O mundo e nós
Por Emir Sader.
A politica internacional sempre foi o patinho feio da mídia. Na única vez em que eu estive com Otavio Frias Filho, eu lhe perguntei por que os jornais tem uma editoria internacional tão ruim. Ele me respondeu de que era porque os leitores não a demandavam.
Óbvio: fazem uma editoria totalmente desinteressante, e não recebem demandas em troca. Eu lhe comentei que naquela semana havia saído uma matéria muito interessante no jornal que ele dirige – de que os militares norte-americanos inflacionavam os danos que supostamente impunham aos adversários nas guerras, para obter mais recursos para seguir a guerra –, mas ele mesmo não a havia lido.
Mas ao mesmo tempo em que bloqueiam a socialização de uma boa informação internacional, os próprios jornais usam exemplos da experiência de outros países, de forma discricionária, para apoiar suas teses nos debates nacionais. Tais como dizer que a China e a Coreia do Sul seriam exemplos de economias de mercado. Ou de que o México seria um bom exemplo para o Brasil.
Mas as posições políticas internacionais ou o silencio sobre elas é altamente significativo das posições que mantém dentro do próprio país. O silencio diante de Gaza significa um apoio a Israel e à politica dos EUA no Oriente Médio. O apoio aos fundos abutre contra o governo argentino reflete uma reiteração das posições do FMI, que tanto dano já causaram ao Brasil e à toda a América Latina.
A direita tem muita dificuldade de encarar a política externa brasileira. Os princípios adotados pelo governo supostamente os leva a considerar que o Brasil estaria a caminho de uma situação desastrosa no plano internacional. Privilegiar a relação com países latino-americanos e do Sul do mundo, em detrimento da histórica relação de subordinação aos países do centro do capitalismo, seria um suicídio, na visão da direita.
No entanto é essa politica, soberana, que tem projetado o Brasil como um agente importante em escala mundial, ao contrario da sua desaparição durante o governo FHC. Este acreditava que aparecer junto com presidentes como Bill Clinton e Tony Blair daria projeção a ele e ao país. Mas o que se deu foi o contrario, porque essa política era de desaparição da imagem do país no mundo e de apologia dos EUA e da Europa.
A crise iniciada em 2008 foi ainda mais reveladora de como a situação no mundo é termômetro das forças politicas nacionais. Diante de crises lá fora, a direita costumava somar-se às politicas de austeridade, soprando a favor do vento e levando o país a profundas e prolongadas recessões.
O governo Lula atuou contra a crise, para indignação da mídia neoliberal. Intensificou as politicas sociais, fortaleceu os bancos públicos, retomou o papel do Estado como indutor do crescimento econômico. O resultado foi que, pela primeira vez, nós – e os outros países latino-americanos que agiram nessa mesma direção – resistimos à crise, enquanto os próprios países onde essa crise se gerou, no centro do sistema, seguem em recessão.
Estranho que uma política progressista como a internacional dos governos do PT não receba o apoio das posições de ultra esquerda. Que, aliás, nem têm política internacional, não levam em contra os avanços fundamentais na América Latina, dos quais o Brasil faz parte em aliança com a Argentina, o Uruguai, a Venezuela, o Equador, a Bolívia e Cuba. Se fizessem, teriam que reconhecer o papel progressista do governo brasileiro, posição a que resistem e que é um dos fatores que levam ao isolamento e à derrota dessas forças.
As análises internacionais são parte integrante dos programas políticos das forças que atuam no Brasil, até quando sobre ela se silencia.
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Para uma avaliação interna da política externa promovia pelo governo do PT, recomendamos a leitura do texto “Dez anos de política externa”, de Marco Aurélio Garcia, escrito para o volume 10 anos de governos pós-neoliberais no Brasil: Lula e Dilma, organizado por Emir Sader.
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As armas da crítica: antologia do pensamento de esquerda (os clássicos: Marx, Engels, Lenin, Trotski, Rosa Luxemburgo e Gramsci), organizado por Emir Sader e Ivana Jinkings, já está disponível por apenas R$18 na Gato Sabido, Livraria da Travessa, iba e muitas outras!
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Emir Sader nasceu em São Paulo, em 1943. Formado em Filosofia pela Universidade de São Paulo, é cientista político e professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). É secretário-executivo do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (Clacso) e coordenador-geral do Laboratório de Políticas Públicas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). Coordena a coleção Pauliceia, publicada pela Boitempo, e organizou ao lado de Ivana Jinkings, Carlos Eduardo Martins e Rodrigo Nobile a Latinoamericana – enciclopédia contemporânea da América Latina e do Caribe (São Paulo, Boitempo, 2006), vencedora do 49º Prêmio Jabuti, na categoria Livro de não-ficção do ano. Colabora para o Blog da Boitempo quinzenalmente, às quartas.
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