Visita ao impensável: Auschwitz-Birkenau
[O sinistro portão de entrada em Auschwitz, com o dístico “Arbeit macht frei” (O trabalho liberta), com o B invertido.]
Por Flávio Aguiar.
Na semana passada, fomos Zinka e eu a Cracóvia, considerada “a cidade mais bela da Polônia”. A cidade não deixa de merecer esta consideração – embora, até o momento, se já a única que eu conheça neste país. Ela combina o estilo que tem algo de antigo, característico de cidades do antigo Leste europeu, com bairros de traçado medieval ao lado de praças esfuziantes em estilo mediterrâneo. Muito interessante, muito bonito. Um dos pontos altos da cidade é o antigo bairro judeu, hoje transformado – ainda com suas sinagogas, algumas transformadas em museus e memoriais, num bairro boêmio, aliás, “O” bairro boêmio da cidade.
Pois foi a partir deste bairro, onde ficamos, que empreendemos nossa visita ao impensável: os campos de concentração de Auschwitz e Birkenau. Esperamos ali a van que nos conduziria lá.
A van nos conduz primeiro através de Cracóvia. Depois passamos à zona rural, numa viagem que dura aproximadamente uma hora e meia.
Daí chegamos à entrada do primeiro campo, o chamado Auschwitz I. A primeira surpresa é o enorme número de visitantes que vêm aos milhares por dia para conhecer os campos de concentração .
A visita começa. Passamos sob o portão de entrada, onde se lê a frase hoje irônica, antigamente sarcástica, “Arbeit macht frei” – “O trabalho liberta”. Uma curiosidade: o B da palavra Arbeit está invertido. Até hoje se discute se isto foi um protesto dos prisioneiros que tiveram de fazer a peça de metal, ou se isto aconteceu por serem eles analfabetos.
Aos poucos o guia vai esclarecendo a história sinistra de Auschwitz .
Seu nome era uma adaptação germânica do nome polonês da cidade próxima: Oswiecim. Auschwitz era na verdade um complexo de três campos, construídos em momentos diferentes, e que eram o centro de uma rede de outros 45 campos de concentração nazistas.
Auschwitz I foi construído em 1940, inicialmente para prisioneiros poloneses. Auschwitz II, também conhecido como Birkenau, foi construído em 1941. O terceiro campo do complexo foi construído depois.
O primeiro objetivo do campo era o de concentrar trabalhadores forçados, no esforço de guerra. Mas logo, sobretudo a partir de 1942, ele se tornou também um campo de extermínio. Calcula-se que 1 milhão e 100 mil prisioneiros morreram nestes campos. 90% destes eram judeus. Mas também foram assassinados ali ciganos, poloneses, soldados soviéticos, dissidentes de várias nacionalidades, inclusive alemães. Um grande número de prisioneiros também eram vitimados pelas doenças, a desnutrição, o trabalho esgotante, as execuções e nos chamados experimentos médicos, perpetrados, inclusive, por Josef Mengele, que viria a morrer em Bertioga, no litoral de S. Paulo.
Auschwitz foi escolhido como o principal campo de extermínio por sua localização central em relação a outros campos dispersos pela Europa ocupada.
A maioria dos prisioneiros morreu nas câmaras de gás, sobretudo em Auschwitz II, ou Birkenau. Os prisioneiros chegavam nos trens, através do portão principal, e eram separados em dois grupos: os que iam para os trabalhos forçados, a minoria, e os que seguiam diretamente para as câmaras de gás. Abandonavam os seus pertences, tiravam a roupa, achando que iam tomar um banho. Fechados nas câmaras, ao invés de água, os dutos jogavam gás Zyklon B, obtido através de um pesticida. A morte sobrevinha em poucos minutos. Depois,os corpos eram levados aos fornos crematórios. Ainda restam, em Auschwitz I, uma câmara de gás de dimensões pequenas, e alguns dos fornos crematórios .
A visita abala e emociona. Aos poucos vamos vendo salas com cabelos humanos – um dos únicos lugares onde é proibido fazer imagens. Depois vêm os óculos, as malas, os sapatos , os sapatinhos de criança, pratos, canecas , até próteses, as fotos dos prisioneiros, os lugares de execução, a sala de julgamento, única em que ainda há um retrato de Adolf Hitler.
Ao final da guerra, os nazistas evacuaram o campo. Antes de sair, tentaram destruir tudo o que pudessem, para ocultar os vestígios do genocídio. Quando as tropas do Exército Vermelho chegaram ao campo, encontraram menos de 10 mil sobreviventes.
Se você for empreender esta viagem, prepare-se. É impossível não se emocionar nem deixar de se emocionar. É uma visita à maldade humana que, como a estupidez, não tem limites.
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Flávio Aguiar nasceu em Porto Alegre (RS), em 1947, e reside atualmente na Alemanha, onde atua como correspondente para publicações brasileiras. Pesquisador e professor de Literatura Brasileira da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, tem mais de trinta livros de crítica literária, ficção e poesia publicados. Ganhou por três vezes o prêmio Jabuti da Câmara Brasileira do Livro, sendo um deles com o romance Anita (1999), publicado pela Boitempo Editorial. Também pela Boitempo, publicou a coletânea de textos que tematizam a escola e o aprendizado, A escola e a letra (2009), finalista do Prêmio Jabuti, Crônicas do mundo ao revés (2011) e o recente lançamento A Bíblia segundo Beliel. Colabora com o Blog da Boitempo quinzenalmente, às quintas-feiras.
Preferiria mil vezes mais, hoje em dia, visitar qualquer dos templos da bondade ou beleza humana. Afinal, meu velho amigo Flavio, o nazismo ainda viceja ao lado disso que acabas de ver………..
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Caro Antonio Há muito a ver deste lado que você aponta, inclusive aqui na Alemanha, inclusive no tempo da guerra, onde muitos mais do que a gente pensa enfrentaram a bestialidade do nazismo com o sacrifício de suas carreiras, de seu bem estar e até de suas vidas. Mas é preciso visitar o impensável – para que ele não se repita. Um abraço Flávio.
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Flavio
Conheci o campo, me emocionei e pretendo retornar, não porque admiro a maldade humana, mas muito porque não se revela crível que ela tenha se manifestado de maneira tão intensa pelo homem.
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Olá Flávio, estava buscando informações sobre como visitar esse campo de concentração e me deparei com seus relatos. Preciso que me ajude: Cracóvia é a cidade mais próxima de Auschwitz e Birkenau? Quanto tempo é preciso para visitar bem o local? Sou jornalista em Brasília. Abraço. Antonio Carlos Teixeira
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Olá Antonio Carlos
De fato, Cracóvia é o ponto de partida para a visita aos dois campos, que eram parte de um mesmo complexo. Dá pra contratar uma van compartilhada pela internet, ou em quiosques para turistas, e eles te apanham em algum endereço conveniente perto de onde você estiver e te deixam no mesmo ponto d volta. A viagem para lá dura um pouco mais de uma hora e a visita é tema para um dia inteiro. O melhor é fazer a visita com guia (há em várias línguas). Aliás, acho que é a única maneira possível. Há milhares de turistas. Prepare-se. Um abraço, Flávio.
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Obrigado, Flávio, tanto pelas informações adicionais quanto pelas dicas em seu texto. Serão muito úteis. Grande abraço. Antonio
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Fiz essa viagem em 1998, mas na época fomos de onibus que pegamos na rodoviaria de Cracóvia e fomos sem guia, por conta propria. Na época o museu nao tinha tradução em todas as linguas, era separado por blocos de prisioneiros de nacionalidades e as informações eram em hebraico e na lingua da nacionalidade dos prisioneiros do bloco, nos blocos de judeus poloneses só havia informações em hebraico e polones, ao menos é isso que me lembro, mas mesmo assim eu podia entender o terror daquilo, porque nao necessitava de palavras para compreender. Realmente uma visita impressionante, nao pude conter as lagrimas e uma pergunta que nao queria calar: Como o ser humano pode fazer isso a outro ser humano? Me fez pensar muito que só havia se passado 43 anos do fim daquela tragedia.
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Tudo mudou em Auschwitz (linguagem, guias, apoio aos visitantes, turismo mastigo e organizado), menos as cicatrizes da maldade humana transformada em sistema politici
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Olá Flávio,
Estava a pensar visitar Cracóvia e também Auschwitz. Como referiste, é preciso ver e manter presente o que aconteceu para q nao se repita nunca mais!
Gostava de saber se é possível visitar os 2 complexos num mesmo dia. Se vale a pena visitar os 2 complexos.
Pode indicar algum(s) site(s) de alguma agencia onde possa tentar buscar mais informacoes? Gostava de ir com tudo já organizado.
Estou pensando em ir uns 3 ou 4 dias. Achas suficiente para Cracóvia e Auschwitz?
Uma última pergunta, relacionada com a altura do ano. Eu estava ponderando ir em Marco. Mas nao sei se o clima permitirá visitar Auschwitz. Tem alguma ideia em relacao a isso Flávio?
Muito obrigado por toda a ajuda 🙂
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Olá Diogo
De Cracóvia, dá para ir a Auschwitz/Birkenau e voltar no mesmo dia. Na praça central de Cracóvia, perto da estação central, há um quiosque e lojas turísticos onde se pode comprar o passe do transporte para a visita (se me lembro, isto inclui a entrada), em vans. Eles te buscam no hotel em que vc. estiver ou num endereço perto (muitasruas são muito estreitas e difícl de manejar) e te trazem de volta. Lá é bom fazer uma visita guiada. E é importante visitar os dois complexos, A. e Birkenau. Cracóvia é uma cidade com muitas atrações, muito bonita, transporte fácil. Quando fomos, ficamos no antigo bairro judaico, hoje um bairro boêmio, muito agradável, com ótimos restaurantes, preços bons. Alugamos um apê, tb. cozinhávamos em casa. Boa viagem, Flávio
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Flavio, Adorei o seu texto. Eu estou planejando para o próximo ano (2015) fazer uma viagem ao leste europeu. Vou alugar um carro em Berlim e descerei até a Cracóvia. É possível visitar Auschwitz-Birkenau por conta própria, ou seja, ir de carro? A visita a Auschwitz-Birkenau é paga? Agradeço a atenção. Gustavo
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Caro Gustavo
Sim, dá para ir de carro. Há uma entrada a pagar, que não lembro quanto eh. Recomendo fazer uma visita guiada. Pegamos um guia que falava espanhol, muito bom. Prepare o coração. E boa viagem! Flavio.
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Bom dia, estou indo a Polônia em fevereiro, passar apenas dois dias, so para conhecer Auschwitz, e gostaria de saber se é fácil ir do aeroporto para Auschwitz sozinha… Nao quero ficar em hotel, é realmente um bate e volta…
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Gabriela: bate e volta daonde?
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