Eleições 2014: roteiro de leitura da Boitempo

14.09.29_democracia e eleições brasileiras_roteiro de leituras da boitempo

Faltando duas semanas para as eleições de 2014, a Boitempo apresenta uma lista de 15 leituras para aprofundar algumas das questões – e, quem sabe, formular novas – deste debate eleitoral. Mais do que qualificar a escolha do voto (ou de sua ausência), que este ano elegerá presidente, governadores, senadores, deputados federais, estaduais ou distritais (no caso do DF), o período eleitoral também fornece sismógrafos sociais importantes para compreender o Brasil contemporâneo de forma mais ampla. Esta lista faz parte do Especial Eleições 2014, que conta com artigos, manifestos, vídeos e entrevistas de nossos colunistas.

1. O primeiro livro é da fornada nova da Boitempo, e chega às livrarias ainda este mês: Sem maquiagem: um milhão de revendedoras de cosméticos, de Ludmila Costhek Abílio
A ascensão de Marina Silva nas pesquisas eleitorais levantou bastante a figura de Guilherme Leal, um dos principais financiadores da sua campanha, candidato a vice-presidente de Marina nas eleições de 2010 e importante acionista da Natura. Talvez o nexo mais candente entre os dois, no entanto, se dê no âmbito da flexibilização do trabalho, cuja aprofundação legal está prevista no programa de governo da candidata do PSB, e que as indústrias brasileiras de cosméticos elevaram a um novo patamar global. Investigando a utilização do trabalho informal de 1,1 milhão revendedoras, este livro fornece uma das mais inovadoras reflexões sobre como “se maquia” o mundo do trabalho hoje, e mostra como “o que parece ‘perfumaria’ na realidade são evidências dos desafios políticos dos trabalhadores e da teoria em face das constituições contemporâneas da exploração.” Fruto de estudo orientado por Paulo Arantes, o livro integra a coleção Mundo do Trabalho, coordenada por Ricardo Antunes, na Boitempo.

2. Outro lançamento deste mês é O ódio à democracia, de Jacques Rancière
Em tempos de ascensão conservadora e crescente sentimento anti-político, Rancière sustenta que a democracia não é um Estado acabado, nem um estado acabado das coisas; que ela vive constante e conflitiva expansão; que não se reduz ao desenho das instituições, ou à governabilidade, ou ao jogo dos partidos, mas é algo que vem de baixo, desdenhado desde os gregos como o empenho insolente dos pobres em invadir o espaço que era de seus melhores, de seus superiores. Este irreverente ensaio faz um giro pela história da crítica à democracia para situá-la no cerne político do momento atual, procurando esclarecer o que há de novo e revelador no sentimento antidemocrático.

3. O mito da grande classe média, de Marcio Pochmann
Depois de seu aclamado Nova classe média?, livro que reconfigurou o debate contemporâneo sobre a mudança na estratificação social brasileira, Pochmann retraça a gênese da classe média assalariada brasileira desde a industrialização iniciada com JK, até os dias de hoje. Atento sobretudo à dimensão ideológica da absorção da nomenclatura em regime político e econômico neoliberal, o livro é leitura obrigatória para compreender a história e os rumos das classes sociais brasileiras. Fartamente embasado em dados, trata-se de um “livro de análise contra o senso comum, uma obra de combate político”, nas palavras de Marilena Chaui, no prefácio.

4. 10 anos de governos pós-neoliberais no Brasil: Lula e Dilma, organizado por Emir Sader
Em um momento chave de reavaliação dos dois mandatos do Partido dos Trabalhadores no Governo Federal, não poderia faltar este balanço interno feito por intelectuais militantes do PT, como Marilena Chaui, Luiz Gonzaga Belluzzo, Marcio Pochmann, Venício A. de Lima, dos avanços, desafios e impasses nas diversas áreas da política federal. A versão eletrônica do livro está disponível para download gratuito aqui.

5. Crítica à razão dualista / O ornitorrinco, de Francisco de Oliveira
Sempre atual, este clássico de interpretação do Brasil demonstra a perversa dialética pela qual convivem o moderno e o arcaico na sociedade brasileira. Nesta edição, a obra clássica de 1973 vem acrescida do ensaio “O ornitorrinco”, de 2003, que atualiza o diagnóstico dos impasses do desenvolvimento brasileiro e a deriva desse percurso truncado, desembocando no aparente paradoxo de que o governo de Lula teria realizado o programa de FHC, radicalizando-o.

6. Hegemonia às avessas: economia, política e cultura na era da servidão financeira, de Francisco de Oliveira, Ruy Braga e Cibele Rizek (orgs.)
Uma análise detida do “enigma lulista”, o curioso fenômeno em que, virando Gramsci de ponta cabeça, parte “dos de baixo” dirige o Estado por intermédio do programa “dos de cima”. Atualizando o diagnóstico de interpretação do Brasil, Francisco de Oliveira vê nisso a realização da “direção moral” da sociedade brasileira alçada na resistência à ditadura com a funcionalização da desigualdade em questão administrativa, por um lado, e por outro a despolitização da classe trabalhadora.

7. A política do precariado: do populismo à hegemonia lulista, de Ruy Braga
Em um trabalho de intensa acumulação crítica, Ruy Braga trabalha de perto com as análises de Francisco de Oliveira, André Singer e Jessé Souza, entre outros, sobre a era Lula, na tarefa de decifrar a relação entre o proletariado precarizado e a hegemonia lulista. Escrito pouco antes das manifestações de junho de 2013, esta leitura inovadora da história social do Brasil já apontava para o fato de a hegemonia lulista encontrar-se assentada em um terreno historicamente movediço.

8. Cidades rebeldes: Passe Livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil
Em um debate eleitoral marcado pela disputa da narrativa das ditas “jornadas de junho”, em que todo candidato parece tomar para si a “voz das ruas”, vale a pena voltar-se para o livro de intervenção, publicado em agosto de 2013, na aurora das manifestações. As 18 análises deste livro recolocam as contradições e reflexões em torno do movimento, em um momento em que “junho de 2013” parece ter se transformado hoje em chavão midiático. 

9. Brasil em jogo: o que fica da Copa e das Olimpíadas?
O legado dos megaeventos esportivos, aposta do governo Lula e desafio para os governos subsequentes, são um ponto chave do debate sobre políticas públicas e capitalismo contemporâneo. Os 11 artigos que compõem a coletânea abrangem o espectro da esquerda dos movimentos sociais à política institucional e enfocam os megaeventos em sentido amplo como intervenções urbanas, políticas, midiáticas, institucionais e culturais. Nas palavras de Juca Kfouri, “ter um olhar crítico sobre os megaeventos no Brasil não é patriótico, nem antipatriótico. É apenas o necessário olhar crítico.”

10. Violência, de Slavoj Žižek
O refluxo midiático das manifestações de ruas deflagradas em 2013 viu surgir na opinião pública um enorme consenso em torno da violência – principalmente com a entrada em cena da figura dos black blocs. Sublinhando a própria distinção entre violência e paz como ideologia, o filósofo esloveno oferece “reflexões laterais” sobre o fenômeno moderno da violência, entre as explosões contraditórias das ruas e a opressão silenciosa (mas não menos truculenta) de nosso sistema político e econômico.

11. O novo tempo do mundo, de Paulo Arantes
No livro mais ambicioso de um dos provocadores mais incômodos de nossa esquerda, Paulo Arantes desenha o mapa possível de nosso tempo: uma era de perpétua emergência, em que esquerda e direita confluem na gestão de programas de urgência. A análise diagnostica o colapso da modernidade da gênese do capitalismo no encontro com o novo mundo às ruas contraditórias de Junho.

12. Estado e forma política, de Alysson Leandro Mascaro
Considerada uma das mais avançadas reflexões sobre o Estado produzida no Brasil, o livro modifica o estudo da teoria do Estado e da ciência política e é, nas palavras de Slavoj Žižek, “simplesmente a obra mais importante do pensamento político marxista nas últimas décadas”. Um manual da teoria do Estado e do direito em regime capitalista, que não hesita em compreender a forma política como derivação da forma mercadoria.

13. A corrupção da opinião pública, de Ana Paola Amorim e Juarez Guimarães
Com o debate político cada vez mais pautado pela grande mídia, este livro desbravador desmancha didaticamente a identificação entre liberdade de imprensa e liberdade de expressão. Os autores desmascaram a verdadeira corrupção da opinião pública na tão evitada regulação econômica da mídia e demonstram como, sempre posta em simples e exclusiva oposição à censura estatal, a liberdade de expressão aparece como um fim em si mesmo e, nesse processo de autonomização, se esvazia de seu conteúdo democrático.

14. Bazar da dívida externa brasileira, de Rabah Benakouche
Analisando a implementação da política de endividamento que fez parte constitutiva da história do país no período 1947-2007, o livro demonstra por que a dívida externa brasileira acabou sendo também um grande negócio. Seu fim, em fevereiro de 2008, foi um fato histórico inédito e a análise histórica e econômica de Benakouche é pioneira em desvendar os sentidos e os significados das redes de conexão entre juros, spread, prazos, interesses, estratégias, decisões… e decisores.

15. O que resta da ditadura: a exceção brasileira, Vladimir Safatle e Edson Teles (orgs.)
As eleições de 2014 marcam 50 anos do golpe que instaurou a ditadura militar no Brasil, bem como o final de um mandato de uma ex-guerrilheira e a entrega do relatório final da Comissão Nacional da Verdade. Em uma série de artigos, o livro esquadrinha a violência legada pelo regime militar na estrutura jurídica, nas práticas políticas, na literatura, na instituições e, principalmente, na cultura de esquecimento e negação. Dando sequência aos estudos, a coletânea
Ditadura: o que resta da transição, organizada por Milton Pinheiro, foca menos no problema da impunidade e mais na questão da centralidade do caráter de classe da ditadura militar para compreender suas origens e seu legado.

16. Dois futuros lançamentos, de lambuja: A montanha que devemos conquistar: reflexões sobre o Estado, de István Mészáros, e a nova Margem Esquerda
Vem aí, ainda esse ano, o novo livro do filósofo húngaro István Mészáros, uma reflexão fundamental sobre os desafios do marxismo perante a questão do Estado
. A próxima edição da revista semestral da Boitempo conta com um dossiê temático sobre o desenvolvimentismo no Brasil, ontem e hoje, com artigos especiais de Bresser Pereira, Luiz Filgueiras, Marcio Pochmann e Rodrigo Castelo.

Tem algum outro livro da Boitempo que você gostaria de ver nesta lista? Compartilhe suas leituras para estas eleições no espaço dedicado aos comentários, logo abaixo, e confira outras sugestões de livros para este período eleitoral aqui.

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Especial Eleições: Artigos, entrevistas, indicações de leitura e vídeos para aprofundar as questões levantadas em torno do debate eleitoral de 2014. Colaborações de Slavoj Žižek, Mauro Iasi, Emir Sader, Carlos Eduardo Martins, Renato Janine Ribeiro, Edson Teles, Urariano Mota e Edson Teles, entre outros. Confira aqui.

1 comentário em Eleições 2014: roteiro de leitura da Boitempo

  1. Rafael Tubone Magdaleno // 21/10/2014 às 7:05 pm // Responder

    Estudo atualmente na Universite de Paris X, onde se doutorou Paulo Arantes. Gostaria de sugerir a tradução de dois livros, prontificando-me caso haja interesse. “Elections:piège à cons” de Jean Salem e “Theorie de la Violence”, do falecido Labica. Além do texto de Badiou “La relation Enigmatique entre philosophie e politique”. Um forte abraço!

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