O escravo da Casa Grande e o desprezo pela esquerda
Por Mauro Iasi.
Malcom X comparou, certa vez, os negros que defendiam a integração na sociedade norte americana com escravos da casa. Para defender suas pequenas posições de acomodação na ordem escravista, buscavam imitar seus senhores, copiar seus maneirismos, usar suas roupas, sua linguagem, adotando o nome da família de seus senhores. Daí o “X” no lugar do sobrenome do revolucionário norte americano.
Não é de se estranhar que os escravos da Casa Grande se incomodassem com as revoltas vindas da Senzala, pois poderiam atrapalhar sua instável acomodação, sua sobrevivência subserviente.
Dois textos recentes me chamam a atenção, não sei se produzidos pela mesma pena, mas certamente movidos pelo mesmo ódio e desprezo contra a esquerda em nosso país. Um deles é de autoria do sociólogo Emir Sader neste blog (“Não é a Copa, imbecil, são as eleições”), que recentemente comparou os manifestantes a cachorros vira-lata, outro é o editorial do Brasil de Fato de 03/06/2014 (“Eleições presidenciais e o papel do esquerdismo“) que, não contente em se aliar ao campo de apoio a Dilma, abriu as baterias contra a esquerda – aquela mesma que em muitas situações apoiou esse jornal, não apenas nas campanhas para sua sustentação, mas participando de seu conselho editorial e apoiando nos momentos mais difíceis.
Tanto o sociólogo como o jornal têm o direito de apoiar quem quiserem, de emitirem suas opiniões, mas o que nos chama a atenção é a necessidade de atacar a esquerda e a forma deste ataque. Como em todo o debate que busca fugir do mérito da questão (talvez pela dificuldade em realizar o debate neste campo) lança-se mão de estigmas. É preciso caracterizar os oponentes como “esquerdistas”, “minorias”, “intelectuais vacilantes da academia”, ou mais diretamente de “imbecis”.
Por vezes devemos aceitar o debate não pela qualidade dos argumentos ou a seriedade dos adversários, mas em respeito àqueles que poderiam se beneficiar do bom debate. Para isso temos que supor que o debate é sério e que há uma questão de fundo, ainda que para isso tenhamos que separar uma grossa camada de retórica que visa desqualificar o debate para não enfrentá-lo.
O argumento central da posição expressa nos textos citados, mas explícita e de forma mais clara no editorial do Brasil de Fato, poderia ser assim resumida: os governistas teriam uma “visão ampla da luta de classes”, que articularia três dimensões – a luta social, a ideológica e a institucional – atuando com “firmeza ideológica e flexibilidade tática”; enquanto os supostos esquerdistas “ignoram a correlação de forças” no Brasil e na America Latina e concentram muito mais nas criticas do que nas realizações dos governos “populares”. Isso porque subordinam suas posições, como “vacilantes intelectuais da academia” ou partidos “sem o mínimo peso eleitoral”, não a uma análise concreta de uma situação concreta, mas a uma “fidelidade” ao marxismo ortodoxo.
O resultado desta premissa, segundo a posição expressa, é o seguinte:
“Por isso, para serem condizentes com uma análise concreta de uma situação concreta, os partidos de esquerda sem o mínimo de peso eleitoral, que não conseguem enraizar sua mensagem programática e nem contribuir para o avanço da consciência de classe das massas populares durante as eleições deveriam estar fortalecendo a candidatura de Dilma, mesmo sabendo que o neodesenvolvimentismo em curso não é uma alternativa popular.”
Mesmo na posição de um “vacilante intelectual do mundo acadêmico, fiel ao marxismo e de um partido sem peso eleitoral”, gostaria de iniciar o debate afirmando que nossos colegas deveriam seguir, antes de mais nada seus conselhos. Se não vejamos. O erro do “esquerdismo”, que o impediria de realizar uma análise concreta de uma situação concreta, é que “não conseguem identificar frações de classes e seus diversos interesses em torno do governo Dilma”.
Então vamos lá. Quais são as classes e frações de classe que se somam aos governos do PT? O PT produziu-se como experiência histórica da classe trabalhadora que acabou por projetar-se numa organização política que, sem perder a referencia passiva desta classe, assumiu posturas políticas que se distanciam dos objetivos históricos dos trabalhadores. Não se trata de uma questão de origem de classe, mas do caráter de classe da proposta política apresentada em nome dos trabalhadores.
É preciso explicar aos leitores que nós (intelectuais vacilantes fieis ao marxismo) não concebemos a classe social como mera posição nas relações sociais de produção e formas de propriedade, mas como uma síntese de determinações que partindo da posição econômica, devem se somar a ação política, a consciência de classe e outros aspectos. Dessa forma, um setor da classe trabalhadora, ainda que partindo originalmente deste pertencimento, pode em sua ação política e na sua intencionalidade, afirmar outro projeto societário que não aquele que nossa experiência histórica constitui como meta – o socialismo –, sendo capturado pela hegemonia burguesa, naquilo que Gramsci chamou de “transformismo”.
No caso do PT acaba por se consolidar um projeto que tem por principal característica quebrar as reivindicações sociais do proletariado e dar a elas uma feição democrática; despir as formas puramente políticas das reivindicações da pequena burguesia e apresentá-las como socialistas, e tudo isso para exigir instituições democráticas republicanas “não como meio de suprimir dois extremos, o capital e o trabalho assalariado, mas como meio de atenuar a sua contradição e transformá-la em harmonia.” (Karl Marx, O 18 de brumário de Luís Bonaparte, p. 63).
Assim o PT em seu projeto (e prática) de governo apresenta em nome da classe trabalhadora um projeto pequeno-burguês. Mas o PT não governa sozinho, têm razão nossos colegas. É necessário seguir nossa análise para responder quais classes e setores de classe compõem o governo Dilma. Como o centro do projeto político foi deslocado para chegar ao governo federal e lá se manter, são necessárias alianças e até mesmo o programa de reformas democrático-populares é por demais amplo (seria o que André Singer chama de “reformismo forte”), então, rebaixa-se o programa (um “reformismo fraco”) e amplia-se as alianças. Para qual direção?
Não podemos confundir a sopa de letrinhas do leque de alternativas partidárias com segmentos de classe, mas eles são um indicador das personificações desses interesses. As alianças inicialmente pensadas como um leque entorno da classe trabalhadora, setores médios e pequenos empresários, se amplia bastante agora no quadro de um Pacto Social. Vejamos:
“Um novo contrato social, em defesa das mudanças estruturais para o país, exige o apoio de amplas forças sociais que dêem suporte ao Estado-nação. As mudanças estruturais estão todas dirigidas a promover uma ampla inclusão social – portanto distribuir renda, riqueza, poder e cultura. Os grandes rentistas e especuladores serão atingidos diretamente pelas políticas distributivistas e, nestas condições, não se beneficiarão do novo contrato social. Já os empresários produtivos de qualquer porte estarão contemplados com a ampliação do mercado de consumo de massas e com a desarticulação da lógica financeira e especulativa que caracteriza o atual modelo econômico. Crescer a partir do mercado interno significa dar previsibilidade para o capital produtivo.”
Resoluções do 12.º Encontro Nacional (2001). Diretório Nacional do PT (São Paulo, 2001, p. 38).
Este pacto social com “empresários produtivos de qualquer porte” não deixaria de fora nem mesmo os “rentistas”, como se comprovou. A chamada governabilidade exigiria que as personificações partidárias destes interesses estivessem na sustentação do governo, de forma que o governo de “centro” (pequeno-burguês) buscou e conseguiu se aliar com siglas da direita (PMDB, PTB, PP, PSC e outras). Na composição física do governo vemos setores de classes diretamente representados, como o caso dos interesses dos grandes monopólios no Ministérios da Indústria, dos bancos no Banco Central, do agronegógio no Ministério da Agricultura, assim como o controle das agências reguladores e outros espaços formais e informais de definição da política governamental.
Evidente que haverá participação dos “trabalhadores”, mas há aqui uma diferença essencial. Enquanto os setores do grande capital monopolista levam suas demandas à política de governo e as efetivam, as demandas dos trabalhadores são, por assim dizer, filtradas. Enquanto a CUT defendia suas resoluções em defesa da previdência pública, um ex-presidente da entidade assume o ministério para implementar a reforma da previdência, assim como a luta pela reforma agrária é tolerada, mas filtrada e peneirada em espaços intermediários para que os militantes comprometidos não cheguem aos espaços de decisão sobre a questão fundiária e agrária, estes reservados aos representantes do agronegócio.
Podemos ver militantes e personificações de segmentos importantes da classe trabalhadora em áreas como a saúde, a assistência social e outras, no entanto, o espaço efetivo de implementação de políticas ficaria constrangida pelas áreas de planejamento e a lógica da reforma do Estado para produzir a subserviência à lei de responsabilidade fiscal e a política de superávits primárias que tanto agrada aos banqueiros.
Recentemente a presidente Dilma, através da deputada Kátia Abreu (aquela mesmo!!!) da bancada ruralista, garimpava apoio entre os diferentes setores do agronegócio (gado, soja, milho, etc.), enquanto Paulo Maluf posava sorridente ao lado do candidato do PT ao governo de São Paulo em troca de alguns minutos no tempo de TV.
O governo de pacto social com os setores da grande burguesia monopolista e a pequena burguesia que sequestrou a representação da classe trabalhadora, implica nos limites da ação de governo, isto é, impedem o “reformismo forte” e impõe um “reformismo fraco”. Para atender as exigências da acumulação de capital dos diversos segmentos da burguesia monopolista, as demandas dos trabalhadores têm que ser contingenciadas, focalizadas, gotejadas, compensatórias.
Queria-se acabar com a fome e a miséria, mas devemos nos contentar em combater as manifestações mais agudas da miséria absoluta. Queríamos uma reforma agrária (e mais que isso, não é, uma nova política agrícola e de abastecimento, etc.), mas devemos nos contentar com crédito para assentamentos competirem com o agronegócio e assistência para os que não conseguem. Não se revertem as privatizações realizadas e cresce a lógica privatista com as fundações público privadas, as OSs e outras formas diretas ou indiretas de privatização.
O problema é que, mesmo assim, dando tanto à burguesia monopolista e tão pouco aos trabalhadores, a burguesia sempre vai jogar com várias alternativas, e, na época das eleições, vai ameaçar, chantagear e negociar melhores condições para dar sua sustentação. O leque de alianças da governabilidade petista não implica fidelidade dos setores do capital monopolista, adeptos do amor livre, entendem o apoio ao governo do PT como uma relação aberta. Por isso aparecem na época das eleições na forma de suas personificações como partidos de “oposição”.
Tal dinâmica produz um movimento interessante. Amor e união com a burguesia monopolista durante o governo e pau na classe trabalhadora (combinada com apassivamento via políticas focalizadas e inserção como consumidores); e briga com a burguesia e promessas de amor com os trabalhadores na época de eleição!
A abertura da Copa e a hostilização vinda da área VIP contra a presidente funciona aqui como uma metáfora perfeita: eles fazem a festa para os ricos, enchem o estádio com a elite branca e rica, esperando gratidão, mas a elite xinga a presidente.
A artimanha governista é circunscrever a propalada análise concreta de uma situação concreta à conjuntura da eleição e não do período histórico em que esta conjuntura se insere. Graças a esta mágica, desaparece o governo real entre no lugar um mito que resiste ao neoliberalismo contra as forças do mal igualmente mitificadas e descarnadas de sua corporalidade real. É o odioso “neoliberalismo”, que vai retroceder nos incríveis ganhos sociais alcançados e desestabilizar os governos progressistas na America Latina. Vejam, nos dizem, como são piores que nosso governo, precisamos derrotá-los para evitar o retrocesso e as privatizações. Mas uma vez derrotados eleitoralmente os adversários de direita… quem privatizou o Campo de Libra? Colocando exército para bater em manifestantes? Quem aprovou a lei das fundações público-privadas que abriu caminho para a privatização da saúde e outras? Quem aprovou a lei dos transgênicos, o código florestal e de mineração?
Não são iguais, é verdade. São duas versões distintas disputando a direção do projeto burguês no Brasil. Um o capitalismo com mais mercado e menos Estado, outro o capitalismo com mais Estado para garantir a economia de mercado.
Precisamos circunscrever a análise da correlação de forças ao momento eleitoral para evitar a derrota do governo Dilma, vejam, “mesmo sabendo que o neodesenvolvimentismo em curso não é uma alternativa popular”!
Então, comecemos por aí: o atual governo NÃO É UM ALTERNATIVA POPULAR! Já é um bom começo. Mas tenho uma péssima notícia… também não é neodesenvolvimentista, seja lá o que isso queira dizer. É um governo de pacto social que, partindo de um programa e uma concepção pequeno-burguesa, crê ser possível manter as condições para a acumulação de capitais o que leva a uma brutal concentração de renda e riqueza nas mãos de um pequeno grupo, ao mesmo tempo em que, pouco a pouco e muito lentamente, apresenta a limitada intenção de diminuir a pobreza absoluta e incluir os trabalhadores na sociedade via capacidade de consumo (bolsas, salários e crédito, etc.).
Ora, o que deve fazer a esquerda “sem o mínimo de peso eleitoral, que não consegue enraizar sua mensagem programática e nem contribuir para o avanço da consciência de classe das massas populares”? Dizem os governistas: votar na Dilma. No entanto, desculpe a insistência de quem faz análise concreta de situação concreta não só quando chegam as eleições e água bate na bunda; mas, e se for exatamente este processo de pacto social e de implementação de um social-liberalismo que está impedindo o “avanço da consciência de classe”? Depois de 12 anos de governos desta natureza a consciência de classe está mais avançada que estava nos anos 80 e 90? Nos parece que não.
Se somos tão insignificantes, irrelevantes e idiotas… por que é necessário bater desta forma na esquerda? Pelo simples fato que nossa existência, a existência de uma ESQUERDA (não a pecha de esquerdismo que tenta se impor contra nós como estigma), é a denuncia explícita dos limites e contradições que o governismo e seus lacaios querem jogar para debaixo do tapete.
Para manter a “imagem” do governo petista (Sader está preocupado com a imagem) é preciso uma operação perversa: atacar quem denuncia os limites desta experiência, não importando o quanto desqualificado e hipócrita seja o ataque, estigmatizando, despolitizando o debate. Primeiro foi necessário destruir a esquerda dentro do PT e sabemos os métodos que foram usados nesta guerra suja. Na verdade o que vemos agora contra a esquerda fora do PT é uma projeção do ataque vil e brutal que companheiros da esquerda petista sofreram e (aqueles que ainda resistem lá no PT) ainda sofrem (esquerdistas, isolados das massas, sem expressão eleitoral, irresponsáveis, etc.). E depois que conseguirem isolar, estigmatizar e satanizar a crítica de esquerda a essa experiência centrista e rebaixada de governo? Quando forem atacados pela direita que não guarda nada a não ser desprezo para com os escravos da casa grande?
As manifestações seriam, segundo os governistas, uma ofensiva da direita para sujar a imagem bela e idealizada do governo e o esquerdismo joga água neste moinho. Interessante que a necessidade de uma análise concreta de uma situação concreta, da correlação de forças e das classes não é necessária quando se trata das manifestações. MTST, garis, metroviários, professores, são todos imbecis marionetes da direita, manipulados por ela e quando pensam lutar por seus direitos e demandas estão fazendo o jogo da direita. Somos nós que fazemos o jogo da direita… tem certeza?
De nossa parte, não nos incomodamos, porque não esperamos nada mais que isso como consequência do progressivo, e triste, processo de descaracterização e rebaixamento político. Não será a primeira vez que a política pequeno-burguesa, que se diz representante de todo o povo, se alia ao trabalho sujo da direita para combater a esquerda.
Respondemos àqueles que acreditam que estamos isolados com as palavras de Lenin, com quem aprendemos a fazer análise concreta de uma situação concreta:
Pequeno grupo compacto, seguimos por uma estrada escarpada e difícil, segurando-nos fortemente pela mão. De todos os lados, estamos cercados de inimigos, e é preciso marchar quase constantemente debaixo de fogo. Estamos unidos por uma decisão livremente tomada, precisamente a fim de combater o inimigo e não cair no pântano ao lado, cujos habitantes desde o início nos culpam de termos formado um grupo à parte, e preferido o caminho da luta ao caminho da conciliação. Alguns dos nossos gritam: Vamos para o pântano! E quando lhes mostramos a vergonha de tal ato, replicam: Como vocês são atrasados! Não se envergonham de nos negar a liberdade de convidá-los a seguir um caminho melhor? Sim, senhores, são livres não somente para convidar, mas de ir para onde bem lhes aprouver, até para o pântano; achamos, inclusive, que seu lugar verdadeiro é precisamente no pântano, e, na medida de nossas forças, estamos prontos a ajudá-los a transportar para lá os seus lares. Porém, nesse caso, larguem-nos a mão, não nos agarrem e não manchem a grande palavra liberdade, porque também nós somos “livres” para ir aonde nos aprouver, livres para combater não só o pântano, como também aqueles que para lá se dirigem!
(Lenin, Que fazer?, São Paulo: Expressão Popular, 62).
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Confira o dossiê especial sobre a Copa e legado dos megaeventos, no Blog da Boitempo, com artigos de Christian Dunker, Bernardo Buarque de Hollanda, Mauro Iasi, Emir Sader, Flávio Aguiar, Edson Teles, Jorge Luiz Souto Maior e Mike Davis, entre outros!
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Mauro Iasi é professor adjunto da Escola de Serviço Social da UFRJ, pesquisador do NEPEM (Núcleo de Estudos e Pesquisas Marxistas), do NEP 13 de Maio e membro do Comitê Central do PCB. É autor do livro O dilema de Hamlet: o ser e o não ser da consciência (Boitempo, 2002) e colabora com os livros Cidades rebeldes: Passe Livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil e György Lukács e a emancipação humana (Boitempo, 2013), organizado por Marcos Del Roio. Colabora para o Blog da Boitempo mensalmente, às quartas.
Muito bom o texto!!! Neguemos o pântano e a apatia. Força !!
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A lucidez e coerência do Iasi é surpreendente.
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com o Mauro Iasi não há hipocrisia que resista.
grande texto.
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“Primeiro foi necessário destruir a esquerda dentro do PT e sabemos os métodos que foram usados nesta guerra suja. Na verdade o que vemos agora contra a esquerda fora do PT é uma projeção do ataque vil e brutal que companheiros da esquerda petista sofreram e (aqueles que ainda resistem lá no PT) ainda sofrem (esquerdistas, isolados das massas, sem expressão eleitoral, irresponsáveis, etc.). E depois que conseguirem isolar, estigmatizar e satanizar a crítica de esquerda a essa experiência centrista e rebaixada de governo? Quando forem atacados pela direita que não guarda nada a não ser desprezo para com os escravos da casa grande?”
Interessante o que se passa aqui no RS, com o retorno do Olívio Dutra para a disputa pelo Senado: Olívio, que sempre foi oposição às alas mais “liberais” do PT e sempre manifestou o seu descontentamento com determinadas ações políticas, foi, até bem pouco tempo, massacrado pela crítica impiedosa de setores do partido – e entre eles intelectuais nada vacilantes na sua busca por manter o poder – e, no entanto, com o “perigo” oferecido nesta disputa pelos candidatos do PDT e PP, voltam atrás e fazem de Olívio um herói redentor. A situação não é só patética; é desolador perceber o quanto a memória dos militantes é frágil e o quanto esses mesmos militantes se permitem manipular. Diante disto, eu realmente espero que a resposta ao teu questionamento no excerto copiado não seja uma volta atrás em busca das parcerias originais. Que se afoguem no pântano em que buscaram a sua luz.
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Análise muito lúcida e sagaz do Mauro Iasi. Infelizmente o PT se “transformou” e se aliou à Casa Grande para a manutenção do status quo. Temos que deixar que o PT vá para o pântano e seguirmos adiante, construindo uma nova alternativa política realmente socialista.
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“Capitalismo com mais mercado e menos estado” versus “capitalismo com mais estado para garantir a economia de mercado”. Perfeita a equação que sintetiza a disputa presente… O mais grave é que a primeira opção, embora mais “pura” ideologicamente, é menos eficaz para reproduzir o que querem as elites… A, ainda existente, capacidade de cooptação do lulopetismo é o que ainda garante alguma subordinação de setores oriundos da esquerda e de movimentos sociais – para ser bem claro: “comprados” pelos favores das migalhas redistribuídas.
O canto de sereia que chama o voto na ex-esquerda – atual centro direita -para barrar a direita não pode nem ser considerada por nós que entendemos que o primeiro divisor de águas para definir o que é ser de esquerda é, sem nenhuma dúvida, o anticapitalismo!
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Meu comentário ao texto do Mauro Iasi: https://www.valterpomar.blogspot.com.br/2014/06/nem-todo-escravo-tem-mentalidade-da.html
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Continuando o diálogo com Mauro Iasi, um detalhe que me escapou dizer.
https://valterpomar.blogspot.com.br/2014/06/um-detalhe-que-me-escapou.html
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O comentário feito pelo Valter Pomar é emblemático: é uma confirmação prática, com exatidão, de tudo que o Mauro Iasi descreveu.
Parece que existe um certo sintoma psicanalítico nessa resposta padrão da ala pragmática do PT, ignorando as contradições e sempre apontando o dedo para tentar jogar na esquerda a culpa pelas escolhas infelizes que foram feitas em nome de um reformismo que caminha lentamente para um triste fim… E agora procura a todo custo um bode expiatório.
E o Valter é sem dúvida um dos melhores nomes do PT. Se nem ele conseguiu escapar dessa falácia reformista e do discurso fatalista do “não tinha outro jeito”…
Uma pena, uma pena mesmo.
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Prezado Tiago
O Mauro Iasi apontou que setores do PT precisam desmoralizar a oposição de esquerda. Mas ele poderia ter dito, também, que setores da oposição de esquerda precisam desmoralizar a esquerda do PT. Pois a existência de uma esquerda petista, que defende o governo Dilma e o PT com argumentos de esquerda, cria dificuldades de diversos tipos para a oposição de esquerda.
Sendo assim, o que posso te pedir é que não exagere. Eu não faço parte de nenhuma ala pragmática; não ignoro as contradições do PT e do governo; nem jogo na conta da esquerda nada que não seja de responsabilidade da própria esquerda.
Assim, eu simplesmente não sei aonde é que nos meus comentários voce viu algum discurso fatalista, nem alguma falácia reformista. Se voce tiver tempo para apontar, eu terei o maior prazer de discutir. Agora, se a linha for apenas a da desqualificação, voce estará simplesmente cometendo o erro criticado pelo Mauro Iasi.
Um abraço
Valter Pomar
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Caríssimo Valter,
Agradeço seu comentário. O que tentei apontar é que não adianta você fazer toda uma argumentação “crítica” se, ao final de tudo, a sua conclusão é invariavelmente fatalista e conservadora: devemos continuar a votar no PT pois sempre a outra opção será pior.
Isso leva a um claro imobilismo dentro do PT e, mesmo sem maldade alguma e sem você perceber (por isso apontei a possibilidade do triste sintoma psicanalítico), é esse tipo de postura relativista que justamente REFORÇA o reformismo, pois ele continua a obter seus resultados eleitorais sem precisar fazer concessão alguma e sem mexer na correlação de forças e conscientização geral da população (que é argumento do Mauro Iasi), tornando passivas as críticas e mantendo esse círculo vicioso do “não há outra opção”.
É preciso ir além disso e, desculpe, mas é sim aí do seu lado (no âmbito do PT, de sua militância e aliados) que as coisas precisam começar a mudar, e até agora a resposta tem sido conservadora. Os reformistas continuam blindados.
Grande abraço
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Prezado Tiago
Veja bem: eu sou petista. Portanto, no que me diz respeito, votar no PT não é uma opção fatalista nem conservadora. E nem diz respeito as eleições. Minha opção pelo PT tem relação com a análise que faço 1) do cenário estratégico em que atuamos e 2) da classe trabalhadora brasileira.
Outro assunto é o seguinte: tento convencer voces, que não são petistas, a no segundo turno votar no PT, mais exatamente na Dilma. Neste caso, um de meus argumentos é exatamente este: do ponto de vista dos interesses da classe trabalhadora, a outra opção é pior.
São duas discussões diferentes. Acho que isto não está claro para voce. Por exemplo: a “blindagem do reformismo” tem a ver com a primeira discussão, não com a segunda.
Se a oposição de esquerda percebesse isto, teria alguma chance de crescer. Como aconteceu depois da morte de Vargas, quando o PC quando entre outros motivos porque parou de tratar o PTB como inimigo principal.
Acontece que parte da oposição de esquerda está mais preocupada com o PT do que com a burguesia. Vide o voto da Heloísa Helena em 2006, o voto do Plínio em 2010 e 2012, a postura do Randolfe etc.
Quanto ao que nós fazemos dentro do PT, agradeço a opinião; agora, lembre-se que nossa vitória é vossa derrota. A saber: toda vez que o PT vai para a esquerda, o espaço para a oposição de esquerda ao PT diminui.
E o irônico é que as vezes o PT vai para a esquerda por obra e graça da direita. Aliás, neste sentido a burguesia deste país nunca nos faltou e nunca nos faltará, pois seu ódio é tão profundo que acaba desmoralizando os conciliadores.
Abraços
Valter Pomar.
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Caro Valter,
No que diz respeito ao espaço para oposição à esquerda, penso que talvez você tenha se precipitado no comentário, pois não estou defendendo que o espaço de esquerda exista apenas fora do PT: quero que ele exista e cresça em todos os campos possíveis.
Veja, esta frase tua, “(…) lembre-se que nossa vitória é vossa derrota. A saber: toda vez que o PT vai para a esquerda, o espaço para a oposição de esquerda ao PT diminui”, ela é totalmente equivocada: não há derrota alguma nesse sentido para mim se isso ocorrer. O meu interesse na crítica vinda da esquerda não é partidário (defender algum partido de esquerda), mas sim ideológico (defender a ampliação da agenda da esquerda).
Até hoje não votei em outro partido que não fosse o PT. Se o PT voltar a ocupar esse campo de disputa de esquerda serei o PRIMEIRO a comemorar. E quis acreditar nisso nos últimos 12 anos. Mas o alerta que iniciou essa discussão toda é esse: não estamos construindo esse caminho na atual situação, pelo contrário, estamos fechando portas pelo lado de dentro do poder. Isso PRECISA ser considerado e debatido muito mais. A importante contradição levantada pelo Iasi permanece: “Depois de 12 anos de governos desta natureza a consciência de classe está mais avançada que estava nos anos 80 e 90? Nos parece que não.”
Abraço
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Muito bom… por uma esquerda esquerda de fato!
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Caro professor Iasi, creio que faltou um elemento fundamental na composição de classe que faz parte do Governo Dilma e que muito diz sobre o caráter das gestões petistas e sobre o porquê de não haver a mínima possibilidade de resgate desse partido e desse governo: a mudança social de muitos quadros do próprio partido.
Convertidos em empresários, consultores dos grandes grupos econômicos, gestores dos fundos de pensões, etc esses setores ascenderam socialmente a uma posição que não só não querem abandonar como farão de tudo para mantê-la. Se tornaram sócios dos negócios da grande burguesia nacional e estrangeira. Ganham com a especulação, com as privatizações e com os cortes de direitos dos trabalhadores. O próprio Guilherme Boulos, do MTST, tem denunciado que alguns ex-dirigentes sociais estão ganhando com a gestão da especulação imobiliária.
Esse elemento mostra que os governos do PT vão além de simples conciliação de classes mas que pactuam também por seus novos interesses de novo setor social alcançado por esses dirigentes. As alianças amplas são, portanto, mais do que simples tática eleitoral pela governabilidade como dizem alguns governistas arautos da compreensão da “situação concreta”.
Os que pedem o voto da esquerda no PT com a desculpa do “mal menor” deveriam ser mais cautelosos com esse convite e olhar mais para a “situação concreta” antes de levantar esse argumento pois seria possível elencar uma lista dos recordes negativos dos governos do PT em relação aos demotucanos como, por exemplo, o fato de Lula ter fechado mais rádios comunitárias que FHC, das gestões petistas terem demarcado menos terras indígenas que o tucano e ter morrido mais índios, de ter privatizado mais quilômetros de rodovias do que FHC, de ter promovido a maior privatização da História do país com o campo de Libra, de ter reprimido mais os movimentos sociais e por aí vai!
Aqui no meu Estado, o RS, o Governo Tarso conseguiu aplicar os planos que Yeda desejava e não conseguiu como a privatização de parte da previdência pública, aumentar a jornada dos professores, pagar um “completivo” para mascarar o calote no piso do magistério, além de ter sido mais repressivo (se Yeda invadiu a sede da FAG, Tarso invadiu o domicílio de militantes de esquerda e avaliza um processo que busca condenar os militantes como “milicianos”, isso mesmo como se fossem membros das milícias que aterrorizaram as favelas cariocas), enquanto isso o próprio governo Tarso se gaba de ter dado mais benesses ao capital do que Yeda, tendo financiado a fundo perdido inclusive o tucano Gustavo Franco, cujo fundo controla o parque eólico de Geribatu, em Santa Vitória do Palmar.
Se ainda assim os arautos da compreensão da “situação concreta” seguir caluniando-nos que lembremos dos ensinamentos dos pais do socialismo científico:
“Por toda a parte, ao lado dos candidatos democráticos burgueses, sejam propostos candidatos operários, na medida do possível de entre os membros da Liga e para cuja eleição se devem accionar todos os meios possíveis. Mesmo onde não existe esperança de sucesso, devem os operários apresentar os seus próprios candidatos, para manterem a sua democracia, para manterem a sua autonomia, contarem as suas forças, trazerem a público a sua posição revolucionária e os pontos de vista do partido. Não devem, neste processo, deixar-se subornar pelas frases dos democratas, como por exemplo que assim se divide o partido democrático e se dá à reacção a possibilidade da vitória. Com todas essas frases, o que se visa é que o proletariado seja mistificado. Os progressos que o partido proletário tem de fazer, surgindo assim como força independente, são infinitamente mais importantes do que o prejuízo que poderia trazer a presença de alguns reaccionários na Representação. Surja a democracia, desde o princípio, decidida e terrorista contra a reacção, e a influência desta nas eleições será antecipadamente aniquilada.” (Marx e Engels. Mensagem da Direcção Central à Liga dos Comunistas. Março de 1850)
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Prezado Tiago
Veja como são as coisas: lendo os seus dois primeiros comentários, eu nunca imaginaria que voce é, pelo menos até hoje, um eleitor do PT.
Independente disto, não te envolve pessoalmente dizer que toda vez que o PT vai para a esquerda, o espaço para a oposição de esquerda ao PT diminui.
Que o PT precisa mudar, estou de acordo. Que o PT pode mudar de lado, isto é sempre um risco, para qualquer partido de esquerda. Mas a reação do oligopólio da mídia à Convenção do PT, realizada no sábado passado, mostra que ao menos para eles, o PT continua na esquerda.
Finalmente: se não tivesse havido alguma mudança na consciência de classe do povo brasileiro, voce acha que Lula teria sido reeleito e Dilma eleita?
A questão proposta por Mauro e endossada por voce, portanto, precisa ser posta de outra maneira: o nível de consciência, organização e mobilização da classe trabalhadora brasileira cresceu menos do que o necessário para sustentar as mudanças feitas e as mudanças que precisam ser feitas.
Abraços
Valter Pomar
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A esquerda critica a Casa Grande, mas seu objetivo é exatamente criar e comandar o Estado-Casa-Grande.
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Sempre que me é possível retomo a leitura de análises que suscitaram boas polêmicas e tento confrontá-las com a realidade atual. À época, este texto do professor Mauro Iasi e alguns comentários, como o do Jorge Nogueira e a polêmica entre o Tiago Moreira e o Valter Pomar, assim como o próprio texto que o Pomar redigiu e publicou neste portal, contribuíram bastante para alargar algumas percepções minhas e confirmar outras. Especificamente, a análise do Iasi, que considerei muito importante e interessante há dois anos atrás, parece-me que pode ser considerada nas condições atuais como a apreensão do movimento concreto da realidade pelo pensamento.
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