A Igreja e seus achaques

13.05.02_A Igreja e seus achaques_Flávio AguiarPor Flávio Aguiar.

Li estarrecido a notícia sobre a excomunhão de um padre em Bauru, no interior de São Paulo, por ter ele defendido homossexuais e condenado as atitudes retrógradas da Igreja Católica em relação a sexo. Diz o juiz instrutor do caso que a decisão de excomungá-lo não teve por base o apoio aos gays, mas sim a sua recusa em obedecer às autoridades da Igreja.

Seja como for, o caso entra para o passivo da Igreja, que terá de prestar contas perante o Criador no dia do Juízo Final ou outra circunstância parecida.

Porque não dá para deixar de sublinhar o rigor desta medida cavernosa diante da indulgência com que a hierarquia católica tratou, até agora, os casos de pedofilia e de outras barbaridades cometidas nas barbas, não do Profeta, mas dos Santos Papas, se eles as tivessem, como alguns já tiveram bem antigamente.

Esquece a hierarquia da Igreja a palavra do próprio Cristo, através do evangelista: “Mas ai daquele que produz escândalos! Seria melhor para ele que lhe amarrassem uma pedra de moinho no pescoço e o jogassem no mar, do que escandalizar um desses pequeninos.” (Lucas, 17, 1-2).

Fico imaginando o que aconteceria se o meu livro A Bíblia segundo Beliel caísse nas mãos de um juiz destes. Certamente eu e o Beliel iríamos para o beleléu.

Decididamente a Igreja está precisando de um choque de gestão. Conseguirá dá-lo o Papa Francisco I? Não sei. Recentemente ele apontou uma espécie de Conselho Episcopal, composto por cardeais dos cinco continentes, como uma espécie de grupo auxiliar para auxiliá-lo na administração (faxina, eu diria) da Igreja.

Haverá remédio para a Santa Madre? Bom, é verdade que, apesar das cruzadas da direita vaticana e opusdêica contra, por exemplo, a Teologia da Libertação e as Comunidades Eclesiais de Base, estas continuam e, por debaixo dos panos eclesiásticos passam bem, obrigado. Estão, é verdade, numa espécie de clandestinidade obsequiosa. Mas não desapareceram.

É difícil coisas desaparecerem na Igreja. Certa vez meu querido (e infelizmente ido) amigo Eder Sader me contou um episódio, sobre um encontro que ele assistiu na sede do Cebrap, com sociólogos, antropólogos, teólogos, religiosos, etc. sobre os destinos da Santa Madre. Disse-me ele que um dos presentes defendia a tese de que o acontecia com as CEBs no Brasil e na América Latina era o que havia de mais importante para definir os destinos da Igreja no próximo milênio. “Flávio”, me disse ele, arregalando os olhos como fazia nessas ocasiões, “eles pensam em milênios!”…

É verdade, penso até hoje. O tempo eclesiástico é de outra dimensão, assim como o do Criador, de certo modo, é o da eternidade. Esta é uma outra razão para meu pensamento que pode ser herético, mas não é desrespeitoso. Exatamente por ser seu tempo o da eternidade, é que o Criador teve que se dedicar a tirar do tudo (ou do nada, para alguns) a Criação, e dentro dela o ser humano. É porque na eternidade não há prazer. Esta é uma das razões por que, por exemplo, o Zeus grego ficava procurando as humanas gostosas, ao invés de ficar apenas com a insípida Hera. Era para ver se ele conseguia pelo menos vislumbrar o que era o prazer, porque o prazer só é prazer porque acaba. O prazer é umbilicalmente ligado à sensação de finitude.

E esta é uma das dimensões do gigantesco erro em que a Santa Madre incorre ao defender coisas como a castidade, a querer proibir o direito ao aborto (não que eu seja indiscriminadamente a favor do aborto, mas sou sim contra a sua criminalização), ao atacar a opção das pessoas do mesmo sexo que se amam, etc. Porque isto parte de uma ideia de negação do prazer, que é uma das dimensões que, através da Criação, o Criador (ou o Big Bang, para os íntimos da religião científica) ou seja lá quem for ou que nome se lhe atribua, entregou, como dádiva, aos seres que a povoam, desde as amebas até o ser pensante que julgamos ser.  

Durma-se com uma excomunhão dessas! Ou com as duas – a do padre de Bauru e a do prazer.

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A Bíblia segundo Beliel. da criação ao fim do mundo: como tudo de fato aconteceu e vai acontecer, de Flávio Aguiar, já está disponível em versão eletrônica (ebook), por metade do preço do livro impresso na Travessa e na Gato Sabido.

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Confira o Booktrailer do livro abaixo:

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Flávio Aguiar nasceu em Porto Alegre (RS), em 1947, e reside atualmente na Alemanha, onde atua como correspondente para publicações brasileiras. Pesquisador e professor de Literatura Brasileira da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, tem mais de trinta livros de crítica literária, ficção e poesia publicados. Ganhou por três vezes o prêmio Jabuti da Câmara Brasileira do Livro, sendo um deles com o romance Anita (1999), publicado pela Boitempo Editorial. Também pela Boitempo, publicou a coletânea de textos que tematizam a escola e o aprendizado, A escola e a letra (2009), finalista do Prêmio Jabuti, Crônicas do mundo ao revés (2011) e o recente lançamento A Bíblia segundo Beliel. Colabora com o Blog da Boitempo quinzenalmente, às quintas-feiras.

2 comentários em A Igreja e seus achaques

  1. JOSE DE LOURDES SOARES GUIDA // 03/05/2013 às 1:46 pm // Responder

    meus amados não excomungamos ninguém respeitamos mais os gays querem que o Brasil aceite ou mesmo mude os custamos ou mesmo o certo ai sim já é de mais respeito eu ate me cento, converso, brinco tenho colegas gays.Mais dizer que ele eles vão para o céu Ganhara salvaçao vivendo essa vida nunca por mim viva o que e como quiser mais salvação não terão.

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  2. Caro José de Lourdes: escreva o que quiser e como quiser. Mas não se ponha no lugar do Senhor a dizer quem vai ser salvo e quem não vai. Isso sim é heresia. Atte., Flávio.

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