Saudades do Boal

13.11.06_Emir Sader_Saudades do BoalPor Emir Sader.

O Boal foi das pessoas mais humanas que já conheci. Seus gestos, sua forma de agitar as mãos enquanto falava, sua vontade gigantesca de fazer entender suas verdades – era um pedagogo, um homem-ideias, um pregador, um humanista, no sentido mais amplo da palavra.

Ao longo de toda a minha vida, uma série de coisas importantes que fui assimilando, de repente me pergunto de onde chegaram a mim, e me dou conta que vieram do Boal. Nas peças do Teatro de Arena, nas suas palestras, nos seus cursos, nos seus textos que se mimeografavam naquela época.

Conhecíamos o teatro nas suas convencionais. Minha peça foi Pega Fogo, a que meus pais me levaram, no TBC, com espetacular interpretação da Cacilda Becker. Não foi fácil encarar a pequena arena do Teatro de Arena, suas encenações despojadas, mescladas com musicas do Edu Lobo, do Carlos Lira, e peças como A mandrágora ou as do ciclo Arena conta.

Um grande crítico teatral da época (Décio de Almeida Prado, a quem eu devo meu primeiro emprego como professor porque, se aposentando, me passou o cargo de professor de filosofia do curso noturno do Colégio Alberto Conte, em Santo Amaro, mesmo eu estando ainda no segundo ano do curso e filosofia na USP), fez um texto muito crítico dos estilos do ‘Arena’ e do ‘Oficina’, do Zé Celso. Termina dizendo: “Sound and fury: serão estes os novos ideias do teatro brasileiro.” Era a resistência dos critérios tradicionais – que o próprio Décio flexibilizou depois, para valorizar essas novas expressões teatrais – a tudo de inovador que aparecia.

Não era estranho então que até jovens resistiram no começo àquele novo estilo. Que nos chegava perto, nos arrebatava, junto com a palavra do Boal, um personagem encantador, irresistível, pela simplicidade brechtiana com que nos fazia chegar verdades transcendentais.

Boal, Paulo Freire e Darcy Ribeiro são provavelmente os melhores pedagogos que o Brasil já teve.

A republicação do Teatro do oprimido e outras poéticas políticas é uma boa oportunidade para reatualizar as teses, a figura e a trajetória de Augusto Boal, um dos maiores homens de cultura que o Brasil já teve.

O livro recolhe alguns dos textos teóricos mais importantes da obra do Boal. Textos teóricos que, para ele, quer dizer recheados de experiências culturais, politicas, sócias. Quer dizer, apelo aos grandes teóricos do teatro ao longo do tempo, desde Aristóteles e do teatro grego, passando por Maquiavel e Sheakespeare, até chegar a Brecht e ao Teatro do oprimido.

No livro encontrei um dos textos que fizeram parte da minha formação, de que eu tinha um exemplar mimeografado, que pude manter até quando o DOI-CODI irrompeu na minha casa e levou toda a minha biblioteca. Mas ficaram na minha cabeça muitas coisas daquele texto, escrito em 1962 – “Maquiavel e a poética da virtú” – que vai do teatro grego, passando pelo medieval, pelo teatro burguês até chegar à contemporaneidade.

Esse texto se complementa, no livro com um outro: “Hegel e Brecht: personagem-sujeito ou personagem-objeto?”. Ambos valem como um apanhado teórico forte, coerente, crítico propositivo, que fundamenta as criações teatrais e políticas do Boal.

Na verdade, mais além da riqueza de tudo o que se lê ou relê no livro, dá uma imensa saudade do Boal, insubstituível, único, querido e admirado. 

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Recomendamos também a leitura de Teatro de arena: uma estética da resistência, de Izaías Almada, publicado pela Boitempo na coleção Paulicéia, coordenada por Emir Sader.

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As armas da crítica: antologia do pensamento de esquerda, organizado por Emir Sader e Ivana Jinkings, já está disponível por apenas R$18 na Gato Sabido, Livraria da Travessa, iba e muitas outras!

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Emir Sader nasceu em São Paulo, em 1943. Formado em Filosofia pela Universidade de São Paulo, é cientista político e professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). É secretário-executivo do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (Clacso) e coordenador-geral do Laboratório de Políticas Públicas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). Coordena a coleção Pauliceia, publicada pela Boitempo, e organizou ao lado de Ivana Jinkings, Carlos Eduardo Martins e Rodrigo Nobile a Latinoamericana – enciclopédia contemporânea da América Latina e do Caribe (São Paulo, Boitempo, 2006), vencedora do 49º Prêmio Jabuti, na categoria Livro de não-ficção do ano. Colabora para o Blog da Boitempo quinzenalmente, às quartas.

2 comentários em Saudades do Boal

  1. Minha admiração…Boal, Darcy Ribeiro e Paulo Freire!

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  2. izaias almada // 11/11/2013 às 6:57 pm // Responder

    E Emir, apenas para um adendo: Boal foi também candidato ao Prêmio Nobel da Paz em 2008.

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