Os vivos e os mortos
Por Vladimir Safatle.*
Cleonice Viera de Moraes, Douglas Henrique de Oliveira, Valdinete Rodrigues Pereira. Luiz Felipe Aniceto de Almeida. Esses são apenas alguns nomes de pessoas que morreram devido à atuação da polícia após o início das manifestações, em junho.
São pessoas que morreram devido a bombas de gás lacrimogêneo, que foram atropeladas ao fugir da violência policial, que caíram de viadutos quando pressionados pela Polícia Militar, entre outros casos.
Poucas pessoas ouviram esses nomes, poucos se lembram deles e não consta que suas mortes tiveram força para gerar indignação naqueles que, hoje, gritam por uma bisonha “lei de antiterrorismo” no Brasil.
Para tais arautos da indignação seletiva, tais mortes foram “acidentais”, por isso, merecem ser esquecidas.
Não há nada a se pensar a partir delas. No fundo, elas não significam nada. Mas a morte do cinegrafista, ao menos na narrativa que assola o país há uma semana, não foi um acidente infeliz e estúpido, que merece certamente ser punido de forma clara por sua irresponsabilidade.
Não, ela é a prova maior de que o Brasil caminha para o caos e que a melhor coisa a fazer é parar com o angelismo diante de “vândalos”.
Bem, é sintomático que a única resposta efetiva às demandas vindas das manifestações de junho seja uma lei que visa transformar o uso de máscaras em crime contra a segurança nacional.
Como nada foi feito a respeito das exigências de melhores serviços sociais, contra os gastos absurdos para a realização da Copa do Mundo, por democracia efetiva, melhor pedir para senadores do porte moral de Renan Calheiros (PMDB-AL) que aprovem uma lei antiterrorista.
Da minha parte, os únicos terroristas que consigo enxergar estão exatamente no Congresso Nacional.
Se querem uma nova lei, uma simples proibição – de uma vez por todas – da venda de rojões resolveria muita coisa. A melhor maneira de lutar contra a violência é com a escuta. A surdez dos governos em relação às exigências de ação, visando criar as condições para uma qualidade de vida minimamente suportável nas grandes cidades, é a verdadeira causa da violência nas manifestações.
Escutar significa, por exemplo, não prometer uma Assembleia Constituinte, depois uma reforma política e acabar por apresentar apenas o vazio.
Significa não baixar o valor das passagens de ônibus para, meses depois, quando tudo parece mais calmo, voltar com o mesmo aumento.
Significa parar de usar a morte infeliz de alguém para tentar criminalizar a revolta da sociedade brasileira.
* Publicado originalmente no jornal Folha de S.Paulo em 18 de fevereiro de 2014.
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Neste sábado, dia 22/2, ocorre o debate “Governar após Junho“, coordenado por Vladimir Safatle e com a presença do filósofo Paulo Arantes, dos sociólogos Chico de Oliveira e Laymert Garcia dos Santos e de Paulo Bufalo, presidente Estadual do PSOL.
Confira a página do evento no Facebook aqui.
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Cinismo e falência da crítica, de Vladimir Safatle * PDF (Livraria Cultura | Gato Sabido)
O que resta da ditadura: a exceção brasileira, organizado por Edson Teles e Vladimir Safatle * PDF (Livraria Cultura | Gato Sabido)
Bem-vindo ao deserto do Real!, de Slavoj Žižek (posfácio de Vladimir Safatle) * ePub (Livraria Cultura | Gato Sabido)
Occupy: movimentos de protesto que tomaram as ruas, coletânea de artigos com textos de David Harvey, Edson Teles, Emir Sader, Giovanni Alves, Henrique Carneiro, Immanuel Wallerstein, João Alexandre Peschanski, Mike Davis, Slavoj Žižek, Tariq Ali e Vladimir Safatle * PDF (Livraria Cultura | Gato Sabido | Livraria da Travessa | Livraria Saraiva)
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Vladimir Safatle é professor livre-docente do Departamento de Filosofia da USP, bolsista de produtividade do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), professor visitante das Universidades de Paris VII e Paris VIII, professor-bolsista no programa Erasmus Mundus. Escreveu A paixão do negativo: Lacan e a dialética (São Paulo, Edunesp, 2006), Folha explica Lacan (São Paulo, Publifolha, 2007), Cinismo e falência da crítica (São Paulo, Boitempo, 2008) e co-organizou com Edson Teles a coletânea de artigos O que resta da ditadura: a exceção brasileira (Boitempo, 2010), entre outros. Atualmente, mantem coluna semanal no jornal Folha de S.Paulo e coluna mensal na Revista CULT. Em 2012, teve um artigo incluído na coletânea Occupy: movimentos de protesto que tomaram as ruas, publicada pela Boitempo Editorial em parceria com o Carta Maior.
O cenário que está se configurando no Brasil é assustador, as forças mais conservadoras, tradicionalistas e reacionárias estão cada vez mais articuladas; enquanto o que restou da esquerda continua como sempre imersa em discussões patéticas e fratricidas. Realmente é incomensurável o estrago causado pelos governos conservadores do PT, que não ousaram sequer tentarem construir um real projeto de um governo democrático-popular, preferindo governar para o capital financeiro, para o agronegócio e para o ultra conservadorismo religioso de evangélicos e católicos.
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