Juan Gelman

14.01.15_EmirSader_JuanGelmanPor Emir Sader.

“Si me dieran a elegir, yo elegiría
esta salud de saber que estamos muy enfermos,
esta dicha de andar tan infelices.
Si me dieran a elegir, yo elegiría
esta inocencia de no ser un inocente,
esta pureza en que ando por impuro.

Si me dieran a elegir, yo elegiría
este amor con que odio,
esta esperanza que come panes desesperados.

Aquí pasa, señores,
que me juego la muerte.”
El juego en que andamos, 1959

Eu conheci ao Juan em Roma, em 1976. Ambos morávamos lá. Seu filho de 20 anos, com a companheira, gravida, haviam sido recém-sequestrados.

Os corpos foram reconhecidos muito tempo depois, com tiros na nuca. Juan só conheceu a neta uns 20 anos depois, adotada por uma família em Montevidéu, com outro nome.

Em um país de grandes escritores, Juan se tornou o maior poeta argentino. Uma poesia que une rigor e sensibilidade, uma “arma carregada de futuro” com a sua doce forma de falar das pessoas.

Me encontrei pela primeira vez com Juan em Roma, ambos morando lá logo depois do golpe argentino. Depois de um bom tempo sem se ver, reencontramos em Buenos Aires, junto com o Tatá Cedron – o melhor do tango contemporâneo portenho –, que musicou tantos poemas de Juan. Posteriormente, no México, onde ele morou por décadas, depois do exílio europeu. E, a última vez, almoçamos em Brasília, na Feira do Livro de 2012.

Juan era do tamanho de Cortázar, com o mesmo ar ingênuo, naquele corpanzil todo e o bigode de vassoura que sempre o acompanhou. Amou este continente como ninguém, vibrou com as vitórias e sofreu com os revéses, nunca se dobrou.

Eu o lia todos os domingos na ultima pagina do Pagina 12, sem falta. Artigos duros e certeiros, com esse saudável ódio político ao imperialismo e a seus lacaios.

Cheguei ontem à noite a Quito e a primeira noticia com a qual me deparo é da morte de Juan. Me dou conta, pela sua idade, que o conheci por metade de sua vida.

Só consegui escrever, no Facebook:

“Os poetas não deviam morrer. Nem os poetas, nem os amigos.”

Ninguém mais poeta e mais amigo do que Juan.

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Leia o texto inédito de Juan Gelman sobre os campos de concentração na Argentina, escrito como prelúdio ao livro de Pilar Calveiro aqui.

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As armas da crítica: antologia do pensamento de esquerda (os clássicos: Marx, Engels, Lenin, Trotski, Rosa Luxemburgo e Gramsci), organizado por Emir Sader e Ivana Jinkings, já está disponível por apenas R$18 na Gato Sabido, Livraria da Travessa, iba e muitas outras!

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Emir Sader nasceu em São Paulo, em 1943. Formado em Filosofia pela Universidade de São Paulo, é cientista político e professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). É secretário-executivo do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (Clacso) e coordenador-geral do Laboratório de Políticas Públicas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). Coordena a coleção Pauliceia, publicada pela Boitempo, e organizou ao lado de Ivana Jinkings, Carlos Eduardo Martins e Rodrigo Nobile a Latinoamericana – enciclopédia contemporânea da América Latina e do Caribe (São Paulo, Boitempo, 2006), vencedora do 49º Prêmio Jabuti, na categoria Livro de não-ficção do ano. Colabora para o Blog da Boitempo quinzenalmente, às quartas.

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