Vitória apertada, mas vitória: sobre a eleição de Nicolás Maduro

13.04.15_Gilberto Maringoni_Vitória apertada, mas vitóriaPor Gilberto Maringoni.*

UM
O resultado: 50,66% para Nicolás Maduro e 49,07% para Henrique Capriles. Em números absolutos, 7.505.338 contra 7.270.403 de votos, diferença de 234.935 sufrágios. Mínima, mas real. 

Democracia é assim: quem tem mais votos leva, mesmo que seja 50% mais um.
Numa ditadura, isso não é possível. Ditaduras prescindem do outro lado e da oposição. Maduro venceu apertado, mas venceu. Na ponta do lápis, a questão está resolvida: o chavismo continua sem Chávez.

Mas o resultado tem de ser examinado além das planilhas. 

DOIS
O governo não estava preparado para essa diferença. Possivelmente Capriles – que cogitou não concorrer, logo após a morte de Chávez – também não.

Os chavistas avaliaram que dariam uma lavada na oposição, repetindo ou aumentando a diferença de 12% (56 a 44%) das eleições de outubro, quando Capriles enfrentou Chávez em sua última disputa.

Agora, o governo contava com o clima emocional disseminado no país, após a morte do Comandante, e os inegáveis avanços sociais de seu governo.

Pesavam contra a situação a persistência da inflação, da violência e a burocracia estatal a prejudicar o desenvolvimento dos serviços públicos. Não são problemas criados pelo chavismo, mas que continuaram nos últimos anos.

TRÊS
Havia certa tensão no ar nos jardins do palácio de Miraflores na noite quente deste domingo, em Caracas. As ruas estavam desertas e praticamente não havia bares ou restaurantes abertos. Cerca de duas mil pessoas aglomeraram-se à espera do resultado oficial do Conselho Nacional Eleitoral, que seria projetado em um telão.

Eram quase 23 h quando o órgão anunciou a totalização. 

O clima foi de espanto geral. A expectativa de um passeio não se concretizara.
Cinco minutos depois, um locutor anuncia a presença de Maduro. 

QUATRO
Maduro estava visivelmente na defensiva. Em 43 minutos, reafirmou varias marcas da campanha, denunciou planos desestabilizadores, exaltou Chávez, a Constituição e justificou o resultado eleitoral citando a vitória de George W. Bush em 2000. Lembrou que naquele processo – turvado por somas contraditórias em varias regiões da Flórida – a diferença fora também mínima. Chamou os presentes a cantar o hino nacional, voltou a denunciar a desestabilização, falou do socialismo, da democracia “protagônica”, alertou a oposição de que não deveria contestar a voz das urnas e tornou a falar de Chávez. 

Não parecia haver roteiro prévio. 

CINCO
Cotejando o resultado final com as pesquisas de dez dias atrás – as últimas que puderam ser divulgadas –, pode-se constatar que o candidato situacionista viu uma margem de até 12% de diferença apertar-se para 1%. Ou seja, Maduro estaria em queda e Capriles em ascensão. A derrota era um risco real para o governo, não considerada como hipótese séria em alguns de seus círculos.

SEIS
Henrique Capriles faz o que qualquer candidato em sua situação faria: esperneia. Pede recontagem dos votos e diz não reconhecer o resultado. Ficou por vários minutos na televisão, em coletiva com a equipe de campanha, a dizer que “o grande derrotado foi Maduro”, numa evidente forçação de barra.

Se Maduro não sair da defensiva, a argumentação de Capriles pode prosperar. A imprensa – venezuelana e internacional – aumentará o cerco, buscando deslegitimar o mandato do novo presidente. Não lhe dará folego algum.

SETE
As falas de Maduro na campanha – corretamente – se apoiaram no legado de Chávez e na história de seus mandatos, com especial destaque para o golpe de 2002. É importante, mas o presidente pouco comenta do futuro, dos planos, dos projetos. Tem seu farol apontado para trás, o que pode dificultar a criação de uma imagem própria para a população.

OITO
Em abril de 2002, três semanas após o golpe, vim pela primeira vez à Venezuela. No hotel em que me hospedei, perguntei a uma camareira como estava o país. Ela respondeu: “Quiseram quitar Chávez, pero no conseguiram. Chávez és nuestro y por iso no lo quierem”. A frase me espantou pela síntese. Os pobres queriam seu líder.

Corte. Onze anos depois, chego ao hotel onde estou hospedado na capital venezuelana. Pergunto ao rapaz que leva minha bagagem até o quarto em quem ele votaria. “Em Capriles, claro! Hay que cambiar”.

Entre os mais de sete milhões de votantes em Capriles, a maioria seguramente é constituída por pobres.

Olhando as planilhas de outubro passado, uma conclusão inicial pode ser feita (lembrando que Chávez teve 8.191.132 votos e Capriles 6.591.304).

Em seis meses, a oposição ganhou cerca de 680 mil votos, enquanto o governo perdeu ao redor de 700 mil. Pode ter havido uma migração de um lado para o outro.

Saber onde e por que isso aconteceu é vital para a continuidade e estabilização do governo Maduro.

NOVE
Os próximos dias e semanas serão um duro teste para o presidente Nicolás Maduro. Terá de enfrentar uma direita interessada em desestabilizá-lo e um cerco midiático avassalador. A situação obrigará também a uma reflexão e redefinição dos rumos e ritmos da ação governamental.

Por fim, há algo não pode ser colocado em xeque: Maduro ganhou.
Leva.
Democracia, como já dito, é assim.

* Artigo publicado originalmente no perfil do autor no Facebook, direto de Caracas.

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A edição 20 da revista Margem Esquerda: ensaios marxistas já está nas livrarias (em breve será lançada em ebook), com dossiê sobre a mídia contemporânea organizado por João Brant, incluindo artigo de Gilberto Maringoni (“A disputa pela regulação das comunicações na América Latina”).

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Gilberto Maringoni é doutor em História Social pela FFLCH-USP e professor adjunto de Relações Internacionais na Universidade Federal do ABC. É autor, entre outros, de A Revolução Venezuelana (Editora Unesp, 2009) e Angelo Agostini: a imprensa ilustrada da Corte à Capital Federal – 1864-1910 (Devir, 2011). Cartunista, ilustrou algumas capas de livros publicados pela Boitempo Editorial na Coleção Marx Engels, como o Manifesto comunista.

1 comentário em Vitória apertada, mas vitória: sobre a eleição de Nicolás Maduro

  1. Eu não gostaria de julgar e nem condenar os candidados do PSOL. Felizmente, pude ver reações positivas de Luciana Genro e Marcelo Freixo: Genro não sugere que entreguem os votos para Aécio; Freixo não aceita a volta dos governos tucanos. Ainda assim, fico indiscutivelmente perplexo com a necessidade do PSOL jamais oferecer apoio ao PT – este, ao contrário, já ofereceu. Já ouviram/leram sobre para quem irão os votos de Luciana Genro? Sim, irão para Aécio – não em sua totalidade, é claro. Então me pergunto: o que acontece? Será que é realmente do interesse da esquerda – referindo-me aos partidos que estavam dispostos a formar uma Frente de Esquerda – manter distância do PT nesse momento? Com a bancada mais conservadora possível eleita esse ano e o sentimento de (suposta) “renovação política” – óbviamente reacionária -, a direção do PSOL e sua militância, assim como de outros partidos à esquerda, irão realmente cruzar seus braços e deixar o sentimento de rejeição às bandeiras de esquerda crescer cada vez mais? Quero dizer, a estratégia de alocar o PT no campo da direita ao lado de outros partidos tradicionalmente conservadores e reacionários tem realmente trazido bons resultados? O eco das críticas ao PT não estaria fazendo um “bate-volta” nas disputas atuais? Realmente me questiono. Não me parece que os ataques ao PT estejam sendo interpretados como deveriam pela grande maioria. As críticas, todas elas, tem assumido uma dimensão de rejeição às esquerdas, _coerentes ou não_. Sou eu quem estou sendo muito negativo? Me corrijam, por favor, se eu estiver errado. Mas o que vejo, na verdade, é que quanto mais atacam o PT e quanto mais são assimiladas as críticas, menos à esquerda as pessoas ficam.

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