Levantes aqui, ali e em toda parte

13.07.18_Immanuel Wallerstein_Levantes aqui ali e em todo lugar_3Por Immanuel Wallerstein.*

O levante, agora persistente, na Turquia foi seguido por uma revolta ainda maior no Brasil, que por sua vez foi acompanhada por manifestações menos noticiadas, mas não menos reais, na Bulgária. Obviamente, estes protestos não foram os primeiros, e muito menos os últimos, em uma série realmente mundial de revoltas, nos últimos anos. Há muitas maneiras de analisar este fenômeno. Eu o vejo como um processo contínuo de algo que começou com a revolução mundial de 1968.

É claro que todas as revoltas são particulares em seus detalhes e na correlação de forças interna em cada país. Mas existem certas similaridades que devem ser notadas, se quisermos dar sentido ao que está acontecendo e decidir o que todos nós, como indivíduos e como grupos, deveríamos fazer.

A primeira característica em comum é que todas as revoltas tendem a começar muito pequenas — um punhado de pessoas corajosas manifestando-se sobre algo. E então, se elas “pegam”, coisa que é que é muito imprevisível, tornam-se maciças. De repente, não apenas o governo está sob ataque, mas, em alguma extensão, o Estado enquanto tal. Esses levantes reúnem tanto aqueles que querem a substituição do governo por outro melhor quanto os que questionam a própria legitimidade do Estado. Ambos grupos invocam o tema da democracia e dos direitos humanos, embora sejam variadas as definições que dão a esses dois termos. No conjunto, o tom dessas manifestações começa do lado esquerdo do espectro político.

O governo no poder reage, obviamente. Ou ele tenta reprimir as revoltas; ou tenta abrandá-las com algumas concessões; ou faz ambas as coisas. A repressão normalmente funciona, mas algumas vezes é contraproducente para o governo no poder, trazendo ainda mais pessoas às ruas. Concessões geralmente funcionam, mas algumas vezes podem ser ruins para o governo, levando as pessoas a ampliar suas demandas. De modo geral, os governos recorrem à repressão com mais frequência que às concessões. E, também grosso modo, a repressão tende a funcionar em um relativo curto prazo.

A segunda característica comum dessas revoltas é que nenhuma delas continua na velocidade máxima por muito tempo. Muitos manifestantes dão-se por vencidos após medidas repressivas. Ou são de alguma maneira cooptados pelo governo. Ou ficam cansados por causa do enorme esfoço que as manifestações frequentes requerem. Essa diminuição da intensidade dos protestos é absolutamente normal. Ela não indica uma derrota.

Esse é o terceiro fator em comum, nos levantes. Embora terminem, deixam um legado. Mudam algo na política de seus países, e quase sempre para melhor. Forçam a entrada de alguma questão principal — por exemplo, as desigualdades — na agenda pública. Ou fazem crescer o senso de dignidade entre os extratos inferiores da população. Ou ampliam o ceticismo diante da retórica com a qual os governos tendem a encobrir suas políticas.

A quarta característica em comum é que, em cada onda de protestos, muitos que se unem ao movimento (especiamente os mais tardios) não chegam para reforçar os objetivos iniciais, mas para pervertê-los — ou para tentar conduzir ao poder político grupos de direita que são distintos daqueles que estão atualmente no poder, mas de maneira alguma mais democráticos ou preocupados com os direitos humanos.

O quinto traço em comum é que todos eles acabam envolvidos no jogo geopolítico. Governos poderosos, de fora do país nos quais os tumultos estão ocorrendo, trabalham intensamente (embora nem sempre com com sucesso), para ajudar grupos aliados a seus interesses a alcançar o poder. Isso acontece tão frequentemente que uma das questões imediatas sobre cada movimento específico é sempre — ou deveria ser — saber quais suas consequências, em termos do sistema mundial como um todo. Isso é muito difícil, já que os desdobramentos geopolíticos potenciais podem levar alguns a desejar rumos opostos às intenções anti-autoritárias originais do movimento.

Finalmente, devemos lembrar a respeito deste tema, e de tudo que está acontecendo agora, que estamos no meio de uma transição estrutural: de uma economia mundial capitalista que está se esgotando para um novo tipo de sistema. Mas ele pode ser melhor ou pior. Essa é a batalha real dos próximos vinte a quarenta anos. E a posição a assumir aqui, ali e em qualquer lugar deve ser decidida em função desta grande batalha política mundial.

* Publicado originalmente em iwallerstein.com, em 1 de julho de 2013. A tradução é de Gabriela Leite para o OutrasPalavras.

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Ainda este mês a Boitempo lança seu próximo livro de intervenção Cidades Rebeldes: Passe livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil, com textos de Slavoj Žižek, David Harvey, Mike Davis, Ermínia Maricato, Carlos Vainer, Ruy Braga, Paulo Arantes, Silvia Viana, Pedro Rocha de Oliveira, Felipe Brito, Lincoln Secco, João Alexandre Peschanski, Mauro Iasi, Raquel Rolnik, Leonardo Sakamoto, Jorge Luiz Souto Maior, entre outros.

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Sobre as manifestações de junho, leia no Blog da Boitempo:

Problemas no Paraíso, por Slavoj Žižek

Por que a concentração monopólica da mídia é a negação do pluralismo, por Dênis de Moraes

A potência das manifestações de rua, por Ricardo Musse

A primavera brasileira: que flores florescerão? por Carlos Eduardo Martins

As manifestações, o discurso da paz e a doutrina de segurança nacional, por Edson Teles

O inferno urbano e a política do favor, tutela e cooptação, por Marilena Chaui

A criação do mundo revisitada, de Izaías Almada

Tarifa zero e mobilização popularO futuro que passou, de Paulo Arantes

Pode ser a gota d’água: enfrentar a direita e avançar a luta socialista, de Mauro Iasi

A classe média vai ao protesto A classe média vai ao protesto (II), por Pedro Rocha de Oliveira

A direita nos protestos, por Urariano Mota

A revolta do precariado, por Giovanni Alves

O sapo Gonzalo em: todos para as ruas, de Luiz Bernardo Pericás

A guerra dos panos e Técnicas para a fabricação de um novo engodo, quando o antigo pifa, por Silvia Viana

Fim da letargia, por Ricardo Antunes

Entre a fadiga e a revolta: uma nova conjuntura e Levantem as bandeiras, de Ruy Braga

Proposta concreta, por Vladimir Safatle

Anatomia do Movimento Passe Livre e A Guerra Civil na França escritos por Lincoln Secco

Esquerda e direita no espectro do pacto de silêncioMotivos econômicos para o transporte público gratuito, por João Alexandre Peschanski

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Immanuel Wallerstein nasceu em Nova York (Estados Unidos), em 1930. É doutor em Sociologia pela Universidade Columbia, onde lecionou — foi também professor nas universidades McGill e Binghamton. Desde 2000, é pesquisador-sênior do Departamento de Sociologia da Universidade Yale. Estudioso do marxismo e crítico do capitalismo global, é uma das principais referências teóricas dos movimentos antiglobalização. É autor de O universalismo europeu (Boitempo, 2007) e The essential Wallerstein (Boitempo, no prelo).

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