O Papa e a vida

13.03.27_Mauro Iasi_O Papa e a vidaPor Mauro Iasi.

¿Que dirá el Santo Padre?
Que vive en Roma,
que le están degollando,
a su paloma

Violeta Parra

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Há um novo Papa, é latino-americano e se denominou de Francisco, segundo ele por sugestão do Cardeal brasileiro para demonstrar que a Igreja não esqueceu dos pobres.

A Igreja nunca esqueceu dos pobres, eles são seu principal combustível, assim como o medo, a morte e o vazio da existência. Na espetacularização da vida, arte na qual as instituições religiosas são especialistas, são fundamentais os ritos, o mistério, o segredo, o manto que encobre a materialidade da qual parte, assim como o jogo de espelhos que refletem o real invertido no caleidoscópio das imagens refratadas.

Milhares de pessoas no mundo cultivam seu vínculo com o sagrado, buscam encontrar alguma relação entre a imediaticidade do cotidiano, a origem e seu destino, no interior da mundanidade ou além desta, em outra vida que supere a morte. Em relação a este sentimento religioso e às pessoas que nele acreditam, devemos guardar – ainda que discordando – o mais sincero respeito.

No entanto, em relação às instituições que são a cristalização burocrática deste fenômeno, que se erguem como força estranha contra aqueles que a produziram, que no seu gigantismo prepotente e arrogante, com seus ritos ridículos e sua pretensão de seriedade, reproduzem e ampliam a alienação e o estranhamento, devemos exercer e cultivar a mesma crítica que dirigimos à todas as formas outras deste mesmo fenômeno.

Repetimos com Maiakókiski: “como um lobo estraçalharia toda a burocracia”, a certas credenciais não guardamos nenhum respeito. Nós, marxistas, costumamos ser muito severos com nossas próprias instituições quando se degeneram em formas estranhadas, não poderia ser diferente contra uma instituição que faz disso uma virtude e se fundamenta ela mesma numa manifestação social que é a forma fundante da alienação. Como dizia Feuerbach, todo sentimento religioso é a expressão de um ser humano que antes de encontrar em si o sol de sua existência o projeta para fora, daí a noção marxiana que toda a emancipação humana é o retorno ao homem daquilo que é humano.

A atenção atraída em torno da saída do Papa antigo e sua substituição por este “novo” é compreensível. Além das citadas milhares de pessoas que seguem passiva ou ativamente a religião católica, trata-se de uma instituição com grande poder e presença no mundo contemporâneo e o perfil de seu dirigente tem incidência direta nos rumos da instituição.

Isso não nos impede, no entanto, de destacar o caráter absolutamente anacrônico desta instituição e, uma vez abordado por olhos críticos, não podemos deixar de usar o qualificativo ridículo diante de um grupo de pessoas com chapéus pontudos, reunindo-se em segredo, comunicando-se por fumaça e depois, em pleno início do século XXI, coroando um monarca ungido simbolicamente por Deus.

Faz parte do espetáculo a especulação. Por que teria deixado o cargo o papa nazista? O que vem agora é reacionário, apoiou a ditadura Argentina (seus defensores afirmam que é um mal entendido)? Seria um progressista que escolheu o nome de Francisco porque lembrou dos pobres da América Latina? O que teriam discutindo os senhores cardeais no enclave, princípios teológicos, permaneceram em silêncio reverencial para escutar a voz de Deus iluminando sua escolha ou analisaram grossos dossiês da vida pregressa dos papáveis prevenindo-se de futuras surpresas amargas?

Não sabemos. O negócio é secreto por algum motivo. O que sabemos é que debaixo da coroa-chapéu do Papa, envolto num manto branco de pureza celestial, com cajado (de ouro) em uma mão e a outra levando aos céus dois dedos, com uma voz rouca em um italiano em que ressoa as velhas catacumbas sob a cidade eterna, ele vai aparecer numa janelinha, uma multidão emocionada que não vê nada (mas quem tem fé não precisa disso) vai ouvi-lo falar dos sérios problemas do mundo e do abraço fraterno aos que sofrem. As televisões de todo o mundo cobriram o acontecimento, especialistas analisaram cada palavra e seus significados revelados e ocultos.

E a vida vai continuar. Nos lares das famílias pobres o velho retrato do Papa alemão que substituiu o reacionário polonês será substituído pelo do argentino. Os latino-americanos serão tomados por um orgulho incompreensível. A rivalidade com nossos amigos argentinos vai ganhar novas piadas. O papa pode ser argentino, mas Deus continua sendo brasileiro. A vida segue.

Um senhor chamado Mennini que dirige uma coisa chamada Amministracione Del Patrimônio della Sede Apostólica, que trabalha com a gestão do patrimônio da Santa Sé, uma bagatela de 680 milhões de euros que tem sua origem no dinheiro que Mussolini (aquele mesmo, o Benito) havia dado ao Vaticano em 1929 em troca do reconhecimento do regime fascista (certamente é só mais um mal entendido), vai explicar ao novo Papa, como andam os negócios, em Bancos, empresas, e outras áreas desta ordem mundana.

Por alguma razão estranha à minha compreensão, os pobres latino-americanos acordaram mais esperançosos.  A Santa Igreja, certamente acordou um pouco mais rica.

Conta-se uma história que o presidente Juscelino Kubtischek ia visitar o Papa e queria levar um presente especial. Lá em Minas havia um artesão extremamente talentoso famoso por suas caixas de madeira com finos acabamentos de marchetaria e que, além de artista, era militante do PCB.  O comunista inicialmente se recusou, mas diante da insistência do presidente fez uma linda caixa toda trabalhada e forrada do mais fino veludo roxo vaticânico e repassou ao viajante que a entregou ao Papa.

Em seu retorno, Juscelino foi agradecer ao comunista mineiro e este lhe falou: “sabe aquela caixinha que foi dada ao Santo Padre, então, embaixo daquele veludo que cobre o interior da caixa, está gravado com fogo, fundo e indelével, uma foice e um martelo junto à inscrição – Viva o partido Comunista Brasileiro”.

Bom, nós também queríamos dar um presente ao novo Papa. É só procurar naquele enorme acervo onde estão guardados os presentes que os Papas recebem, uma caixinha que deve estar com seu forro um pouco corroído revelando um velho recado de um querido e criativo camarada.

Viva os 91 anos do Partido Comunista Brasileiro!

***

Mauro Iasi é professor adjunto da Escola de Serviço Social da UFRJ, presidente da ADUFRJ, pesquisador do NEPEM (Núcleo de Estudos e Pesquisas Marxistas), do NEP 13 de Maio e membro do Comitê Central do PCB. É autor do livro O dilema de Hamlet: o ser e o não ser da consciência (Boitempo, 2002). Colabora para o Blog da Boitempo mensalmente, às quartas.

18 comentários em O Papa e a vida

  1. Carlos Alberto Potoko // 27/03/2013 às 9:29 pm // Responder

    Se é possível medir a saúde intelectual de uma sociedade baseando-nos em seu apego religioso, então gostaria de saber por que os EUA (de judeus, católicos e protestantes) governam o mundo enquanto os países do leste Europeu somem diante dele? PS: Adoro Marx

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    • Ola,
      Não acredito que se possa medir a saúde intelectual de um pais pelo seu apego religioso. Quem governa os EUA é a burguesia monopolista em sua fase imperialista, se alguns disfarçam tal domínio com argumentos religiosos, como costumava fazer o ex presidente Bush, é outra história.

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  2. Seu texto, além de precisar de uma pequena revisão em termos de gramática (cuidado com as crases e congêneres), é impregnado de juízos de valor de ares bem sofísticos: “o papa nazista”, “o papa que apoiou a ditadura”. Espetáculo é o que parece pretender a sua escrita, cheia de acusações sem sua devida articulação histórica (rigorosa, de preferência).

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    • Obrigado pelas criticas gramaticais, quanto ao conteúdo mantenho minha posição. Sobre a história pregressa do atual Papa ver o bom artigo de Atilio Boron.

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      • Josué Maia // 05/04/2013 às 2:45 pm // Responder

        Caríssimo, o artigo que o senhor indicou (cheio de leviandades e nenhum compromisso científico, além de um profetismo inócuo), ainda não o subsidia no sentido de afirmar coisas como “o papa nazista”, “o papa que apoiou a ditadura”. Esta última afirmação ainda é plena de obscurantismos, não há nada decisivo (pelo menos para os que não estão se dispondo a sensacionalismos baratos). Quanto à primeira, Ratzinger foi alistado (sim, era obrigatório) na juventude hitlerista. Mas depois o senhor pode me apontar, por gentileza, um discurso (oficial ou não) em que ele advoga o nazismo – e por favor, sem superinterpretações.

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  3. Ser critico, exige muito!!! facilmente se pessoas que ao tentar ser acabam enveredando pelas portas do censo comum das repeticoes pifias de todos os vendedores de esquina….Nao sei porque, mas acho no minimo ridico este tipo de critica falaciosa a Santa se’.. afinal cada pobre vive num pais e tem um governo para cuidar de suas manzelas..a Santa se’ alem de Sede da Igreja e’ um estado, e enquanto estado tem sua riqueza e seus negocios…. deverias escrever isto ao Fidel castro, para ver se ele poderia vender uma de suas balalaikas e dar o dinheiro aos pobres…Olhe para a historia e veja quantas obras de caridade ja a Igreja fez em prol dos pobres que o comunismo enganou seja na Africa ou na America… bem que o PCb, poderia vender a casa de seus lideres para alimentar os pobres do brasil…bem haja Camaradas…

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    • Sem comentarios… “cada pobre vive em seu pais e tem um governo para cuidar de suas mazelas” (??!!!!)

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      • Todo o Pobre vive dentro de um territorio, e tem um governo que e’ responsavel por resolver seus problemas e suas carencias….Se tens pobres no teu pais, nao va reclamar ao Vaticano, reclame com a Dilma, com o PT..sei la…!!! O Vaticano e’ um Estado e tem de cuidar dos seus como qualquer outro estado..a Santa Se’ cuida dos Fieis e dos negocios do Vaticano, Qual o problema em o Estado do Vaticano e a Igreja possuirem Riqueza ??? …o meu apelo e’ para que ao fazeres suas analises marxistas possas separar devidamente Estado de Igreja Catolica..para nao cair em censo comum…

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  4. parabens pelo artigo muito interessante, revelando a realidade de que a massa e que continua mantendo os interesses dos grandes seja no campo politico, religioso ou qualquer que seja. Ainda bem que temos as ideias muito vivas de Marx para fundamentalizar nossos pensamentos e ideais para não fazermos parte deste circo vicioso.

    wilkerson marques

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  5. Tenho pena de Marx…. deve se mexer na sepultura toda vez que um dito discipulo seu o usa para justificar criticas infundadas… fico as vezes sem entender quem e’ pior: marxistas ou evangelicos…..PS: gosto de Marx e nao dos ditos ditos Marxistas radicas..

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  6. Há o risco do Brasil deixarde ser laico!

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  7. monica aguiar // 30/03/2013 às 2:07 am // Responder

    Eu acho que suas idéias até são interessantes, mas quando vc usa expressões como Papa nazista e Papa reacionário fica uma coisa tão facciosa que elas perdem impacto. Um estilo um pouco mais despojado certamente teria mais alcance.

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  8. Só isso de resposta? A crítica vem em forma de pedradas sobre a Santa Sé.Há um questionamento dos leitores que merecem uma resposta mais consistente,O que me faz pensar que não há consistência neste revestimento socialista para dar tal resposta.

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  9. Maria Laura Ribeiro da Costa Soares // 02/04/2013 às 5:39 pm // Responder

    A questão não é a pobreza da America Latina ou o poder ou as tendências políticas e ideológicas do Vaticano. A questão é a falta de alternativa nesses dois segmentos. Porque a expectativa da humanidade é hoje bem mais profunda (sempre foi mas só nos demos conta disso quando nos colocamos num beco sem saída, como estamos hoje). A questão agora é evolucionista: a materialidade chegou ao seu ápice e já não cabe mais dentro dos sonhos humanos. Só há uma saída: a evolução em outro nível. E este nível não é a religiosidade, mas, a ampliação do nivel de consciência, do conhecimento de si mesmo, para alcançarmos outros paradigmas de vida e de sabedoria. Pobres homens somos que não percebemos que podemos mudar, podemos crescer, podemos respeitar, podemos caminhar juntos, podemos amar. Não no nível de si mesmo, mas, dentro do coletivo. Se não amamos aos homens (que vemos) como poderemos amar a Deus (que não vemos)?

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    • Parabens Sturt pelo link do Roberto Numerario, nao se poderia ter respondido melhor a este artigo infundado… pugnemos pelo rigor no agir cientifico, e nao pela exposicao publicizada de pensamentos de bar, em funcao de quem o expos, tal qual me parece ser este artigo do Mauro.

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  10. Por algum motivo a igreja católica é uma das instituições mais ricas do mundo, países religiosos são ricos. Se existe Deus ele não daria poder a grupos Satanistas, o socialismo e comunismo se afundaram todos os países que aderiram a essa ideologia foi pelo ralo, motivo sua intenção de descristianizar o mundo Karl Marx um burguês que bebia vinho Francês e comia Caviar resolveu fazer frente ao reino de Deus, pobre ideologia.

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