Eduardo Campos: Homenagem a Gregório Bezerra
Desde muito cedo participei de grandes e inesquecíveis lições de História Contemporânea.
Muito cedo, ainda adolescente, tive a honra de conviver com alguns personagens da História do Brasil neste século e deles tirar lições de vida que sempre carregarei como patrimônio ético e moral para guiar minhas atitudes, na vida pública ou na vida privada.
Alguns desses personagens estão vivos e fazem história enfrentando as adversidades. Outros já se foram e deixaram um imenso legado de patriotismo e de decência. Poderia falar de muitos que dedicaram boa parte de suas vidas para fazer do Brasil um País mais justo.
Poderia falar de outros tantos que deram a suas existências um sentido humanitário e se fizeram símbolos da luta por justiça social. Há, ainda, exemplos de figuras notáveis, homens e mulheres que vi lado a lado lutando contra a opressão e na defesa dos excluídos.
Mas venho, hoje, para falar de um só desses personagens, uma figura de primeiro plano de nossa História que conseguiu fazer de sua existência uma síntese de todas as lutas libertárias de seu tempo, um modelo de todos os compromissos com o País e seu povo.
Um homem de uma coragem pessoal que inspirou muitos e o tornou um ícone para os que hesitam e temem.
Um homem de uma dedicação patriótica somente igual a todos os patriotas do passado e do presente nesta nossa sofrida terra.
Venho falar de um dos poucos heróis populares da História do Brasil, ele também um excluído, que ocupou uma cadeira nesta Casa e aqui em pouco tempo deixou gravado seu compromisso com as convicções ideológicas de que foi vítima nas prisões, nas torturas e até na cassação de seu mandato, um dos episódios sombrios da história do Parlamento brasileiro.
Este homem se chamava Gregório Bezerra, deputado constituinte em 1946, líder
popular, comunista, revolucionário por toda vida adulta.
(…)
Passado dos oitenta anos, quando a maioria das pessoas sente o peso da idade e se recolhe, Gregório foi às ruas, percorreu o Estado de Pernambuco, defendeu a Frente Popular, e com tanta ênfase procurou mostrar a importância da redemocratização que pouco fez por sua própria candidatura, com o que pretendia voltar a esta Casa, de onde saiu cassado por delito de convicção política.
Muito certamente Gregório Bezerra deve ter sentido a amargura de uma derrota eleitoral, mas em nenhum momento recuou de suas crenças e passou até os seus últimos instantes dando lições de vida, defendendo o que considerava ser o melhor caminho para a classe trabalhadora brasileira.
A história desse homem é um modelo de coragem que somente um poeta poderia sintetizar. Em versos de cordel, no ritmo simples dos repentistas nordestinos, disse o grande Ferreira Gullar:
Mas existe nesta terra muito homem de valor
que é bravo sem matar gente
mas não teme matador,
que gosta de sua gente
e que luta a seu favor, como Gregório Bezerra,
feito de ferro e de flor.
Em torno desse homem feito de ferro e de flor está sendo programado um seminário no Recife, para lembrar seu centenário em março de 2000. Serão discutidas questões como a reforma agrária, a luta pela terra, o socialismo, temas preferenciais de Gregório defendidos em cada momento de sua existência.
O centenário de Gregório nos lembra que tudo ainda está por fazer. Que sua memória pese sobre todos os que estão vivos e acreditam que é preciso construir um país mais justo.
* Trechos do pronunciamento de Eduardo Campos, então deputado federal por Pernambuco na Câmara dos Deputados em Brasília, em 1999. O texto foi incluso, com autorização de Campos, no livro Memórias, de Gregório Bezerra, junto com textos e depoimentos de Florestan Fernandes, Ferreira Gullar, Jorge Amado e Oscar Niemeyer, entre outros.
O Campos merece uma homenagem. Fazer algum comentário seria honesto e corajoso. Obrigado
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