A proposta tucana de redução da maioridade penal

A imprensa divulga que o candidato tucano continua com a proposta de redução da maioridade penal. Ele não a retira nem muda porque, em primeiro lugar, a criminalização de jovens agrada à população intoxicada pelos apresentadores da tevê. Em segundo, porque um tema tão “secundário”, tão micro para o Brasil, nem foi considerado no apoio da ex-candidata do PSB.

Chega a ser irônico. No mesmo domingo em que se comemorava o Dia da Crianças, a ex Marina Silva renegava um ponto de humanidade para abraçar o justiceiro contra menores infratores. Lembro que o ano passado, quando os clamores de vingança mais subiam na mídia, surgiu uma pesquisa do Datafolha sobre a redução da maioridade penal. Por que fenômenos tão diferentes no tempo se avizinham? Um calendário não se explica em si mesmo. Naquela pesquisa soubemos que 93% dos moradores da cidade de São Paulo queriam a prisão para menores a partir de 16 anos. Noventa e três por cento são quase uma unanimidade. Daí a sua inclusão no programa do candidato esperto, cujos princípios são o marketing.

O que é isso? Por experiência, acredito que a pesquisa espelhava um dado real. Em um programa de direitos humanos no rádio, o “Violência Zero”, travamos com travo esse conhecimento. No estúdio da Rádio Tamandaré, no fim dos anos 80, sentíamos a disputa de ideias na sociedade do Recife entre punir sem medida e o direito à justiça. Mas não com esses números. Ainda que sem método científico, pelos telefonemas dos ouvintes, notávamos que a divisão entre os mais bárbaros e civilizados era quase meio a meio. O que houve agora para esse assalto de vingança, com sua inclusão em programa presidencial? Segundo o Datafolha, a pesquisa havia sido a maior aprovação à proposta de redução penal. Em 2003 e 2006, o apoio foi de 83% e 88%.

É claro que a pesquisa espelhava um instante de abalo emocional na população. Ela veio depois do assassinato do universitário Victor Hugo Deppman. O suspeito pelo crime era um jovem que estava a três dias de fazer 18 anos. Isso foi repetido à náusea. No tempo anterior do “Violência Zero” no rádio, não sofríamos o massacre de imagens repetidas na televisão. Melhor dizendo, sofríamos, mas a doutrinação não atingia os noticiários mais “educados”, como o Jornal Nacional, Jornal da Band e outros. Antes, as insinuações do “só vai matando” ficavam restritas aos guetos dos programas policiais no rádio. No entanto, consideremos.

Ainda que sintamos a batalha perdida diante do clamor, é um dever de consciência não seguir a onda do marketing e do momento. Está certo, é justo, criminosos têm que ser punidos. Se possível, com algo exemplar que iniba e reprima o crime. Mas para a maioridade penal que deveria cair, levanto algumas perguntas:

Qual seria o limite da redução? 12 anos, 11 anos, 10,9, 8, 7 anos? Bebês? Qual o limite? Sintam que a cada redução devem ocorrer novos crimes que estarão no limite da punibilidade. Mais: com o necessário aumento da população carcerária, que já é um inferno e um fracasso do sistema, não estaríamos dando ótimas escolas do crime aos meninos?

Já imagino que os reformadores do Código Penal podem argumentar que teríamos alas de criminosos de 16, outra de 15, mais outra de 14, até atingir um berçário, digamos, mas tudo dentro das mais perfeitas condições de higiene e cura da perversão. Diante do crime que ameaça e atinge a própria casa, já existe quem declare pérolas do gênero “sou de opinião que não deveria haver nenhuma idade mínima na lei”. Salve, daí partiremos fácil fácil para a pena de morte aplicada aos diabinhos que ainda mamam.

Enquanto isso, não vemos ou fingimos não ver a exclusão social e humana que cobre as cidades. Comemos, bebemos, nos vestimos, vamos aos shoppings sem olhar para os lados. E depois nos surpreendemos o quanto o mundo pode ser cruel quando atinge a estabilidade – porque nos julgamos estáveis em chão sólido -, ou a estabilidade sagrada – por tudo quanto mais é santo e elevado acima da animalidade dos outros, que não somos nós mesmos – a estabilidade sagrada dos nossos lares – pois somos aqueles que temos casa, enquanto os outros, ah, eles dormem na rua, que casa podem ter? Seria até uma questão de justiça, nós, os verdadeiros humanos, devemos destruir e tirar dos olhos a mancha da escória.

Lembro que uma vez perguntei a idade a um menino que cheirava cola nas ruas do Recife. “Onze anos”, ele me respondeu. E eu, com minhas exatidões burras de classe média: “Vai fazer, ou já fez?”. Silêncio. Eu insisti, acreditando que não havia entendido a minha pergunta: “Você faz anos em que mês?”. Então ele me ensinou, antes de correr até a esquina:

– Tio, eu não tenho aniversário.

Todos não notamos que vem dessa exclusão o alimento e sangue para o horror. Enquanto fazemos de conta que nada temos a ver com isso, crescem os comentários com que termino aqui, no tempo de Dia das Crianças e proposta de redução da maioridade penal: se os Direitos Humanos criarem caso, prendam, arrebentem ou mandem para fora do Brasil os amigos dos bandidos! Temos que punir duramente quem mata, sequestra, seja quem for. Esses degenerados, com a idade de treze anos, já sabem muito bem o que estão fazendo. Se não melhorarem com novas leis e proposta tucana, que venha a pena de morte. Na lei.

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Urariano Mota é natural de Água Fria, subúrbio da zona norte do Recife. Escritor e jornalista, publicou contos em Movimento, Opinião, Escrita, Ficção e outros periódicos de oposição à ditadura. É colunista do Vermelho. As revistas Carta Capital, Fórum e Continente também já veicularam seus textos. Autor de Soledad no Recife (Boitempo, 2009) sobre a passagem da militante paraguaia Soledad Barret pelo Recife, em 1973, de O filho renegado de Deus (Bertrand Brasil, 2013), uma narração cruel e terna de certa Maria, vítima da opressão cultural e de classes no Brasil, e do Dicionário Amoroso do Recife (Casarão do Verbo, 2014). Colabora para o Blog da Boitempo quinzenalmente, às terças.

1 comentário em A proposta tucana de redução da maioridade penal

  1. Eramir Soares Coelho // 17/10/2014 às 7:59 pm // Responder

    O articulista poderia expressar-se de forma menos rebuscadas. Não estamos em um simpósio e a platéia não é de acadêmicos, e estamos em 2014.

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