Um ano de rolezinhos e lutas
Por Edson Teles.
O ano de 2014 inicia-se sob a promessa de ser pleno de lutas e profunda movimentação política. Com a herança das manifestações de junho de 2013, a expectativa da realização da Copa do Mundo no “país do futebol” e das eleições para Presidência, governos dos estados e Congresso Nacional convidam o Brasil e a sua jovem democracia a experimentarem um ano dos mais políticos, se tomarmos esta palavra como sinônimo de relações conflituosas e dinâmicas em torno das questões que tocam em nossas vidas cotidianas.
Nem mesmo terminamos o primeiro mês do ano e o “rolezinho” toma as principais manchetes da mídia tradicional, das redes sociais e dos espaços alternativos de debates públicos. Realizado há vários anos como modo de encontro e lazer pelos jovens da periferia, o “rolezinho” ganhou uma conotação política ao ser inserido entre as questões que giram em torno da contestação e da ocupação dos espaços urbanos. Como uma espécie de sequência das manifestações do ano passado, este tipo de movimentação alimenta os debates sobre o modo como os governos democráticos vão lidar com as imprevisibilidades de ações que funcionam como momentos criativos e de experimentação de práticas livres, em meio a uma sociedade dedicada ao controle e à disciplinarização dos corpos.
É fato que os “rolezinhos” em shoppings estão muito mais ligados, no imaginário de seus participantes, a uma demanda por inserção em um mundo de consumo e de realização de desejos distantes dos moradores das periferias das grandes cidades. Diferente das manifestações de junho passado, não há uma pauta de reivindicações e nem mesmo a escolha de um inimigo imediato a ser alvejado para a conquista de suas demandas. A galera quer apenas habitar um espaço de lazer, com ar fresco em pleno verão escaldante e encontrar gente legal, bonita e disposta a se conhecer.
Contudo, uma democracia com um forte legado autoritário, em especial aquele vindo da recente ditadura militar, tende a ver a reunião de pessoas pobres, da periferia, que não têm a posse da propriedade, como algo perigoso e sem sentido. Quando pessoas de direita bradam “deixem os clientes dos shoppings em paz”, nada mais expressam que a postura conservadora de parte da sociedade brasileira que se encontra feliz e realizada com a atual condição social e política do mundo. Interessa a estes manter ou aumentar suas posses, e sua reação é o apoio à imediata repressão, novamente da polícia militar, contra os jovens dos “rolezinhos”. Cena bizarra nas entradas de shoppings: bala de borracha, bomba de gás, cassetete, revista e decisão sobre quem é “vândalo” e quem é o verdadeiro consumidor.
A lógica da governabilidade, a razão política dos governos democráticos, não pode e não tem como lidar e controlar a ação política em sua plenitude e contingência. A imprevisibilidade e a criatividade destas ações seguem as manifestações de junho ao contestar o lugar que devemos ocupar e o modo de sermos. Os governos sabem, e com grande desenvoltura, lidar com os acordos palacianos, com a distribuição de cargos e as decisões tomadas sob a escuta das previsíveis elites e oligarquias políticas. Mas, com as ruas e os modos cada vez mais inusitados como são ocupadas, a racionalidade de governo tem sérias dificuldades.
O ano de 2014 nasce como momento oportuno para os governantes aprenderem com o povo outra visão das relações sociais e políticas.
Não são de direita, não são representantes de forças ocultas, não são fantasmas, não são contra os direitos sociais e seus programas de inclusão, não são contra este ou aquele candidato, ou um ou outro partido. Os jovens dos “rolezinhos”, os manifestantes de junho, os militantes do movimento “Não vai ter Copa” são lutadores contra o modo como tradicionalmente o país dispõe de nossas terras, ruas, espaços públicos, riquezas e instituições.
***
Edson Teles é autor de um dos artigos que compõe a coletânea Occupy: movimentos de protesto que tomaram as ruas, que tem sua versão impressa vendida por R$10 e a versão eletrônica por apenas R$5 (disponível na Gato Sabido, Livraria da Travessa e outras).
***
Confira a cobertura das manifestações de junho no Blog da Boitempo, com vídeos e textos de Mauro Iasi, Ruy Braga, Roberto Schwarz, Paulo Arantes, Ricardo Musse, Giovanni Alves, Silvia Viana, Slavoj Žižek, Immanuel Wallerstein, João Alexandre Peschanski, Carlos Eduardo Martins, Jorge Luiz Souto Maior, Lincoln Secco, Dênis de Moraes, Marilena Chaui e Edson Teles, entre outros!
***
Edson Teles é doutor em filosofia pela Universidade de São Paulo (USP), é professor de filosofia política na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Pela Boitempo, organizou com Vladimir Safatle a coletânea de ensaios O que resta da ditadura: a exceção brasileira (2010), além de contar com um artigo na coletânea Occupy: movimentos de protesto que tomaram as ruas (2012). Colabora para o Blog da Boitempo mensalmente, às quartas.
Gostaria de comentar alguns trechos do texto e, depois, concluir com uma visão de conjunto do mesmo. Começo por aqui:
“este tipo de movimentação alimenta os debates sobre o modo como os governos democráticos vão lidar com as imprevisibilidades de ações que funcionam como momentos criativos e de experimentação de práticas livres, em meio a uma sociedade dedicada ao controle e à disciplinarização dos corpos”.
É imprecisa a caracterização dos “rolezinhos” como “momentos criativos e de experimentação de práticas livres”. Na realidade, é a expressão da ausência absoluta de condições para a realização de “práticas livres”. Interessa justamente na medida em que evidencia essa ausência de condições; porém, não chega a constituir a efetivação dessa liberdade.
Equiparar esses dois momentos é simplificar a complexidade das contradições que engendram tais manifestações. Ou, retomando um velho debate da esquerda clássica: superestima-se a “espontaneidade das massas” – porém, agora, com “terminologia reciclada”, por uma linguagem mais… “colorida”. O debate ainda é o mesmo, caro autor.
Será que o fator antagônico imediato, que exerce pressão sobre estes jovens, pode reduzir-se apenas a um “controle e disciplinarização dos corpos”? Não seria – o controle dos corpos – apenas a expressão sensível de um controle generalizado – inclusive, e sobretudo, da riqueza socialmente produzida, concentrada nas mãos de poucos…?
Aqui, também, a mudança de terminologia, no texto, aparentemente traduz uma mudança de “paradigma” numa realidade que, outrora, dividia-se em classes antagônicas; divisão esta que, seguindo o raciocínio do texto, já não dispõe de qualquer privilégio explicativo.
Assim, pois, não deveríamos dizer que o “controle dos corpos” é na verdade o controle que o capital exerce sobre a classe trabalhado. Claro que devemos cuidar – inclusive da terminologia – para não reproduzir visões esquemáticas da realidade. Mas, por outro lado, o “cuidado”, às vezes, oculta antagonismos constitutivos da realidade.
Quando lia o texto, supus que talvez exagerasse, até que, enfim, pude ler:
“O ano de 2014 nasce como momento oportuno para os governantes aprenderem com o povo outra visão das relações sociais e políticas”.
Creio que os comentários que poderia tecer a esta afirmação já estão contidos, isto é, pressupostos no que expus acima. No entanto, isto não me desobriga a expô-los aqui, por exigência de clareza. Mas reservo-me o direito de não fazê-lo, dizendo apenas ao autor que – a título de sugestão: que a velha e boa luta de classes não lhe pegue com as calças na mão!
Abraços.
CurtirCurtir
“É fato que os “rolezinhos” em shoppings estão muito mais ligados, no imaginário de seus participantes, a uma demanda por inserção em um mundo de consumo e de realização de desejos distantes dos moradores das periferias das grandes cidades.”
Ok.
Uma vez nos foi dito do controle dos corpos pelo uso da tecnologia. Este mundo de consumo já vem expresso dantes pelo próprio meio difusor de suas conclamações aos rolezinhos: o celular, o facebook., etc.
Suposições dominantes sobre os movimentos sociais precisam de uma redefinição . Eles não são compatíveis com os movimentos dos jovens , que são operados principalmente no âmbito do desenvolvimento da tecnologia contemporânea. Se considerarmos o uso destas tecnologias como uma potenciais direções futuras de ativismo, a carga “real” e motivada destes movimentos, entendo, está esvaziada. Não há engendramento. Cada movimento exige uma lente analítica diferente . A o . A não ser que considere os aspectos tangíveis, como o Prof. disse , uma compreensão adequada deste movimento digital não pode ser dimensionado. Observações sobre aspectos intangíveis de um movimento que se mantém ao apego a busca de status de um capital “a” ou “b”, pode começar a levar a uma degradação nas práticas dos movimentos sociais …, eis que as principais áreas de trabalho coletivo estão se limitando a informações “plug and play” de sites de mídia social como blogs, YouTube , Flickr , Facebook e Twitter, deixando de lado as discussões mais aprofundadas que só podem ser obtidas nos bancos de estudo da sala de aula e do boteco próximo a faculdade. Profundidade…
CurtirCurtir
Muito bom o post vou sempre visitar seu blog !!
CurtirCurtir
excelente post !!
CurtirCurtir
muito bom !
CurtirCurtir
Excelente post!
CurtirCurtir