O sapo Gonzalo em: Natal em Buenos Aires

13.12.16_Luiz Bernardo Pericás_Natal em Buenos AiresPor Luiz Bernardo Pericás.

“Esta velha é pior do que o vesgo”, comentou o presidente uruguaio José Mujica sobre Cristina Kirchner, inadvertidamente, alguns meses atrás. Ele estava certo.

Em Buenos Aires, neste Natal, as crianças pardas e miseráveis passarão fome nas ruas. Mas na Quinta de Olivos, a ceia terá um enorme peru estufado, champagne e caviar.

“Eu não compraria um carro usado daquela farsante”, pensava Gonzalo, enquanto caminhava solitário, em algum lugar da República do Repolho. Como um revolucionário calejado, ele não se deixava enganar facilmente…

Na Argentina, de acordo com a EPH (Encuesta Permanente de Hogares), 11, 5 milhões de pessoas vivem com menos de 40 pesos por dia, um quarto da população. Para o Observatório da Universidade Católica, inclusive, teria até mesmo havido um aumento de 5% da pobreza no país em relação a 2011. É claro que as estatísticas manipuladas do governo dizem outra coisa… A mandatária verborrágica chegou a afirmar que o pauperismo só afetava 5,4% dos habitantes, em torno de 2, 2 milhões de cidadãos! Ah, e há quem acredite… Para as “autoridades”, o país vai bem, é rico e desenvolvido, tão próspero quanto a Austrália…

Mas a realidade é outra. E implacável. Entre os jovens de até 17 anos de idade, segundo o ISEPC (Instituto de Pesquisa Social, Econômica e Política Cidadã), a partir de dados do índice de preços por bairros e a pesquisa permanente de domicílios do INDEC para a área metropolitana da capital e mais cinco cidades do interior, as porcentagens de pobreza e indigência no primeiro semestre de 2013 são dramáticas: chegaram a 30% e 7, 9%, respectivamente. No Chaco, por sua vez, 57% dos jovens estão na mesma situação; e mais de 80% dos indígenas vivem em condições precárias, sem água potável. A pandemia de dengue também é um drama vivido pelos povos originários e tem seu epicentro naquela mesma região, onde predominam os wichis, tapietes, chorote, chulupi e tobas. Em 2009, mais de 26 mil pessoas foram contagiadas com a enfermidade. Só em Salta, por exemplo, onde vivem os guarani, chame e ava-guarani, a disseminação da doença é notória e se propagou para Tartagal.

Enquanto isso, a personalista, egocêntrica e autoritária Madame “K” acumula uma fortuna pessoal de US$ 14 milhões. De 2003 a 2013, ela simplesmente multiplicou seu patrimônio em sete vezes. Mas, apesar de sempre vestir as mais caras roupas de grife, quer sempre passar a imagem de uma mulher humilde, que está ao lado do povo. “A mãe dos pobres”, quem sabe…

Todo seu discurso se baseia em proselitismo e clichês popularescos para garantir votos e apoio a seu governo, um dos mais corruptos do mundo. Nos últimos dez anos, a lavagem de dinheiro envolvendo empresários e políticos ligados ao casal Kirchner chegou a 50 milhões de euros. Sem contar com a criação de mais de 30 empresas irregulares, muitas de fachada. Como exemplo, basta lembrar que quatro secretários privados de Cristina Kirchner tiveram um enriquecimento ilícito exorbitante, com incrementos patrimoniais que vão de 750% a 11. 000% em cinco anos.

O entreguismo ao capital estrangeiro é patente, as multinacionais (Chevron, Barrik Gold, Monsanto) dominando cada vez mais os diversos aspectos da economia do país. Por outro lado, a criminalização aos movimentos sociais continua avançando… Em torno de 6.500 militantes sociais já foram processados por se opor às políticas “oficialistas” de precarização do trabalho e entrega do patrimônio público ao capital privado e ao imperialismo. O kirchnerismo ainda decidiu promulgar a “lei antiterrorista” e realizar uma reforma do Código Civil com traços antioperários, clericais, reacionários e neoliberais.

O que pensa essa mulher? Já escreveu alguma obra que tenha qualquer sofisticação intelectual? Quais as diretrizes e linhas políticas que defende? Tem um projeto “socialista”, claro, definido, orgânico, revolucionário? Na verdade, entre discursos demagógicos e fotos com celebridades, ela não propõe qualquer caminho sério de desenvolvimento ou mudança social. Na prática, faz acordos com sindicatos amarelos, compra apoios políticos, ataca brutalmente militantes de esquerda, vende o país a companhias transnacionais, abandona as populações indígenas à miséria absoluta, mantém os transportes sucateados, não investe nas universidades e enche os seus próprios bolsos com milhões de dólares. O que mais gosta, afinal de contas, é o dinheiro. Mas o homem comum, o trabalhador, o proletário, aquele que sua a camisa como um condenado dia após dia, esse mal consegue pagar as contas no fim do mês. E com muitas dificuldades, coloca um pouco de comida no prato dos filhos famintos…

Vale lembrar que a inflação da Argentina é uma das mais altas do mundo. Em 2012, o aumento do IPC (Índice de Preços ao Consumidor) foi de 25%, o maior da América Latina. A inflação de 2013 já superou a do ano passado. De acordo com um estudo do INDECOM (Instituto de Estudio de Consumo Masivo), ela ficará acima de 30% este ano, as mesmas estimativas do Latino Focus Consensus e do Estudio Broda, o que mostra a situação desesperadora da classe trabalhadora do país.

É esse o legado que deixa a “grande” líder da nação vizinha. Muitos temem que ao sair da Casa Rosada, ela transforme a sede do Poder Executivo em um hotel, como aquele do qual é dona em El Calafate. Já outros se preocupam com algo pior: que ela simplesmente venda o palácio presidencial e fique com todos os lucros do negócio. Por isso, o sapo Gonzalo pede que o caro leitor se lembre da situação de sua nação, e das lutas que ainda vêm por aí, insistindo que todos se animem a ir para as ruas em breve, para promover as grandes mudanças, tão necessárias em nossa América Latina. E deseja a todos, um Feliz Natal. Se é que isso é possível…

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Já estão à venda em versão eletrônica (ebook) os livros de Luiz Bernardo Pericás publicados pela Boitempo Editorial: o premiado Os cangaceiros: ensaio de interpretação histórica, e o ficcional Cansaço, a longa estação (por apenas R$13). Ambos estão disponíveis na Gato Sabido, Livraria Cultura e diversas outras lojas, custando até metade do preço do livro impresso.

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Luiz Bernardo Pericás é formado em História pela George Washington University, doutor em História Econômica pela USP e pós-doutor em Ciência Política pela FLACSO (México). Professor de história da USP, foi visiting Scholar na Universidade do Texas. É autor, pela Boitempo, de Os Cangaceiros – Ensaio de interpretação histórica (2010) e do lançamento ficcional Cansaço, a longa estação (2012). Também publicou Che Guevara: a luta revolucionária na Bolívia (Xamã, 1997), Um andarilho das Américas (Elevação, 2000), Che Guevara and the Economic Debate in Cuba (Atropos, 2009) e Mystery Train (Brasiliense, 2007). É organizador, com Lincoln Secco, da coletânea de ensaios inéditos Intérpretes do Brasil, que será lançada em janeiro de 2014. Colabora para o Blog da Boitempo mensalmente, às sextas-feiras.

1 comentário em O sapo Gonzalo em: Natal em Buenos Aires

  1. Um verdadeiro vómito de textículo, escrito com todos os argumentos e dados falsos que a direita inventa cotidianamente e a mídia hegemônica espalha feroz com intenção destituinte, costumeiro de um autor que sempre ofende o povo argentino simbolizado nestas colunas na figura de um “sapo”; cansativa e preguiçosa atitude falsamente crítica de insultar um governo democrático e popular que, com todas suas contradições, está na luta sim e tem enfrentado sim poderosos interesses, só para satisfazer um ego-trip que assim pode dormir tranquilo se achando super-ultra-revolucionário. Asco.

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