Esquerda padrão Fifa
[12 de junho: conflito entre manifestantes e o choque em Copacabana, Rio de Janeiro, próximidades da FIFA Fan Fest. A foto é de Yasuyoshi Chiba/AFP/Getty Images]
Por Vladimir Safatle.*
Aqueles dispostos a permanecer de esquerda e defender o governo federal deveriam pensar melhor sua maneira de compreender as críticas feitas à Copa do Mundo. A tentativa de desqualificar toda crítica a partir do clássico sintagma “você está fazendo o jogo da direita” deveria ser motivo de vergonha. Tal argumentação estratégica só aparece quando não é mais possível utilizar raciocínios realmente programáticos.
Muitas das críticas mostraram com clareza como tais grandes eventos esportivos são um presente envenenado por potencializar um modelo de desenvolvimento excludente. Remoções brutais de populações, estádios construídos em condições deploráveis de trabalho, cidades atravessadas por megaprojetos feitos a partir da lógica da rentabilização máxima da especulação imobiliária, relações incestuosas entre recursos públicos e interesses de pequenos grupos de grandes empresários, incompetência gerencial feita expressamente para ajudar empreiteiras a lucrar mais: esta foi a mesma história encontrada na África do Sul, no Brasil e, certamente, será repetida na Rússia.
Nos primeiros dois casos, ela conta como antigos grupos de esquerda, tais quais o partido CNA (Congresso Nacional Africano) sul-africano e o PT brasileiro, naturalizaram o fato de se transformarem em parceiros privilegiados da hiper-rentabilização do capital por meio do esporte. Hiper-rentabilização comandada por uma entidade eivada até a medula por acusações pesadas de corrupção.
Como se não bastasse, é triste não estranhar mais que uma política que se veja de esquerda abrace sem complexos a dinâmica anestesiante da sociedade do espetáculo.
Parece o sintoma mais acabado de falência ideológica usar megaeventos como dispositivo de mobilização nacional. Tentar reeditar luta de classes por meio da defesa da Copa do Mundo é uma situação patética que alguns defensores do governo deveriam nos poupar. Mais um pouco e teremos gente que se dizia de esquerda gritando: “Brasil, ame-o ou deixe-o”.
Enquanto isso, temos pessoas que são presas como criminosos por participarem de protestos e funcionários públicos que são demitidos por utilizarem a visibilidade da Copa a fim de organizarem greves cuja função era expor suas péssimas condições de trabalho. Seria bom nos atentarmos primeiramente para eles neste momento.
Eles não procuravam “estragar a festa” da população, mas lembrar que há muita gente que não foi convidada para dela participar.
A esquerda morre quando negocia sua força crítica por alguns ingressos de futebol.
* Publicado originalmente no jornal Folha de S.Paulo em 1 de julho de 2014.
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Acompanhe o debate a respeito da Copa, o PT e a esquerda brasileira, entre Emir Sader, Mauro Iasi e Valter Pomar, no especial /megaeventos, do Blog da Boitempo…
Confira o dossiê especial sobre a Copa e legado dos megaeventos, no Blog da Boitempo, com artigos de Christian Dunker, Bernardo Buarque de Hollanda, Mike Davis, Ricardo Gozzi, Pier Paolo Pasolini, Flávio Aguiar, Antonio Lassance, Mouzar Benedito, Mauro Iasi, Edson Teles, Jorge Luiz Souto Maior, entre outros!
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Vladimir Safatle é professor livre-docente do Departamento de Filosofia da USP, bolsista de produtividade do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), professor visitante das Universidades de Paris VII e Paris VIII, professor-bolsista no programa Erasmus Mundus. Escreveu A paixão do negativo: Lacan e a dialética (São Paulo, Edunesp, 2006), Folha explica Lacan (São Paulo, Publifolha, 2007), Cinismo e falência da crítica (São Paulo, Boitempo, 2008) e co-organizou com Edson Teles a coletânea de artigos O que resta da ditadura: a exceção brasileira (Boitempo, 2010), entre outros. Atualmente, mantem coluna semanal no jornal Folha de S.Paulo e coluna mensal na Revista CULT. Em 2012, teve um artigo incluído na coletânea Occupy: movimentos de protesto que tomaram as ruas (Boitempo, 2012), publicada pela Boitempo Editorial em parceria com o Carta Maior.
Caro jornalista, estamos involuindo com o PT no governo. Quem diria! Fizemos greve nas escolas dos Ifes (antigas escolas técnicas e agrotécnicas, e paraíso de direções fascistas e corruptas na ditadura), 2011, 2012, 2014. A de 2011 rendeu PAD por irmos à reitoria chamar a atenção para a pauta interna com apitos e cornetas (direções centralizadoras etc…). Na greve de 2014, ação do governo (MPOG e MEC) no STJ pedindo a ilegalidade da greve, e acatada. A leitura da liminar do juiz é uma piada. Governo negocia com sindicato pelego (Proifes), que já foi proibido na justiça do trabalho de nos representar. Nem FHC…Daí a proximidade desse governo ao da Russia, como bem observado pelo jornailsta. Daria um artigo a análise do tratamento dado pelo governo aos movimentos de greve no setor da educação.
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