresso conservador e com o desprendimento de parte da base aliada, o que pode se aprofundar durante o mandato. Outra possibilidade é que o PT rompa com a hegemonia do capital financeiro sobre o Estado, baixando significativamente as taxas de juros reais, para um patamar inferior ao crescimento da economia. Tal alternativa permitiria ao governo Dilma impulsionar políticas sociais estruturais, elevando os investimentos em saúde e educação, transporte e infraestrutura, permitindo-lhe recuperar o apoio perdido nos segmentos de renda familiar de 2 a 5 salários mínimos e mesmo nos de 5 a 10 salários mínimos. Tal iniciativa permitiria retomar o dinamismo da economia em parte bloqueado pelos limites que a superexploração do trabalho – que constitui ainda a base da economia brasileira – coloca para o processo redistributivo. Ao reduzir o peso dos juros sobre os investimentos produtivos se poderia retomar um ciclo de acumulação com resultados políticos promissores a médio prazo, viabilizando uma forte elevação do nível de organização dos trabalhadores brasileiros.
Para fazer frente à hegemonia petista, a esquerda brasileira terá antes que superar seu enorme grau de atomismo, unificando candidaturas em torno de programas, mais que em torno de partidos, e fazer políticas defensivas anti-neoliberais, quando da impossibilidade de implementar uma agenda ofensiva. Do contrário continuará encastelada fora da história e da agenda de nosso povo
Nos próximos dias saberemos quais alternativas estão à frente no Brasil nos próximos anos.
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Especial Eleições: Artigos, entrevistas, indicações de leitura e vídeos para aprofundar as questões levantadas em torno do debate eleitoral de 2014, no Blog da Boitempo. Colaborações de Slavoj Žižek, Mauro Iasi, Emir Sader, Michael Löwy, Renato Janine Ribeiro, Edson Teles, Urariano Mota e Edson Teles, entre outros. Confira aqui.
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Carlos Eduardo Martins é doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), professor adjunto e chefe do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), coordenador do Laboratório de Estudos sobre Hegemonia e Contra-Hegemonia (LEHC/UFRJ), coordenador do Grupo de Integração e União Sul-Americana do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (Clacso) e pesquisador da Cátedra e Rede Unesco/UNU de Economia Global e Desenvolvimento Sustentável (Reggen). É autor de Globalização, dependência e neoliberalismo na América Latina (2011) e um dos coordenadores da Latinoamericana: Enciclopédia contemporânea da América Latina e do Caribe (Prêmio Jabuti de Livro do Ano de Não Ficção em 2007) e co-organizador de A América Latina e os desafios da globalização (2009), ambos publicados pela Boitempo. É colaborador do Blog da Boitempo quinzenalmente, às segundas.
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