Crônicas de Berlim: A Europa na cadeira de rodas
Por Flávio Aguiar.
A metáfora não podia ser melhor. A chanceler Angela Merkel declarou, no seu primeiro discurso perante o Bundestag em 2014 que a Alemanha é “o motor da Europa”. Lembra? São Paulo, a Locomotiva do Brasil…
Só que ela estava assentada numa cadeira de rodas. Restava saber: o motor da Europa seria o motorzinho elétrico da cadeira ou alguma caldeira superaquecida de uma economia vibrante? Acho que a situação está mais para o motorzinho…
O fato é que a Europa vai mal das pernas. O que isto quer dizer? Que os índices – todos, dos espirituais aos numéricos – estão indo para baixo.
Falo com amigos latino-americanos, europo-fãs. Dizem, apostando no que apostaram anos atrás, quando vieram para cá, pelos mais variados motivos: a Europa vai sair da crise, a América Latina não. Caramba! Fogem da questão: que Europa vai sair da crise? Que América Latina não vai sair da crise?
A Europa que vai sair da crise – e vai – é muito diferente da Europa que conhecíamos. É uma Europa avessa a políticas sociais, estranha a direitos sindicais, envolta numa crise que tem ares de permanência. A crise não é mais crise: é a realidade.
A América Latina não vai sair da crise. Que crise? A crise de ver seus espaços públicos ocupados por quem não deveria ocupá-los. Quem? O povo. A classe média tradicional e a burguesia não gostam disto. A América Latina vai continuar em crise, porque crescer é uma crise.
O Brasil não foi feito para muitos, embora tenha sido feito por muitos. Não havia nem há sequer tantos espaços para carros nas ruas das metrópoles, porque o Brasil não foi feito para que tanta gente tenha carro. Não que eu ache carro uma maravilha, pelo contrário. Só que o Brasil foi feito para os poucos que tinham carros, não para ônibus ou metrôs, nem para muitos terem carros. Só que agora falta ônibus e falta metrô. Sobram carros. Maldito salário mínimo que aumentou!
A Europa vai sair da crise, mas para trás. Vejam a Ucrânia: máfia contra máfia, sem saída nem entrada. Não há mocinhos nem… aliás, só há bandidos, não há mocinhos. O principal partido que está mobilizando as manifestações chama-se Svoboda (“liberdade”, em ucraniano). Pois é. Mas é um partido cujos jovens recentemente foram surpreendidos distribuindo panfletos com textos de Goebbels. Quem? É, Goebbels, o Ministro da Propaganda do Regime Nazista. E a direção do partido é conhecida por suas declarações antissemitas, anti-direitos humanos, anti-estrangeiros, etc. E estes manifestantes são descritos em boa parte da mídia do Ocidente como os heróis da democracia…
Parece a década de 30. A Europa namora o seu fim.
Torçamos contra.
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Confira a aula de Flávio Aguiar sobre o livro, no departamento de letras modernas da USP:
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Flávio Aguiar nasceu em Porto Alegre (RS), em 1947, e reside atualmente na Alemanha, onde atua como correspondente para publicações brasileiras. Pesquisador e professor de Literatura Brasileira da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, tem mais de trinta livros de crítica literária, ficção e poesia publicados. Ganhou por três vezes o prêmio Jabuti da Câmara Brasileira do Livro, sendo um deles com o romance Anita (1999), publicado pela Boitempo Editorial. Também pela Boitempo, publicou a coletânea de textos que tematizam a escola e o aprendizado, A escola e a letra (2009), finalista do Prêmio Jabuti, Crônicas do mundo ao revés (2011) e o recente lançamento A Bíblia segundo Beliel. Colabora com o Blog da Boitempo quinzenalmente, às quintas-feiras.
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