Bolívar e Chávez: o espírito da determinação radical
Por István Mészáros.
Um ano após a morte de Hugo Chávez, a Boitempo disponibiliza em seu Blog, como homenagem, este artigo de István Mészáros, publicado originalmente da edição de número 8 da revista semestral Margem esquerda: ensaios marxistas.
“Penas levadas pelo vento”
No verão de 2005, a Venezuela comemorou o bicentenário do juramento de Simón Bolívar, feito na presença de seu grande professor, Simón Rodríguez, um homem que, bem antes de Marx, frequentou sociedades secretas socialistas em Paris e regressou à América do Sul apenas em 1823. O juramento de Bolívar ocorreu em 15 de agosto de 1895, nos arredores de Roma. O próprio local – a colina do Monte Sacro –, que foi escolhido em conjunto para a ocasião solene, já constituía uma indicação da natureza do compromisso histórico do jovem Bolívar. Pois foi precisamente na colina do Monte Sacro, vinte e três séculos antes, que consta ter ocorrido o protesto revoltoso dos plebeus contra os patrícios da Roma Antiga, sob a liderança de Sicínio. Diz-se que a rebelião da população romana daquele tempo foi apaziguada graças à retórica de um notório pilar da ordem estabelecida, o senador Menênio Agripa, que pregou a eterna visão familiar de que o povo “que não está destinado a governar” deveria aceitar de boa vontade “seu lugar na ordem natural da sociedade”. Num firme desafio à visão resignada que emana das iníquas relações de poder impostas com êxito por toda a parte, o jovem Bolívar exprimiu no Monte Sacro sua determinação em dedicar sua vida à luta, com vista a um final vitorioso contra o domínio colonial em sua parte do mundo. Foram estas as suas palavras:
“Juro diante de ti, juro pelo deus de meus pais, juro pelos meus antepassados, juro pela minha honra e juro pela minha pátria que não permitirei que nem o meu braço nem a minha alma descansem até termos rompido os grilhões que nos oprimem por vontade do poder espanhol.”1
Bolívar nunca vacilou em sua determinação radical, conforme expressa seu juramento, nem mesmo sob as circunstâncias mais adversas. Os anos seguintes fizeram-no perceber que era preciso haver mudanças fundamentais não só nas relações políticas e militares internacionais como, mais profundamente, na ordem social existente, se quisesse que o projeto de acabar com a dominação colonial tivesse êxito. As mudanças radicais incluíam a libertação dos escravos, ao que sua própria classe se opunha com veemência. Até sua querida irmã o considerou “louco”, em razão de sua inquebrantável insistência na igualdade.
Bolívar considerava a igualdade “a lei das leis”, acrescentando que “sem igualdade todas as liberdades, todos os direitos perecem. Por ela, devemos fazer sacrifícios”2. Professava tudo isso de uma forma verdadeiramente intransigente. E para provar com ações a validade de seus princípios e crenças profundos, não hesitou nem por um instante em libertar todos os escravos de suas propriedades em sua determinação de dar uma base social tão vasta quanto possível à luta por uma emancipação completa e irreversível do domínio colonial profundamente instituído. Em seu magnífico discurso no Congresso de Angostura, em fevereiro de 1819, destacou a libertação dos escravos como a mais essencial de suas ordens e decretos, afirmando que:
“Deixo à vossa soberana decisão a reforma ou a revogação de todos os meus estatutos e decretos, mas imploro a confirmação da liberdade absoluta dos escravos, como imploraria pela minha vida e pela vida da República.”3
Isso se passou várias décadas antes de ser levantada e parcialmente resolvida a questão humana vital da emancipação dos escravos na América do Norte. Os Pais Fundadores da Constituição dos EUA nunca tiveram a mínima preocupação, nem em seu espírito nem em seus corações, em acabar com o desumano sistema da escravidão, do qual eles mesmos se beneficiavam. A terrível herança de sua funesta omissão continuou a se exprimir de diferentes formas durante séculos, e ainda em nossos dias se manifesta de modo trágico, como pudemos testemunhar em Nova Orleans quando da passagem do furacão Katrina, entre agosto e setembro de 2005.
Como contrapeso necessário não só à Santa Aliança, que incluía também a Espanha, mas ainda mais notoriamente às crescentes ambições imperialistas dos Estados Unidos da América do Norte, Bolívar tentou constituir uma confederação permanente das nações latino-americanas. Não é de estranhar, porém, que os esforços destinados a tal objetivo fossem frustrados e totalmente anulados pelo cada vez mais poderoso país do Norte e por seus aliados.
Mostrando uma grande visão quanto à tendência preponderante do desenvolvimento histórico, que chega até os nossos dias, Bolívar foi finalmente forçado a reconhecer que “os Estados Unidos da América do Norte parecem destinados pela providência a infestar a América de miséria em nome da Liberdade”4. Como todos nós sabemos, os discursos de George W. Bush – seja quem for que os escreva – são apimentados com a palavra “Liberdade”, untuosamente recitada. A única coisa que mudou desde os tempos de Simón Bolívar é que, hoje, os Estados Unidos da América do Norte afirmam estar destinados pela divina providência a tratar como lhes aprouver, “em nome da Liberdade”, não só a América do Sul, mas todo o mundo, e a empregar os meios mais violentos de agressão militar contra aqueles que ousarem se opor a seu desígnio imperial global.
Até os bispos anglicanos, num documento tornado público em 19 de setembro de 2005, rejeitaram tal presunção de virtude e destino providencial como princípio orientador da política externa americana, embora eles – compreensível, mas erroneamente – a tenham atribuído à influência do fundamentalismo cristão. É compreensível, porque, nessa base, puderam proferir ex officio uma condenação autorizada de uma posição “teologicamente distorcida”. Mas estão errados, porque essa orientação da política externa das classes dominantes americanas é muito antiga na história – desde os tempos de Simón Bolívar, se não antes. E aqueles que gostam de atribuí-la simplesmente ao Partido Republicano de George W. Bush deveriam lembrar que foi o presidente democrata Bill Clinton quem declarou, de forma arrogante, enquanto ainda estava no poder, em total uníssono com seu governo, desde a secretária de Estado, Madeleine Albright (que continuou a repetir a fórmula clintoniana), até o secretário de Trabalho, Robert B. Reich5, que havia “apenas uma nação necessária: os Estados Unidos da América”. Com tal afirmação, proferida nada menos do que por uma figura governamental eleita duas vezes, o presidente Clinton alertava as outras nações que poderiam ser condenadas pela “única nação necessária” por sua aspiração totalmente inaceitável de tomar decisões soberanas, sem a menor preocupação com a democracia e a liberdade, como culpadas de “pandemônio étnico”, nas palavras do senador democrata Daniel Patrick Moynihan6.
Bolívar considerava que a igualdade legal, a sua “lei das leis”, era absolutamente indispensável para a constituição de uma sociedade politicamente sustentada contra os poderes que internamente tendiam a entravar seu desenvolvimento potencial, e tentavam violar, e até mesmo anular, sua soberania nas relações internacionais. Repetia que a “desigualdade física” precisava ser combatida de modo incansável sob todas as circunstâncias, porque era uma “injustiça da natureza”. E era realista o suficiente para reconhecer que a igualdade legal não podia corrigir a desigualdade física para além de uma certa medida e de forma limitada7. Nem mesmo quando as medidas legais adotadas pelos legisladores possuíam um significado social fundamental, como de fato a sua libertação dos escravos acabou por revelar.
O que era obrigatoriamente necessário para tornar realmente viável a ordem social era a transformação de todo o tecido social para muito além de medidas como a emancipação legal dos escravos. Portanto, não é de surpreender que, em sua busca por soluções necessárias para as quais o tempo histórico ainda não havia chegado, Bolívar tenha enfrentado grande hostilidade, mesmo nos países latino-americanos, aos quais prestou serviços inigualáveis, onde era conhecido pelo título único de El Libertador, com que foi homenageado na época. Por isso, embora hoje nos pareça ultrajante, ele acabou seus últimos dias em um isolamento trágico.
Quanto a seus adversários dos Estados Unidos da América do Norte, que se sentiram ameaçados pelo alastrar do seu conceito iluminado de igualdade – tanto internamente como na gestão das relações interestados – não hesitaram em condená-lo e apelidá-lo de “o perigoso louco do Sul”8.
Com um grande senso de proporção – virtude absolutamente vital para qualquer um e, em especial, para todas as figuras políticas importantes, que têm o privilégio em nossas sociedades de tomar decisões que afetam profundamente a vida de inúmeras pessoas –, Bolívar disse sobre si mesmo que era “uma pena arrastada pelo vento”. Esse tipo de constatação sobre o papel de uma pessoa na sociedade não poderia ser mais estranho aos apologistas da ordem social e política instituída, que gostariam de tornar impossível a instituição de qualquer mudança significativa, seja esta provocada por tempestades sociais, seja em etapas vagarosas, apesar dos elogios dispensados por vezes a estas últimas. Além disso, as pessoas estão invariavelmente empenhadas na fútil tarefa de tentar desfazer as mudanças que acabaram por se instalar ao longo do desenvolvimento histórico. E assim continuam a negar que possa haver causas reais, bem enraizadas, por trás das impetuosas tempestades sociais e políticas que transportam em suas asas, assim como as “penas” de Bolívar, as figuras políticas que insistem, com paixão radical, na necessidade de mudanças sociais fundamentais. E quando, todos juntos, nossos apologistas incuráveis não conseguem fechar os olhos para o fato da erupção periódica das tempestades sociais, preferem atribuí-las convenientemente à “irracionalidade”, à “aceitação pela população do populismo ingênuo” e coisas do gênero, pretendendo com isso dar uma resposta racional ao desafio que deveriam enfrentar. Estão, na verdade, fugindo do verdadeiro problema. Fazem-no porque não têm absolutamente nenhum senso de proporção, nem nunca o terão.
Dentro desse espírito, um semanário largamente difundido, The Economist de Londres, recusa-se a procurar o sentido da expressão “Revolução Bolivariana”, apesar do fato de a liderança política da Venezuela, com suas consistentes referências ao projeto inacabado da época de Simón Bolívar, estar empenhada em pôr em movimento uma transformação de longo alcance no país. Na verdade, uma transformação que ainda repercute em todo o continente e gera reações significativas também em outras partes da América Latina. Com uma intenção insultuosa deliberada, The Economist coloca sempre entre sarcásticas aspas a palavra “bolivariano” – como se tudo o que fosse bolivariano devesse ser considerado obrigatoriamente absurdo –, em vez de comentar de forma séria as questões que tenta ansiosamente rejeitar, sem apresentar argumentos. As aspas pretendem significar uma rejeição, sob a forma de uma desqualificação apriorística dos acontecimentos em curso na América do Sul, e dessa maneira peculiar fornecer uma prova irrefutável. No entanto, a única coisa que os editores de The Economist conseguem provar, com o pungente uso repetitivo de suas aspas sarcásticas, é sua estupidez venenosa. Ao serem totalmente subservientes aos interesses dos círculos governantes dos EUA, como propagandistas autonomeados do ritual anual do Fórum Econômico de Davos, parece que, ainda hoje, pensam que Bolívar não passou de um “perigoso louco do Sul”. Dentro do mesmo espírito com que também tentam caracterizar (e rejeitar peremptoriamente) todos os que estão destinados a trazer seu projeto de volta.
Contudo, a verdade é que só se poderão instaurar realizações radicais duradouras, cumulativamente e de forma conscientemente sustentada, sobre uma apropriação significativa da tradição progressista que precedeu as tentativas em curso e continuar apontando para a mesma direção, apesar de todas as adversidades. Não se pode escolher, de modo arbitrário, nem a natureza do que realmente se pode instaurar sobre essa tradição, e portanto apropriar-se dela de forma positiva, nem a direção geral a longo prazo do próprio desenvolvimento histórico da humanidade. Nosso universo social está sobrecarregado de enormes problemas, tanto no que se refere às desigualdades herdadas do passado, e que são cada vez mais intensamente explosivas, quanto à invasão cada vez mais desenfreada do modo de reprodução metabólica social do capital na natureza, ameaçando-nos com um desastre ecológico. Essas razões condenam ao fracasso as tentativas conservadoras e reacionárias de inverter a direção do tempo histórico, na medida em que são estruturalmente incapazes de produzir realizações cumulativas, independentemente de eventuais sucessos que possam impor temporariamente na sociedade – dadas as relações de poder preponderantes, mas cada vez mais instáveis, que acarretam formas de controle cada vez mais repressivas, mesmo em países antes democráticos – à custa de grande sofrimento infligido a centenas de milhões de pessoas. A fuga e a repressão intensificada não podem funcionar indefinidamente. Afinal, ambas são completa e catastroficamente devastadoras. Os tremendos problemas de nosso universo social serão confrontados, mais cedo ou mais tarde, com as suas dimensões substantivas, em oposição à camuflagem formal de democracia e liberdade que todos conhecemos.
Como sabemos bem demais, os ventos históricos que transportam penas como Simón Bolívar podem serenar temporariamente sem cumprir sua promessa original. Os objetivos estabelecidos pelas figuras históricas, mesmo as mais ilustres, só podem ser atingidos quando chegar realmente sua época, tanto em sentido objetivo quanto subjetivo. Apesar de seu trágico isolamento final, a contribuição de Bolívar para resolver alguns dos maiores desafios de seu tempo, e, num sentido bem identificável também do nosso, é monumental, tal como foi a de José Martí em Cuba, que seguiu seus passos. Não poderemos ter êxito, se não construirmos conscientemente sobre a herança que eles nos legaram, como uma tarefa para o futuro, redefinida no presente, de acordo com as circunstâncias vigentes. Em seus apelos ao povo em algumas ocasiões vitais, Bolívar destacou sua convicção de que “chegou o dia da América e nenhum poder humano pode adiar o curso da natureza guiado pela mão da providência”9. No fim de sua vida, foi forçado a reconhecer que, tragicamente, o dia da América, tal como ele havia visualizado antes, ainda não havia chegado.
O principal obstáculo para isso foi o profundo contraste entre a unidade política dos países latino-americanos, defendida por Bolívar, e os componentes intensamente adversos/conflituosos de seus microcosmos sociais. Como seus microcosmos socais estavam dilacerados por antagonismos internos, os mais nobres e eloquentes apelos à unidade política só poderiam ter êxito quando a ameaça feita pelo adversário colonial espanhol se tornasse grave. Mas, por si só, a ameaça não poderia remediar as contradições internas dos microcosmos sociais existentes. Nem a situação poderia ser alterada radicalmente pela identificação premonitória de Bolívar do novo perigo acima citado. Nomeadamente, de que “os Estados Unidos da América do Norte parecem destinados pela providência a condenar a América à miséria em nome da Liberdade”. Um perigo sublinhado ainda mais fortemente, dentro do mesmo espírito, por José Martí sessenta anos depois10. Ambos foram tão realistas em seus diagnósticos dos perigos quanto generosos na defesa de uma solução ideal para os graves problemas da humanidade. Bolívar, quando propôs uma forma de todas as nações da humanidade se reunirem harmoniosamente no istmo do Panamá para fazerem a capital de nosso globo, tal como “Constantino queria fazer de Bizâncio a capital do antigo hemisfério”11, e Martí, quando insistia que “patria es humanidad” – a humanidade é a nossa pátria –, ilustram tal generosidade.
Mas, quando esses ideais foram formulados, os tempos ainda apontavam para a direção oposta: para a terrível intensificação dos antagonismos sociais e para a horrível carnificina das duas guerras mundiais, que nasceram desses antagonismos. Além disso, a ameaça concomitante em nossos dias é maior do que nunca. Com efeito, é qualitativamente maior, porque hoje o que está em jogo é nada menos do que a própria sobrevivência da humanidade. Claro que isso não quer dizer que os ideais há muito defendidos estejam obsoletos. Muito pelo contrário, são ainda mais urgentes. Apesar disso, é hoje verdade, como era no tempo de Bolívar, que não se pode encarar o funcionamento sustentável do macrocosmo social da humanidade sem ultrapassar os antagonismos internos de seus microcosmos: as células adversas/conflituosas constitutivas de nossa sociedade sob o modo de controle social metabólico do capital, já que um macrocosmo coeso e sociavelmente viável só é concebível com base nas células constitutivas correspondentes e humanamente recompensadoras das relações interpessoais.
As circunstâncias históricas atuais são completamente diferentes da época dos triunfos de Bolívar, e também dos de sua trágica derrota final. São diferentes porque o perturbador desenvolvimento social e histórico pôs em pauta a realização dos objetivos outrora rejeitados, em dois sentidos. Em primeiro lugar, abrindo a possibilidade de instituir um macrocosmo potencialmente harmonioso em uma escala global, para além dos conflitos devastadores dos confrontos passados interestados que iriam culminar nas pilhagens do imperialismo. É essa possibilidade que o Fórum Social Mundial está tentando evidenciar em seu repetido apelo: “Um outro mundo é possível”. O segundo aspecto, da mesma proposta, é inseparável do primeiro e elimina a imprecisão de qualquer conversa limitada apenas à possibilidade, visto que, se a possibilidade em causa não indicar um grau de probabilidade e necessidade, não terá qualquer sentido. Na atualidade, é inconcebível um macrocosmo social coeso e globalmente sustentável – em profundo contraste com toda a propaganda capitalista, ansiosamente anunciada, mas irrealizável, sobre a “globalização” neoliberal – sem a definição teórica e a articulação prática das células constitutivas da mudança social em uma forma genuinamente socialista.
É assim que a possibilidade e a necessidade se conjugam em uma unidade dialética em nosso universo social, historicamente específico, dos dias de hoje. Possibilidade porque, sem ultrapassar as determinações estruturais dos antagonismos irreconciliáveis do capital, a partir dos quais emergiu o projeto socialista ao longo do desenvolvimento histórico da humanidade, é completamente inútil sonhar com a instituição de um universo social globalmente sustentado. E necessidade – não uma espécie de fatalidade mecanicista, mas uma necessidade irreprimível e literalmente vital –, porque o destino do ser humano será a aniquilação, se, no decorrer das próximas décadas, não conseguirmos erradicar totalmente o capital de nosso modo instituído de reprodução social metabólica. A principal lição da implosão soviética é que só podemos esperar uma reabilitação capitalista se a definição de socialismo, em termos de queda do estado capitalista, for substituída pela tarefa muito mais fundamental, e difícil, de erradicar o capital de toda a nossa ordem social.
É completamente impossível empenhar-se hoje na grande tarefa histórica da erradicação do capital, orientada de modo positivo para um futuro sustentável, sem ativar todos os recursos do espírito de determinação radical, em consonância com as exigências de nossa época, como Bolívar fez da forma que pôde, de acordo com as circunstâncias do seu próprio tempo. É de fato verdade que, agora, chegou a hora da realização dos objetivos bolivarianos em sua perspectiva mais ampla, como o presidente Chávez vem defendendo há algum tempo. É por isso que os propagandistas do capital que usam a expressão projeto bolivariano entre sarcásticas aspas fazem apenas papel de tolos. A continuidade histórica não significa uma repetição mecânica, mas uma renovação criativa no sentido mais profundo do termo. Assim, dizer que chegou a hora da realização dos objetivos bolivarianos, no sentido de que devem ser atualizados de acordo com nossas próprias condições históricas, com toda a sua urgência premente e com um significado claramente identificável também para o resto do mundo, significa precisamente que se deve dar um sentido socialista às transformações radicais previstas, se estivermos verdadeiramente interessados em implementá-las. Os discursos mais importantes e as entrevistas do presidente Chávez – nos quais ele realça a dramática alternativa de “Socialismo ou Barbárie” – clarificam e atualizam tal processo12.
A tarefa de renovação radical não está de forma alguma limitada à América Latina. Os movimentos sociais e políticos da esquerda européia, assim como os da América do Norte, também estão precisando de uma reavaliação profunda de suas estratégias passadas e presentes, diante de suas dolorosas derrotas das últimas décadas. O fermento social e político claramente identificável na América Latina, que vem desde os tempos da revolução cubana e se manifestou durante décadas em diferentes partes do continente e não apenas na Venezuela, tem muito a dizer sobre a questão fundamental de “o que fazer?”. Precisamente por essa razão devemos abrir os olhos e expressar nossa solidariedade com a renovação criativa da tradição bolivariana na Venezuela nas últimas duas décadas. Infelizmente, fora da América Latina, pouco se sabe sobre o passado recente desse movimento, pesar da relevância direta de algumas de suas doutrinas para todos nós. Assim, antes de abordar a questão das atuais perspectivas de desenvolvimento, na seção final deste artigo, reproduzo a seguir, sem nenhuma alteração, o que escrevi em 1993 sobre o projeto bolivariano, cinco anos antes das decisivas eleições presidenciais na Venezuela13, e publicado no outono de 1995, no capítulo 18 de Para além do capital: “Atualidade histórica da ofensiva socialista”14.
Crítica radical da política por Hugo Chávez em 1993
A crítica do sistema parlamentar segundo uma perspectiva radical não começou com Marx. Encontramo-la vigorosamente expressa já no século XVIII, nos escritos de Rousseau. Partindo da posição de que a soberania pertence ao povo e, portanto, não pode ser legitimamente alienada, Rousseau também defendeu que, pela mesma razão, ela não pode legitimamente ser transformada em qualquer forma de abdicação representativa:
“Os deputados do povo, portanto, não são e não podem ser seus representantes; são apenas seus administradores, e não podem realizar quaisquer atos decisórios. Qualquer lei que o povo não tenha ratificado pessoalmente é nula e sem validade legal – de fato, não é uma lei. O povo da Inglaterra considera-se livre; mas está redondamente enganado; só é livre durante a eleição dos membros do Parlamento. Depois de os eleger, surge a escravatura, e fica reduzido a nada. O uso que faz dos curtos momentos de liberdade de que desfruta mostra realmente que merece perdê-la.”15
Ao mesmo tempo, Rousseau evidencia a importante questão de que, embora o poder da legislação não possa estar divorciado do povo por meio da representação parlamentar, as funções administrativas ou “executivas” devem ser consideradas sob uma luz muito diferente. Como afirmou:
“no exercício do poder legislativo, o povo não pode ser representado; mas no do poder executivo, que é apenas a força que é aplicada para pôr a lei em funcionamento, pode e deve ser representado.”16
Dessa forma, Rousseau, que tem sido sistematicamente deturpado e insultado por ideólogos “democráticos”, até mesmo pelo “jet-set socialista”, porque insistia em afirmar que a “liberdade não pode existir sem igualdade”17 – o que, por conseguinte, excluía até a melhor forma possível de representação, forma de hierarquia obrigatoriamente discriminatória/iníqua – propôs um exercício muito mais prático de poder político e administrativo do que de hábito lhe atribuem ou mesmo de que o acusam. Significativamente, nesse processo de deturpação tendenciosa, os importantes princípios vitais da teoria de Rousseau, utilizáveis também pelos socialistas numa forma adequadamente adaptada, foram desqualificados e atirados ao mar. No entanto a verdade é que o poder da tomada de decisões fundamentais nunca deveria estar divorciado das massas populares, como foi demonstrado de modo conclusivo pela história de horror do sistema do Estado soviético, dirigido contra o povo da forma mais autoritária possível pela burocracia stalinista, em nome do socialismo. Ao mesmo tempo, a realização das funções específicas dos setores administrativo e executivo em todos os domínios do processo social reprodutivo pode ser claramente delegada a membros da comunidade, desde que isso seja feito com normas estabelecidas, de modo autônomo e devidamente controladas em todas as fases do processo de tomada de decisões substantivas por seus autores associados.
As dificuldades não residem nos dois princípios básicos formulados por Rousseau, mas na forma como eles se ligam ao controle material e político do processo social metabólico do capital. Faz-se necessário reestruturar por inteiro e radicalmente os domínios materiais antagônicos do capital para estabelecer uma forma socialista de tomada de decisões, de acordo com o princípio do poder inalienável de determinação das normas (i.e., a “soberania” da classe trabalhadora não como uma classe especial, mas como a condição universal da sociedade) e com o princípio da delegação de tarefas e funções específicas sob regras bem-definidas, distribuídas flexivelmente e supervisionadas adequadamente. Um processo que terá de ir muito além do que poderia ser regulamentado com sucesso por considerações derivadas do princípio de Rousseau sobre a soberania popular inalienável e seu corolário de delegação. Em outras palavras, numa ordem socialista o processo “legislativo” terá de ser fundido ao próprio processo de produção, de tal forma que a necessária divisão horizontal do trabalho – discutida no capítulo 14 de Para além do capital – terá de ser complementada com um sistema de coordenação autodeterminada do trabalho, desde o nível local até os níveis globais. Tal relação contrasta profundamente com a perniciosa divisão vertical do trabalho do capitalismo, que é complementada com a “separação de poderes” num “sistema político democrático” alienado e imposto de modo inalterável sobre as massas trabalhadoras. Pois, a divisão vertical do trabalho sob a lei do capital afeta necessariamente e infecta irremediavelmente todas as facetas da divisão horizontal do trabalho, desde as funções produtivas mais simples até os processos de equilíbrio mais complicados da selva legislativa. Esta última é ainda mais densa, não só porque suas infindáveis regras e constituintes institucionais têm de desempenhar seu papel vital de manter firmemente sob controle o comportamento real ou potencialmente contestatário dos trabalhadores, mas também porque têm de estar atentos às reduzidas lutas dos trabalhadores e ainda, de forma geral, salvaguardar a lei total do capital na sociedade. Também têm, de certa forma, de reconciliar, em determinadas fases do processo histórico em curso – sempre que essa reconciliação for possível –, os interesses distintos da pluralidade de capitais com as dinâmicas incontroláveis da totalidade do capital social com vista à sua auto-afirmação final como uma entidade global.
Numa recente resposta às críticas a Rousseau feitas por uma representação parlamentar, Hugo Chávez Frías, dirigente de um movimento radical na Venezuela – o Movimiento Bolivariano Revolucionario (MBR-200) – escreve em resposta à crise crônica do sistema sociopolítico do país:
“Com o aparecimento dos partidos populistas, o sufrágio transformou-se em uma ferramenta para adormecer e escravizar o povo venezuelano em nome da democracia. Durante décadas, os partidos populistas basearam seu discurso em inúmeras promessas paternalistas, com a intenção de amolecer a consciência popular. As mentiras políticas alienadoras descreviam a chegada à “terra prometida” através de um mar de rosas. A única coisa que os venezuelanos tinham de fazer era ir às urnas eleitorais e aguardar que tudo fosse resolvido sem o mínimo esforço popular… Assim, o ato do voto foi transformado no começo e no fim da democracia.”18
O autor dessas linhas encontra-se em segundo lugar na estima popular na Venezuela (logo abaixo de Rafael Caldera) entre todas as figuras públicas, de todos os estilos de vida, muito acima de todos os ambiciosos políticos partidários. Assim, poderia facilmente alcançar um alto cargo político se assim o quisesse, o que desmente o argumento habitual de que as pessoas que criticam o sistema político existente só o fazem porque não são capazes de satisfazer as difíceis exigências das eleições democráticas. Na realidade, Chávez, quando escreveu isso (em 1993), rejeitava o “canto da sereia” dos formadores de opinião política – que tentam pacificar o povo dizendo que não há necessidade de se preocupar com a crise, porque falta “apenas pouco tempo” para as novas eleições – por razões muito diferentes. Chama a atenção para o fato de que, enquanto o conselho político habitual é para “um pouco mais de paciência” até as eleições marcadas para daí a uns meses, em cada minuto nascem centenas de crianças na Venezuela, cuja saúde está ameaçada pela falta de alimentos e de medicamentos, ao mesmo tempo em que desaparecem milhões e milhões do sistema de saúde nacional, e no final o país fica completamente empobrecido. Não há razão para que se dê qualquer crédito a uma classe política que demonstrou à sociedade que não tem vontade nenhuma de instaurar qualquer mudança.19
Por isso, Chávez contrapõe ao atual sistema de representação parlamentar a idéia de que “o povo soberano deve se transformar no objeto e no sujeito do poder. Essa opção não é negociável para os revolucionários”20. Quanto ao quadro institucional dentro do qual tal princípio deve ser realizado, prevê-o no decurso de uma mudança radical:
‘O poder eleitoral do Estado federal tornar-se-á o componente político-jurídico pelo qual os cidadãos serão os depositários da soberania popular, cujo exercício se manterá, portanto, efetivamente nas mãos do povo. O poder eleitoral será alargado a todo o sistema sociopolítico da nação, estabelecendo os canais para uma verdadeira distribuição policêntrica do poder, deslocando o poder do centro para a periferia, e reforçando o poder efetivo da tomada de decisões e a autonomia das diversas comunidades e municipalidades. As Assembléias Eleitorais de cada municipalidade e estado elegerão Conselhos Eleitorais, que possuirão um caráter permanente e funcionarão com independência absoluta dos partidos políticos. Terão capacidade para estabelecer e dirigir os mais diversos mecanismos da Democracia Direta: assembléias populares, referendos, plebiscitos, iniciativas populares, vetos, revogação etc. … Assim, o conceito de democracia participativa será transformado em uma forma em que a democracia, baseada na soberania popular, se constitua como protagonista do poder. É precisamente nessas fronteiras que temos de traçar os limites do avanço da democracia bolivariana. Então estaremos muito próximos do território da utopia.”21
Se essas ideias podem vir a ser realidade ou se se mantêm como ideais utópicos, não pode ser decidido dentro dos limites da esfera política. Porque esta está necessitando do tipo de transformação radical que se anuncia com o aparecimento da perspectiva do “enfraquecimento do Estado”. Na Venezuela, não se pode considerar demasiado agressiva a condenação do oco paternalismo parlamentar, quando em muitos pontos do país 90% da população demonstra sua “rebelião contra o absurdo do voto, por meio da abstenção eleitoral”23, as práticas políticas tradicionais e o uso legitimador apologético com que se apresenta o “sistema eleitoral democrático”, que reclama falsamente para o sistema a justificação sem discussão de um “mandato conferido pela maioria”. Nem se pode argumentar seriamente que uma alta participação eleitoral é por si só prova da existência, de fato, de um consenso popular democrático. No final das contas, em algumas democracias ocidentais o ato de votar é obrigatório e pode, em seu valor legitimador, caracterizar apenas as formas mais extremas de um abstencionismo abertamente crítico ou de um pessimismo resignado.
Apesar disso, a medida de validade para submeter o sistema representativo parlamentar à necessária crítica radical é a obrigação estratégica de exercer a “soberania dos trabalhadores”, não apenas nas assembleias políticas, independentemente de quão diretas estas possam ser no que se refere a sua organização e modo de tomada de decisões políticas, mas na autodeterminada atividade da vida diária, produtiva e distributiva, dos indivíduos sociais em todos e cada um dos domínios, ou seja, em todos os níveis do processo social metabólico. É isso que traça a linha de demarcação entre a revolução socialista que é socialista em suas intenções – como a Revolução de Outubro de 1917 – e a “revolução permanente” da efetiva transformação socialista. Pois, sem a progressiva e finalmente total transferência da tomada de decisões reprodutiva e distributiva para os responsáveis associados, não pode haver esperança para os membros da comunidade pós-revolucionária de se transformarem em sujeito do poder.
Perspectivas de desenvolvimento
Como podemos ver pelas citações feitas na seção anterior de Pueblo, Sufragio y Democracia, a teimosia em almejar uma transformação socialista sustentável nos nossos dias, dentro do espírito de uma determinação radical, é deveras notável. E com razão. Pois, após tanta luta e tantos sacrifícios dedicados em todo o mundo, ao longo de séculos, à causa da emancipação humana, permanece sendo uma profunda verdade, e hoje mais do que nunca – em meio à profunda crise estrutural do sistema do capital que ameaça nossa própria sobrevivência – o fato de que “o povo soberano deve transformar-se no objeto e no sujeito do poder. Essa opção não é negociável para os revolucionários”. Uma verdade firmemente sublinhada por Chávez em seu panfleto de 1993, cinco anos antes de ser eleito presidente.
Sem essa transformação, no sentido mais profundo e mais duradouro do termo – que significa nada menos do que a necessidade de os indivíduos sociais adquirirem um controle consciente sobre suas condições de existência –, é inevitável que a velha ordem da dominação hierárquica volte a se impor, mesmo contra as melhores intenções de uma mudança radical. É isso que coloca a questão do socialismo na ordem do dia com uma urgência inegável no século XXI. Uma forma de socialismo em que – e por meio do qual – o povo possa não só vir a ser, mas também a se manter o sujeito soberano do poder em todos os domínios. Só dessa forma é possível enfrentar com sucesso os enormes desafios e os perigos cada vez maiores do nosso tempo. Claramente, não pode haver outra forma.
Nesse aspecto, o fermento social e intelectual na América Latina promete mais para o futuro do que o que podemos encontrar por ora nos países de capitalismo avançado. E é compreensível que assim seja, pois a necessidade de uma mudança deveras radical é muito mais premente na América Latina do que na Europa e nos EUA. Pois as soluções infindavelmente prometidas de “modernização” e “desenvolvimento” mostraram ser promessas vazias e um completo fracasso em relação ao povo no extremo final das políticas efetivamente adotadas. Assim, embora seja verdade que o socialismo como ordem reprodutiva social alternativa deve ser classificado como uma abordagem viável universal, abrangendo também as áreas capitalistas mais desenvolvidas do mundo, incluindo os EUA, não podemos pensar nesse problema em termos de uma seqüência temporal, de acordo com a qual uma futura revolução social nos países de capitalismo avançado tenha de tomar a precedência sobre a possibilidade de mudança radical geral. Longe disso. Visto que, diante da inércia maciça gerada pelos interesses adquiridos do capital nos países capitalistas privilegiados, ao lado da cumplicidade consensual reformista dos sindicatos em seu desenvolvimento auto-satisfatório, é muito mais provável, num futuro não muito distante, que se verifique o rebentar de uma revolução social na América Latina e não nos Estados Unidos ou na Europa Ocidental, com implicações de longo alcance para o resto do mundo.
Numa entrevista, em janeiro de 2003, o jornal diário nacional do Brasil, a Folha de S. Paulo, colocou-me esta questão: “Qual a sua opinião sobre os paralelos traçados entre Luiz Inácio Lula da Silva e outros líderes latino-americanos, como Fidel Castro e Hugo Chávez?”. Eis a minha resposta:
“Os paralelos são de longo alcance, apesar das óbvias diferenças entre as circunstâncias nas quais esses líderes radicais vieram a ocupar sua posição atual como chefes dos seus respectivos governos. Os paralelos são dominantes, porque sublinham forçosamente que toda a América Latina mostra a necessidade de uma mudança mais profunda, verdadeiramente radical… A vitória por maioria esmagadora do presidente Lula seguiu-se – e não foi por acaso – ao colapso estrondoso de todo o tipo de tentativas de acomodação na Argentina, um país considerado durante muito tempo como o modelo insuperável da América Latina. E quando falamos dos três”
líderes radicais, Lula, Fidel Castro e Chávez, não podemos esquecer o presidente Allende, que também tentou introduzir uma mudança radical em seu país, e morreu por ela. Sem dúvida, aqueles que se recusam a considerar a simples ideia de uma mudança significativa vão continuar tentando apagar o tempo em que aparecem na cena histórica líderes radicais latino-americamos. Mas, também, sem dúvida, os líderes voltarão a aparecer, vezes sem conta, enquanto as profundas razões sociais e históricas para a sua chegada não estiverem positivamente resolvidas.
Evidentemente, podemos agora acrescentar à lista dos líderes radicais latino-americanos o nome de Evo Morales, que foi eleito presidente da Bolívia com uma votação maciça nas eleições de dezembro de 2005. Sua campanha foi seguida com grande expectativa pelas massas populares de seu país, muito exploradas, especialmente porque ele prometeu levar a cabo uma revolução bolivariana de longo alcance. O apoio esmagador que recebeu quando do anúncio de seu programa é por uma clara indicação do forte desejo na Bolívia de uma mudança radical. Naturalmente, à luz das dolorosas desilusões do passado em outras partes da América Latina, teremos de ver até que ponto Evo Morales irá satisfazer as expectativas de seu povo, em circunstâncias sem dúvida muito difíceis e que ninguém pode ignorar. Mas, qualquer que venha a ser o veredicto sobre essa questão, podemos ter certeza absoluta de que, à medida que o tempo passa, aparecerão sempre mais líderes políticos radicais, em diversas partes do continente latinoamericano, incluindo os países em que as forças radicais sofreram algumas desilusões importantes no passado recente em resultado da acomodação covarde de seus governos aos ditames políticos e financeiros dos EUA. Aparecerão, forçosamente, em resposta ao aprofundamento da crise de suas sociedades, assim como do sistema do capital global em geral, com um empenho inevitável na instauração de uma alternativa viável, mesmo contra o obstrucionismo mais hostil do exterior e contra os graves problemas estruturais herdados do passado em seus próprios países. Só a articulação e a intensificação de uma alternativa radical ancorada nas largas massas populares, com uma estratégia intransigente para impulsionar uma transformação da sociedade verdadeiramente abrangente, podem indicar para uma saída do atual labirinto de contradições agora obviamente paralisante.
Naturalmente, seria uma ilusão esperar um desenvolvimento ascendente linear a esse respeito. Temos de enfrentar com bom senso o fato de que os adversários do socialismo têm enormes recursos a sua disposição, para proteger o poder do capital profundamente entrincheirado. É a dimensão negativa do grande desafio histórico que devemos encarar. Mas, ao mesmo tempo, a condição positiva para um sucesso duradouro ainda tem mais peso. Pois a elaboração de estratégias socialistas viáveis, assim como a articulação e a consolidação bem-sucedidas das formas organizacionais correspondentes, tanto internamente como no plano internacional, continuam sendo um desafio fundamental para o futuro. Dadas essas razões, não se pode desprezar atrasos realistas e, mesmo, recuos importantes, independentemente de quão grande seja a necessidade de soluções positivas e de quão promissoras forem as realizações iniciais.
No Brasil, a ala radical do movimento da classe trabalhadora, tanto nos sindicatos como nos partidos políticos, desempenhou um papel crucial para pôr fim à ditadura militar, apoiada pelos EUA, há bem mais de duas décadas. Inspirou movimentos radicais por toda a América Latina. Mais ainda, subsequentemente, o PT registrou um grande sucesso eleitoral com a chegada de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência da República. E, no entanto, apesar de algumas inegáveis realizações tangíveis em áreas limitadas, a ordem do capital, há muito estabelecida no Brasil, conseguiu se manter firmemente no controle do processo de reprodução social geral, marginalizando seus opositores na política, para grande desapontamento das forças populares de todo o país. Compreensivelmente, portanto, os militantes socialistas no Brasil se vêem forçados a argumentar hoje que, ainda, há um longo caminho a percorrer antes que se possa afirmar que as restrições herdadas da esquerda histórica organizada – que tendiam a ser confinadas em todos os países capitalistas a um espaço e a um papel políticos dificilmente compatíveis com o modo de operação da velha ordem – se alteraram de maneira significativa, para não dizer que foram ultrapassadas em uma base duradoura.
Mas, mesmo assim, apesar de todos os atrasos identificáveis e potenciais, seria completamente errado pintar um quadro pessimista a respeito das perspectivas dos desenvolvimentos em geral, no que se refere à viabilidade contínua (ou não) do sistema do capital em seu todo. Porque é muito importante sublinhar que, apesar dos sucessos espantosos do capital nas últimas duas décadas em diversas partes do mundo, principalmente nas antigas sociedades de “socialismo realmente existente”, as forças que concorrem para a instituição de uma ordem social radicalmente diferente encontraram manifestações encorajadoras em diversos locais do “quintal geopolítico” dos Estados Unidos, entre eles não apenas a Venezuela, mas também os militantes que continuam a desafiar as injustas vantagens concedidas à ordem estabelecida na Colômbia.
Além disso, é muito significativo que os movimentos sociais radicais, em diversas partes do mundo, independentemente de estarem relativamente fracos no momento atual, livram-se progressivamente das limitações organizativas da esquerda política tradicional, geradas historicamente, mas, agora, completamente anacrônicas. Não estão mais dispostos a aceitar a explicação simplista de que o fracasso de algumas estratégias adotadas no passado, assim como a correspondente implosão sofrida pelo movimento socialista, foi acidental ou simples questão de traições pessoais. Percebendo que é necessário um novo exame crítico – e autocrítico – de algumas importantes concepções estratégicas e organizativas do passado, com base nas nas circunstâncias históricas atuais, estão empenhados em um processo doloroso, mas necessário, de reorientação de suas forças. Pretendem implementar pela ação não apenas a necessária negação do que existe, mas também a dimensão positiva de uma alternativa hegemônica sustentável. É importante salientar essa circunstância para poder combater a difundida propaganda da ordem instituída, que continua a apregoar seu triunfo permanente sobre seus adversários socialistas de outrora.
Quando a primeira-ministra Margaret Thatcher – dedicada partidária ideológica e política do neoliberalismo na Grã-Bretanha – conseguiu derrotar a longa greve de um ano dos mineiros ingleses, gastando impiedosamente contra eles todos os recursos econômicos e policiais do Estado capitalista, com uma ajuda nada desprezível do próprio Partido Trabalhista (apesar de o Partido Trabalhista ainda estar na oposição), gabou-se de ter se “despedido do socialismo para sempre”. A declaração foi uma presunção ridícula, apesar de parecer confirmada pela apressada transformação, submissa, do Partido Trabalhista britânico em “Novo Trabalhista”: o “amigo dos negócios”, nas palavras de seus líderes, ou melhor ainda, o Big Business. Na realidade, o alastramento relativamente fácil do neoliberalismo a partir dos anos 1970, não foi apenas um fenômeno britânico, mas uma impressionante evolução internacional, que se estendeu de uma forma ou de outra a todo o planeta.
O que é ainda mais importante realçar, nesse sentido, é que o reforço brutal dos principais dogmas do neoliberalismo praticamente por toda a parte – surpreendentemente até mesmo nas sociedades de “socialismo realmente existente”, como eram chamadas antigamente – não foi, de forma alguma, a manifestação de uma revitalização irresistível do capital, dando-lhe saúde para assegurar-se permanentemente em direção ao futuro. Pelo contrário, foi provocado pelo aparecimento da crise estrutural do sistema, devido às margens perigosamente reduzidas da expansão do capital sustentável. Em resposta a essa crise estrutural qualitativamente nova, só era possível assumir uma postura ainda mais agressiva.
Desse modo, ao longo de sua evolução, nas últimas três décadas, o capital teve de pôr de lado as “concessões” do Estado de bem-estar social, anteriormente concedidas aos trabalhadores. É preciso notar que não precisou pagar absolutamente nada na época em que o Estado de bem-estar social começou a existir, já que as alegadas “concessões” faziam parte das dinâmicas da expansão do capital despreocupada e altamente lucrativa do pós-guerra. O insensível espírito do neoliberalismo redefiniu a orientação estratégica da ordem instituída, colocando em prática políticas cada vez mais exploradoras e repressivas, ditadas pela grosseira rotação autoritária do capital e por sua cínica justificação ideológica.
Com efeito, o que torna muito piores esses fatos para os adeptos do capital é não ser possível, de forma alguma, afirmar que, por sua postura abertamente autoritária, o neoliberalismo conseguiu resolver a crise estrutural do sistema, abrindo as portas para uma nova fase de expansão da riqueza, como prometeu repetidas vezes, mas nunca cumpriu. O fato de nos últimos anos os poderes dominantes do capital global terem chegado ao ponto de se empenhar nas mais agressivas e catastróficas aventuras esbanjadoras, incluindo o desencadear de guerras genocidas – cínica e hipocritamente em nome da “democracia e liberdade” – para as quais parece não haver “estratégia de saída”23 (para usar as suaves palavras críticas dos próprios apoiadores do sistema), demonstra o total fracasso das soluções experimentadas, além do significativo agravamento da própria crise.
Outra dimensão, do mesmo problema, diz respeito diretamente às perspectivas de evolução da força do trabalho como antagonista estrutural do capital. Em contraste com todo o falatório sobre a propalada “integração da classe trabalhadora”, encontramos hoje uma deturpação total da – indubitavelmente concretizada – capitulação da tradicional liderança política dos trabalhadores, como sendo uma integração necessária e inalterável para todo o sempre da própria classe trabalhadora, isto é, a integração irreversível da única força social capaz de oferecer uma alternativa hegemônica à lei do capital. Uma lei que deixou de ser sustentável numa base duradoura – por causa de suas determinações internas, cada vez mais destruidoras.
É verdade que a transformação submissa do Partido Trabalhista britânico em “Novo Trabalhista” não foi de forma alguma um fenômeno isolado. Na mesma época, alguns partidos bem à esquerda do Partido Trabalhista britânico – por exemplo, os Partidos Comunistas francês e italiano – seguiram rumos igualmente negativos. Os apologistas da ordem instituída festejam todas as metamorfoses, tal como festejaram a bem-sucedida imposição do neoliberalismo por toda a parte. Ou seja, como a feliz prova da revitalização duradoura do sistema do capital e, por consequência, como o triunfo sem contestação da opinião arbitrariamente proclamada segundo a qual “não há alternativa”.
No entanto, tal interpretação dos acontecimentos e evoluções, que formam um todo, não pode mais ser míope e errada. A própria evidência histórica aponta na direção oposta – justamente porque, em muitos países, as tradicionais forças predominantes da esquerda se subordinaram, de forma incondicional, aos ditames do capital em época de crises estruturais. A verdade, pensamento que deve ser desconfortável para os defensores da ordem existente, é que, mesmo a mais submissa acomodação da tradicional liderança dos trabalhadores – na ausência de uma estratégia viável própria desde os tempos do oco slogan de “socialismo evolutivo” velho de mais de um século, e agora abandonado –, é completamente incapaz de remediar a situação. Nesse sentido, a verdade mais perturbadora é que nada parece funcionar, mesmo a curto prazo, nas atuais circunstâncias históricas, sem a intensificação da agressividade socioeconômica do capital e sua extensão direta a uma violência do Estado crescente.
O que realmente aconteceu por meio da imposição do neoliberalismo, com a mais ativa contribuição dos próprios sindicatos reformistas em diversos países – na Grã-Bretanha, no governo de Harold Wilson, já com o ministro de Assuntos Econômicos do Partido Trabalhista, Dennis Healy, que iniciou o primeiro assalto das brutais políticas neoliberais, bem antes de Margaret Thatcher –, foi o abandono final da “grande ilusão”, segundo a qual uma acomodação de classe e uma reforma gradual eram as únicas respostas para os graves problemas estruturais da sociedade.
Fazer depender a eliminação dos graves defeitos estruturais do sistema do capital de remendos graduais possíveis temporariamente e limitados conjunturalmente foi, é evidente, uma contradição de conceitos desde o início. Claro que a circunstância ditou o destino do “socialismo evolutivo”, embora se tenha demorado a abandonar a abordagem mistificadora – finalmente, foi deixada de lado até mesmo por seus principais proponentes. Como é hoje dolorosamente óbvio, pelo fracasso humilhante das estratégias mais acomodatícias que se viram em toda a história dos sindicatos reformistas, a acomodação de classe e a reforma gradual não foram resposta alguma para os cada vez mais graves problemas sistêmicos da estrutura social instituída. Nem poderiam ser.
A raiz do neoliberalismo agressivo está na perigosa diminuição do intervalo entre a desatravancada expansão do capital e o crescimento de amortecedores de conflitos, o que leva o sistema a ter cada vez menos capacidade para gerir, sem aventureirismo destrutivo, seus principais problemas estruturais, sem haver oposição dos sindicatos anteriormente reformistas, hoje ao lado do capital neoliberal. Tudo isso realça a gravidade da crise de nossos tempos e o total absurdo dos discursos sobre ter-se “despedido do socialismo para sempre”. Pois a desatravancada expansão do capital – em conjunto com o crescimento de amortecedores de conflitos – e a tranquila acomodação submissa dos sindicatos reformistas à lei do capital são dois lados da mesma moeda.
Como a via para a tranquila e sustentável expansão do capital está reduzida, e acabará por ficar bloqueada pelo aprofundamento da crise estrutural do sistema, a principal força motivadora para a auto-acomodação voluntária dos trabalhadores tornar-se-á fraca quando os fatos começarem a se esclarecer. Isso é assim, mesmo se, no início da espiral descendente, a liderança trabalhista reformista – que nunca teve outro conceito de melhoria socioeconômica além da aceitação agradecida de uma fatia maior do “bolo crescente” da sociedade que recebia da mão benevolente do capital: um bolo proverbial que outrora se considerava cegamente ser do tipo de crescimento eterno – tente fazer tudo o que estiver a seu alcance para minimizar as consequências negativas e fatalmente desestabilizadoras do fracasso do capital em “cumprir as promessas”. Adota uma posição incondicional e humilhantemente serviçal diante do capital, na vã esperança de contribuir com êxito para a revitalização e funcionamento saudável do sistema. E faz isso com o espírito untuoso de “não há alternativa” para manter as ordens socioeconômica e política instituídas. Claro, nessas circunstâncias volta-se a recitar vezes sem conta o esconjuro, podre de velho, do “keynesianismo de esquerda”. Mas não pode haver nada que lhe confira realidade.
Assim, tanto a permanência do neoliberalismo (muitas vezes associada à grotesca pseudoteoria que prega um “fim de história” quando da feliz chegada do neoliberalismo) quanto a proclamada necessidade absoluta da eterna auto-acomodação dos trabalhadores não são mais do que ilusões ópticas enganadoras, desenhadas para a conveniência da ordem instituída. São temporariamente reforçadas de duas maneiras. De um lado, pela bem compreensível aliança positiva do neoliberalismo com seu recém-achado interlocutor ideal, o trabalhismo submisso. E, de outro, pela necessidade de o trabalhismo autoacomodatício ter um adversário um tanto engrandecido (poderoso, mas “razoável” e benevolente), promovido ao status de um verdadeiro “parceiro”, agora respeitavelmente descrito como “produtor de riqueza”, apesar do crescente parasitismo de sua dimensão dominante, o capital financeiro especulativo. Dessa forma, o trabalhismo reformista justifica diante de seus apoiadores eleitorais sua cumplicidade aberta com a perpetuação da grosseira ordem exploradora tal como existe, nada embaraçado por ter abandonado suas antigas aspirações reformistas de “mudança gradual” para uma ordem justa, alternativa outrora prometida, em favor de uma base hoje proclamada ainda mais vazia de que “não pode haver qualquer alternativa”.
Porém, surgiu na agenda histórica a necessidade vital de uma alternativa hegemônica à lei do capital. Visto que todas as modalidades conhecidas de acomodação reformista, ao longo de 130 anos de história (desde o tempo do “Programa de Gotha”), não conseguiram ter o mais ínfimo impacto nas graves contradições e desumanidades do sistema do capital. Esse estado de coisas podia manter-se, apesar dos antagonismos e desumanidades do sistema, se o capital conseguisse se impor – se possível com a ajuda de realizações produtivas, ou mesmo pela força bruta – como o controlador incontestado da reprodução social. Mas é precisamente isso que está se tornando extremamente problemático em nossos dias. Extremamente problemático até, em parte, porque, mesmo a postura mais autoritária do capital, ao lado de uma acomodação submissa do trabalhismo reformista hoje total, não consegue produzir a prometida expansão econômica da riqueza. E, ainda mais importante, porque os agressivos acontecimentos aventureiros em curso puseram nitidamente em relevo a perigosa direção do capital para a destruição da humanidade, irracionalmente no interesse da sobrevivência a todo o custo da ordem reprodutiva instituída, para a qual o capital na verdade não pode conceber, quanto mais aceitar, qualquer alternativa.
Seguir a “linha da menor resistência” é, por definição, sempre muito mais fácil do que lutar pela instituição de uma alternativa hegemônica realmente possível. Porque esta última requer não só um empenho ativo à causa escolhida pelos participantes, mas também a aceitação de prováveis sacrifícios. É esse o grande trunfo de nossos adversários, o que realça a importância vital da elaboração e implementação de estratégias políticas e sociais viáveis para combater a significativa vantagem posicional da inércia institucionalizada. Já que, num aspecto, não é possível o necessário afastamento das ilusões ópticas enganadoras acima mencionadas – em especial a permanência absoluta do neoliberalismo e da benéfica auto-acomodação do trabalhismo para com ele – sem uma consciência absoluta do que hoje está realmente em jogo para garantir a sobrevivência da humanidade e, em outro aspecto, sem um empenhamento prático na necessária transformação fundamental da atual ordem social em seu todo, dentro do espírito de uma determinação radical.
Remendar aqui e ali, nos tempos atuais, não conduz a parte alguma. Só conseguirá reforçar a posição de vantagem dos que detêm hoje o controle do sistema do capital historicamente anacrônico. Em outras palavras, combater com sucesso as mistificações da invencibilidade neoliberal sustentada ativamente pelo trabalhismo acomodatício não é apenas uma questão de esclarecimento ideológico. A batalha não pode ser ganha apenas no terreno da persuasão política, visto que as convicções consistentemente críticas coexistem com freqüência com a impotência prática. Só é possível um êxito duradouro por meio da mobilização sustentada, de forma organizada, das grandes massas do povo para a realização de uma alternativa hegemônica abrangente ao modo de reprodução social metabólico existente.
O espírito de determinação radical hoje é inseparável de um empenho firme – exigido pela necessidade de enfrentar os perigosos desenvolvimentos históricos – para a instauração da desejada alternativa hegemônica à lei do capital cada vez mais aventureirista e destrutiva. É por isso que o presidente Chávez salientou, repetidas vezes, a inevitabilidade do dilema de socialismo ou barbárie nos nossos dias, e a correspondente necessidade de envolvimento na única forma possível de ação bem-sucedida: uma ofensiva estratégica sustentável, dada a magnitude e a urgência literalmente vital da tarefa histórica. Em sua intervenção no Fórum Social Mundial de janeiro de 2003, em Porto Alegre, ele alertou com toda a razão para a prejudicial tentativa de permitir que as reuniões mundiais dos principais movimentos sociais se transformem em acontecimentos folclóricos ritualizados anualmente. E repetiu o mesmo alerta no Fórum Social Mundial de janeiro de 2006, em Caracas, insistindo que a transformação dos movimentos sociais potencialmente radicais num encontro turístico/folclórico seria terrível, porque estaríamos apenas perdendo tempo, e não temos tempo a perder. Creio que não nos é permitido falar em termos de séculos futuros… não temos tempo a perder; o desafio é salvar as condições de vida neste planeta, salvar a espécie humana, modificar o curso da história, mudar o mundo.24
Nesse sentido, para ir ao encontro do desafio histórico de nossos dias, radicalmente novo, que diz respeito à sobrevivência da humanidade, o projeto original bolivariano deve ser modificado em duas de suas dimensões fundamentais. Num primeiro aspecto, a necessária mudança qualitativa afeta diretamente a superimportante questão da igualdade e, em outro aspecto, tem de considerar o dilema não resolvido, nem mesmo pelos maiores e mais radicais pensadores políticos do Iluminismo, incluindo Rousseau (que foi em muitos aspectos
o modelo insuperável para o próprio Bolívar). A saber: como ultrapassar numa base duradoura – ou, pelo menos, como arranjar um denominador comum sustentável para um inevitável período de transição – os conflituosos e potencialmente desintegradores interesses produtores em ação na sociedade.
Como é óbvio, essas duas dimensões fundamentais de uma solução historicamente viável para os grandes dilemas da humanidade – que apareceram em suas primeiras formulações utópicas milhares de anos antes do Iluminismo, mas se mantiveram sempre frustradas e marginalizadas desde esses dias longínquos – estão estreitamente entrelaçadas. É impensável ultrapassar as contradições, potencialmente mais ameaçadoras, explosivas até, e os interesses que se excluem mutuamente, condições perpetuadas pela estrutura social instituída há muito antagônica, sem encontrar uma solução viável – de forma substantiva – para o problema da igualdade que, historicamente, tem se mostrado rebelde, e cujas formas (em princípio reversíveis) de tratamento legal apenas arranham a superfície. E vice-versa: é impensável encontrar uma solução substantiva, e portanto irreversível legalmente, para a questão seminal, sobre a qual repousam todos os outros valores sociais recomendáveis – nas palavras memoráveis de Bolívar, “de todas as liberdades para todos os direitos”, incluindo a justiça – sem relegar de forma permanente para o passado histórico os conflitos e antagonismos gerados necessariamente e reproduzidos de uma forma ou de outra pelas relações sociais substantivas (e não apenas legalmente codificadas), entrincheiradas estrutural/hierarquicamente e salvaguardadas.
No mais profundo sentido das questões em jogo, as duas dimensões fundamentais dos grandes dilemas da humanidade estão unidas – dissociadas porque foi assim que foram tratadas no discurso político do passado. E, mais importante ainda, têm de ser dissociadas para a elaboração de uma solução prática viável e duradoura – e hoje historicamente possível e necessária – para as explosivas contradições da sociedade. No entanto, hoje, à luz das desilusões passadas, temos de estar conscientes do fato extremamente complicado de que elas são inseparáveis em sua substância mais íntima. Pois se deve à indiferença passada – determinada socialmente – quanto a sua inseparabilidade substantiva que até as intenções mais nobres para ultrapassar as violações da igualdade mediante uma reforma legislativa (que pode ser necessária como primeiro passo sob determinadas circunstâncias históricas)25, mas deixando ao mesmo tempo as hierarquias substantivas entrincheiradas em seu lugar na sociedade, acabaram por sofrer revezes, mais cedo ou mais tarde.
Temos de recordar a esse respeito que, para Bolívar, a igualdade era “a lei das leis” porque “sem igualdade, todas as liberdades, todos os direitos desaparecem. Por ela devemos fazer todos os sacrifícios”. Definindo o problema dessa forma, Bolívar faz um apelo direto ao espírito de esclarecimento e moral de seus colegas legisladores. Assim como caracterizou as duas exigências básicas de uma forma de legislação politicamente viável, em seu discurso no Congresso de Angostura: “A moral e o esclarecimento são os pólos de uma República; a moral e o esclarecimento são nossas necessidades primárias”26. Embora esta fosse uma fórmula indubitavelmente válida para alguns princípios políticos vitais orientadores em um dado contexto social, a forma como Bolívar definiu o problema da igualdade, como uma igualdade promulgada legalmente, dependente da visão esclarecida e da compreensão moral de seus colegas legisladores (muitos dos quais na verdade estavam pouco dispostos a fazer os sacrifícios estipulados), impôs inevitavelmente restrições à abordagem radical de Bolívar. Com efeito, as qualificações por ele expressas em algumas ocasiões27 indicaram, pelo menos em suas implicações, sua consciência dos limites sociais do nível de igualdade efetivamente atingido. Afinal de contas, até a emancipação legal dos escravos podia vir a ser posteriormente cancelada por um conjunto de alternativas pseudocontratuais legalmente estabelecidas, que cinicamente mantinham muitas das características da escravatura anterior, incluindo o acordo brutalmente escravizante chamado de “trabalho indentado”, para não falar do triunfo substantivo da escravatura salarial por toda a parte, glorificado nos anais da economia política liberal como “trabalho livre”. E, mais uma pequena nota: sob as circunstâncias predominantes na época de Bolívar na América Latina, o grau do radicalismo social e político por ele defendido provou estar adiantado demais para muitos de seus contemporâneos.
Quanto à igualdade substantiva28, sua realização é sem dúvida a maior e mais difícil de todas as tarefas históricas. Por isso mesmo, o avanço real na direção de uma igualdade substantiva só se torna possível quando as condições objetivas materiais de sua realização – incluindo a potencialidade produtiva positiva da sociedade, historicamente atingida – forem adequadamente acompanhadas no nível das ideias e dos valores. Estes últimos bem podem ser chamados de condições espirituais para a derrota das antigas hierarquias sociais, estruturalmente entrincheiradas durante milhares de anos e reforçadas pela mais problemática cultura da desigualdade substantiva, mesmo nos escritos de alguns dos maiores intelectuais da burguesia progressista. Dadas as circunstâncias, o êxito só é possível se forem satisfeitas historicamente algumas condições vitais. Pois, de um lado, a “distribuição justa da pobreza”, na ausência de requisitos materiais favoráveis, não pode ser sustentada socialmente como uma condição de normalidade durante muito tempo. Simultaneamente, de outro lado, a pretensa realização da “abundância material” – isto é, o pernicioso mito da “sociedade abundante” – não pode resolver absolutamente nada se faltar uma dedicação genuína à solidariedade mutuamente benéfica (e valores associados), sejam quais forem as razões, no conceito de avanço produtivo do indivíduo, independentemente do grau de conhecimento disponível da prática tecnológica e científica que possa existir, em dadas circunstâncias. Na ausência de valores que possibilitem o desenvolvimento global de uma individualidade rica, em vez da atual competitividade antagonista dominante, toda a abundância material festejada de modo fetichista é transformada invariavelmente em uma escassez que nunca poderá ser eliminada e, por conseguinte, o círculo vicioso autojustificante do “progresso” devastador para a conversão irracional de uma potencialidade produtiva cada vez maior em uma realidade destrutiva pode continuar livremente até que uma catástrofe global a faça parar.
É aqui o ponto em que podemos ver a linha de demarcação que nos separa do passado, na qual só poderá haver preocupação com a igualdade, mesmo para os estadistas mais esclarecidos, como um objetivo político legalmente definido (e restritivo). Foi também forçosamente o caso quando as questões em jogo tinham importantes conotações sociais, tal como a libertação formal – mas de forma alguma a verdadeira emancipação socioeconômica – dos escravos. O que é radicalmente novo em nossas condições de existência na atual época histórica é que não pode haver êxito duradouro na luta pela sobrevivência da humanidade sem o estabelecimento de uma ordem social baseada em uma igualdade substantiva como princípio orientador central da esfera da produção e distribuição. E é assim porque a capacidade de destruição incorrigível do capital afeta, em nossos dias, todas as pequenas facetas de nossa vida, desde a irresponsável dilapidação de objetivos produtivos orientados para o lucro até à degradação suicida da natureza, assim como a exaustão irreversível de seus recursos reprodutivos vitais, e desde a desumanizante produção maciça de “gente supérflua”, sob a forma de desemprego crônico, até as mais extremas variedades do atual aventureirismo militar, acompanhado da ultrajante justificação de nada menos do que o uso de armas nucleares pelo país imperialista dominante, os EUA, feita não só retrospectivamente, em relação ao atentado inesquecível contra o povo de Hiroshima e de Nagasaki, mas de forma mais sinistra também em relação ao futuro. Nesse sentido, a defesa tradicional das personificações do capital de “imaginar o inimaginável” – em seu espírito autocongratulatório que proclama as virtudes de uma “destruição produtiva” levada a bom termo – encontra sua realização final em uma forma em que a contemplação e a ameaça da destruição da humanidade, absurdamente no interesse da sobrevivência do sistema socioeconômico a qualquer preço, é legitimada como um objetivo estratégico necessário pela mais poderosa formação estatal do capital.
Na raiz de todas as manifestações destrutivas, encontramos os imperativos intransponíveis que emergem das hierarquias estruturais autoperpetuantes da ordem instituída, que excluem obrigatoriamente qualquer alternativa racional ao modo de controle social metabólico do capital. Evidentemente, compreende-se que as considerações de igualdade substantiva não podem fazer parte do quadro do capital das tomadas de decisão quando o essencial está em jogo. Isso torna extremamente grave a crise estrutural de nosso sistema de controle reprodutivo social na presente conjuntura histórica, indicando ao mesmo tempo a única forma viável de ultrapassá-la. As determinações destrutivas da ordem instituída exigem hoje uma mudança estrutural fundamental no interesse da sobrevivência humana.
Como a desigualdade estruturalmente imposta é a característica definidora mais importante do sistema do capital, sem a qual este não poderia funcionar nem um só dia, torna-se necessária a instauração de uma mudança estrutural fundamental para produzir uma alternativa substantivamente igual como única forma futura viável para o controle social metabólico da humanidade. Além disso, não pode estar em jogo nenhum objetivo mais elevado para os seres humanos do que garantir e salvaguardar a sobrevivência e o avanço positivo da humanidade, a possibilidade de instituir uma ordem humanamente satisfatória de igualdade social substantiva que, nas atuais circunstâncias, não é uma possibilidade abstrata, mas uma necessidade vital. Por isso, as forças dedicadas a essa grandiosa tarefa histórica podem aspirar à realização de seu objetivo com a racionalidade a seu lado, confiantes da total justificação dos valores por elas defendidos em sua luta contra o imperialismo, o monopólio e a opressão, em profundo contraste com seus adversários. Na verdade, vivemos em uma época que se pode chamar de choque de imperativos, embora de forma alguma de “choque de civilizações”. A confrontação crítica de nossos dias afirma-se como um imperativo para criar uma ordem social igual e sustentável – isto é, uma ordem que seja sustentável historicamente, justamente em virtude de sua determinação mais íntima de ser igual e justa em todas as suas dimensões substantivas –, contra os imperativos insuperáveis do capital de autopreservação destrutiva. Dada a natureza das questões envolvidas e a urgência de sua concretização, nunca houve uma perspectiva comparável, nem sequer de perto, para tornar realidade a defesa já antiga da igualdade substantiva como a principal determinação da mudança humana.
Nesse sentido, também devem ser reexaminadas as razões para a questão cronicamente ainda por resolver de como ultrapassar, numa base duradoura, os interesses produtores conflituosos e potencialmente desintegradores que atuam na sociedade. A resposta dada no passado até pelos estadistas mais esclarecidos, incluindo Bolívar, era equilibrar politicamente as diferentes forças sociais, de forma “a manter o equilibrium não só entre os membros do Governo, mas também entre as diferentes frações que compõem nossa sociedade”29. Essa estratégia acabou por se revelar frágil em seus próprios termos de referência, resultando em convulsões periódicas e retrocessos em seu cenário político, apesar do fato de que o que estava em jogo se referia apenas à redefinição parcial e à redistribuição do quinhão relativo das diferentes forças sociais nas relações de poder estruturalmente dadas. No entanto, os parâmetros estruturais hierárquicos da ordem social dada não foram eles mesmos postos em questão. Pelo contrário, tinham de ser considerados como garantidos pelos princípios orientadores do “equilíbrio”. Em contraste, está hoje na ordem do dia a discussão radical dos parâmetros estruturais do sistema social instituído. Pois, evidentemente, até o equilíbrio político mais hábil das forças sociais sob a lei do capital não consegue realizar a tarefa de instituir a exigida mudança estrutural fundamental, independentemente de quão forte seja a sua necessidade, como parece ser o caso hoje. É por isso que só a busca consistente do objetivo para estabelecer uma ordem social de igualdade substantiva consegue responder ao desafio histórico de nossos dias, sob as condições da irreversível crise estrutural do sistema do capital.
Como vimos antes, no fim de sua vida, Bolívar foi forçado a reconhecer que, tragicamente, o dia da América, tal como ele tinha previsto anteriormente, ainda não havia chegado. Hoje, a situação é muito diferente, em virtude de uma série de determinações fundamentais. Em outras palavras, o “dia da América” de Bolívar já chegou no sentido em que as condições antiquíssimas da dominação quase colonial da América Latina pelos Estados Unidos não podem se perpetuar no futuro. Quanto a isso, os interesses da soberania nacional, política e socioeconomicamente, dos países latino-americanos coincidem totalmente com o impulso necessário para superar os descontentamentos gerais, já que o domínio nacional de muitos países, há muito predominante, por alguns poderes imperialistas se tornou um anacronismo histórico irremediável.
A nova condição histórica não pode ser desfeita pelo fato de os antigos poderes imperialistas, e acima de tudo o mais poderoso de todos, os Estados Unidos da América, estarem tentando fazer as rodas da história andarem para trás e recolonizar o mundo. Seu desígnio para esse fim já é visível na forma como empreenderam recentemente algumas aventuras militares devastadoras sob o pretexto da chamada “guerra contra o terrorismo”. Com efeito, a nova panacéia dos poderes mais agressivos é afirmar que embarcar no que de fato representa uma grosseira aventura recolonizadora – na África e no Sudeste da Ásia, assim como na América Latina – é uma condição essencial para o êxito de sua virtuosa “guerra contra o terrorismo internacional” na “nova ordem mundial”. Mas estão condenados a fracassar.
No passado, muitas tentativas de corrigir justificáveis descontentamentos nacionais foram sabotadas pela adoção de estratégias chauvinistas. Visto que, dada a natureza dos problemas em jogo, os interesses nacionais reprimidos não podem prevalecer à custa dos objetivos sociais viáveis de outras nações, violando assim as necessárias condições internacionais totalmente igualadas das relações interestados. Assim, não podia ser mais clara a validade histórica a longo prazo do projeto bolivariano, que reivindica a unidade estratégica e a igualdade dos países latinoamericanos, não apenas contra os EUA, mas no seio do quadro mais amplo da desejada associação internacional harmoniosa de todos. Com efeito, concretizando sua unidade social e política baseada na solidariedade, os países latino-americanos podem desempenhar hoje um papel pioneiro, no interesse de toda a humanidade. Nenhum deles pode ter êxito sozinho, mesmo negativamente, contra seu poderoso antagonista na América do Norte, mas, em conjunto, podem mostrar a todos nós uma saída para a frente, de forma exemplar. Só a renovação histórica adequada e a busca consistente de uma estratégia capaz de reduzir as dimensões nacionais e internacionais da mudança social a um denominador comum por toda a parte, no espírito de uma determinação radical, pode resolver a grave crise estrutural da nossa ordem social.
Notas
1. “Juro delante de usted; juro por el Dios de mis padres; juro por ellos; juro por mi honor, y juro por mi patria, que no daré descanso a mi brazo, ni reposo a mi alma, hasta que haya roto las cadenas que nos oprimen por voluntad del poder español.”
2. “La ley de las leyes: la Igualdad. Sin ella perecen todas las libertades, todos los derechos. A ella debemos hacer los sacrificios.”
3. “Yo abandono a vuestra soberana decision la reforma o la revocación de todos mis estatutos y decretos; pero imploro la confirmación de la libertad absoluta de los esclavos, como imploraría mi vida y la vida de la República.”
4. “Los Estados Unidos de Norteamérica parecen destinados por la providencia para plagar la América de miseria a nombre de la Libertad.”
5. Robert B. Reich, secretário do Trabalho de Clinton e ex-professor da Universidade Harvard, defendia a adoção efetiva do “nacionalismo econômico positivo” em seu próprio país. Ver seu livro, The Work of Nations: A Blueprint for the Future (Hemel Hempstead, Simon & Schuster, 1994) p. 311.
6. Moynihan afirmou, de forma autoritária, que a democracia não é “uma opção universal para todas as nações” em seu livro Pandaemonium: Ethnicity in International Relations (Oxford, Oxford University Press, 1993), p. 169.
7. “La igualdad legal es indispensable donde hay desigualdad física, para corregir en cierto modo la injusticia de la naturaleza.”
8. “El peligroso loco del Sur.”
9. “El día de la América ha llegado, y ningún poder humano puede retardar el curso de la naturaleza, guiado por la mano de la providencia.”
10. Ver José Martí, “Discurso”, proferido em Hardman Hall, Nova York, em 10 de outubro de 1890, e “La Verdad Sobre los Estados Unidos”, Patria, 17/04/1884.
11. “Acaso sólo allí podrá fijarse algún día la capital de la tierra, como pretendió Constantino que fuese Bizancio la del antiguo hemisferio.”
12. Ver, em especial: “Hay que ir organizando un gran movimiento continental”, discurso proferido na Universidad Nacional de Asunción, no Paraguai, em 20 de junho de 2005, e “La Revolución Bolivariana y la construcción del socialismo en el siglo XXI,” proferido em Caracas em 13 de agosto de 2005. Para uma importante entrevista recente, ver Manuel Cabieses: ”¿Qué diferenciaría al socialismo del siglo XXI de aquel socialismo que se derrumbo?/¿Donde va Chávez?”, Punto Final, n. 598, 19/8/2005.
13. Em 6 de dezembro de 1998, Hugo Chávez Frías foi eleito presidente da Venezuela no primeiro turno das eleições, com retumbantes 56,24% dos votos. Assim, todos os outros candidatos em conjunto tiveram de se contentar com apenas 43,76% dos votos válidos.
14. As páginas aqui reimpressas constituem a seção 18.4.3 de Para além do capital. A seção 18.4 do capítulo 18 intitula-se “A necessidade de se contrapor à força extraparlamentar do capital”, p. 787-860 da edição brasileira. O capítulo 18 também está disponível aqui.
15. Jean-Jacques Rousseau, The Social Contract (Londres, Everyman Edition), p. 78.
16. Ibidem,p.79. 17 Ibidem,p.42.
18. Hugo Chávez Frias, Pueblo, Sufragio y Democracia (Yara, Ediciones MBR-200, 1993), p. 5-6. 19 Ibidem,p.9. 20 Ibidem,p.11.
21. Ibidem,p.8-11.
22. Ibidem,p.9.
23. Os dirigentes políticos mais reacionários do poder imperialista hegemônico defendem, repetidas vezes, novos objetivos militares para continuar a desencadear “guerras preventivas” desavergonhadamente agressivas, como uma alegada solução da crise, contra países que vão desde o Irã e a Síria até a Coréia do Norte e outros integrantes do grupo arbitrariamente chamado “Eixo do Mal”. São encorajados pelas ainda mais extremistas eminências pardas de seus governos, considerando assim, esperançosamente, mas de forma absurda, que a necessária solução benéfica será a imposição ditatorial de uma forma de ação que só poderá agravar os problemas do sistema até a catastrófica explosão global.
24. “[…] seria nefasto, así lo creo, que permitamos que el Foro Social Mundial se folklorice, que se convierta en un encuentro folklórico de todos los años. Encuentro turístico, folklórico, eso seria terrible, porque estaríamos sencillamente perdiendo el tiempo y no estamos para perder el tiempo. […] Creo que a nosotros no nos está dado el pensar en los siglos futuros […] no estamos para perder tiempo, se trata de salvar la vida en el planeta, se trata de salvar la especie humana, cambiando el rumbo de la historia, cambiando el mundo.” Hugo Rafael Chávez Frías, Closing Speech at the VIth World Social Forum, 27 de janeiro de 2006.
25. Por exemplo, quando um líder político radical chega à posição de chefia do governo de seu país por um processo eleitoral – a que se segue a instituição de uma Assembleia Constituinte – e não por uma revolução social e política abrangente. Basta pensar, quanto a isso, no contraste entre Venezuela e Cuba.
26.“Moral y luces son los polo sde una Republica; moral y luces son nuestras primeras necesidades.”
27. Por exemplo, quando se dirigia a uma assembleia de soldados desta forma: “¡Soldados! Vosotros lo sabeis. La igualdad, la libertad y la independencia son nuestra divisa. ¿La humanidad no ha recobrado sus derechos por nuestras leyes? Nuestras armas, ¿no han roto las cadenas de los esclavos? La odiosa diferencia de clases y colores, ¿no ha sido abolida para siempre? Los bienes nacionales, ¿no se han mandado repartir entre vosotros? ¿La fortuna, el saber y la glória no vos esperan? ¿Vuestros méritos no son recompensados con profusión, or por lo menos por justicia?” Ver Felipe Larrazabal, Vita y escritos del Libertador, v. 2, p. 76-7.
29. “[…] mantener el equilíbrio, no sólo entre los miembros que componen el Gobierno, sino entre las diferentes fracciones de que se compone nuestra sociedad.”
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István Mészáros é autor de extensa obra, ganhador de prêmios como o Attila József, em 1951, o Deutscher Memorial Prize, em 1970, e o Premio Libertador al Pensamiento Crítico, em 2008, István Mészáros se afirma como um dos mais importantes pensadores da atualidade. Nasceu no ano de 1930, em Budapeste, Hungria, onde se graduou em filosofia e tornou-se discípulo de György Lukács no Instituto de Estética. Deixou o Leste Europeu após o levante de outubro de 1956 e exilou-se na Itália. Ministrou aulas em diversas universidades, na Europa e na América Latina e recebeu o título de Professor Emérito de Filosofia pela Universidade de Sussex em 1991. Entre seus livros, destacam-se Para além do capital – rumo a uma teoria da transição (2002), O desafio e o fardo do tempo histórico (2007) e A crise estrutural do capital (2009), A obra de Sartre, e O conceito de dialética em Lukács todos publicados pela Boitempo.
Ameiii o seu post !
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E assim caminha a humanidade, por que digo isto? Vejamos, penso que no Brasil estamos vivenciando uma onda neoconservadora, principalmente em uma juventude que acredita na ditadura. Palavras como essas expressas por Mèszáros nos alerta e conduz para continuarmos na luta pela liberdade dentro da perspectiva da igualdade.
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oque seu blog nos transmite é muito bom Parabéns
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Excelente!!
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