As geniais fórmulas do Amor

13.03.19_Urariano Mota_As fórmulas do AmorPor Urariano Mota.

A notícia correu a internet numa sexta-feira 13. A partir da BBC se anunciava que “Laboratório do Amor prevê duração de casamento”. Ainda que estejamos vacinados contra as fraudes, contra o sensacionalismo, contra os enganos a que somos levados pela grande imprensa, ainda assim, como bons curiosos, crédulos, não pudemos deixar de cair na vala dessa notícia. Porque vejam que o indivíduo que dá título a um artigo destes é um satanás muito ardiloso. Que o amor seja objeto de estudo científico já é em si um assunto muito interessante. E se, além disso, um diabinho nos sopra aos ouvidos que exista um “laboratório”, um lugar de experiências para o Amor, e se, por cima desse feitiço, ainda nos insinua que em tais experiências se prevê a duração de um casamento… cara, bem que poderíamos avançar os olhos por esse tapete voador. Fomos e entramos. Acompanhem-nos.

“Cientistas do Instituto de Pesquisas de Relacionamento, apelidado de ‘Laboratório do Amor’, dizem ter criado um modelo matemático que pode prever quais relacionamentos terminarão em divórcio. O psicólogo John Gottman e os matemáticos James Murray e Kistin Swanson alegam que suas previsões têm 94% de precisão…”.

Cara, 94% de acerto sobre o futuro de um casamento deixou de ser probabilidade – é destino garantido. Tudo o que os espíritas nos insistem em cantar e contar, tudo que os pais de santo, ciganas, bruxas nos dizem, nos falam, e nos perturba, é tudo verdade. Esses cientistas são os novos alquimistas: conseguiram transformar a bola de cristal em objeto da mais pura ciência. Vejam, e sintam que não exagero: PREVISÕES COM 94% DE PRECISÃO. Podemos até dizer que 6% aí são uns casos muito rebeldes, que só existem para contrariar a universal Lei de Gravidade. Ou como diriam os sábios num paper: 6% são os mártires da lei geral que existe em toda ciência. Mas continuemos, porque 94% são só o resultado. Para tal wonderful existe um método:

“Os casais submetidos ao teste devem primeiro preencher um questionário para identificar seus tipos de personalidade. Eles então são ligados a um equipamento para monitorar respostas físicas e emocionais durante uma discussão sobre assunto controverso, como dinheiro, por exemplo..”.

Até aí, além do fato material, básico, de que casais extremamente amorosos, espirituais, perdem a alma e o romantismo quando divergem sobre dinheiro, até aí, nada demais. Mas continuemos.

“O modelo (de previsão?) foi desenvolvido com o uso de dados coletados de conversas filmadas entre casais. Dados psicológicos, como medição de pulsação, também foram coletados e analisados…”.

Esqueçamos que medidas de pulsação se tornaram dados psicológicos – há, ou haveria, uma pulsação de medo, de angústia, de raiva, ou de felicidade? Admitamos que sim, mas como tais pulsações qualitativa e psicologicamente distintas se refletem em números? Mas quem somos nós diante de tais alquimistas, queremos dizer, cientistas? Continuemos.

“Segundo os pesquisadores, as conversas refletem problemas fundamentais de um casal…” .

Não seria mais próprio medir-se o silêncio? Digo, se me entendem sem metáfora, medir as horas em que os casais em um mesmo ambiente não se falam? Pois bem.

“…Segundo Gottman, antes desse modelo, previsões de divórcio não eram precisas. ‘E nós não tínhamos ideia de como analisar os casamentos de longa duração e os casais que se divorciavam’”.

E agora? Atenção, ciência, alô, alô alquimia:

“O segredo foi quantificar a proporção de interações positivas e negativas durante as conversas. …”

Parágrafo, um longo branco de parágrafo aqui mereceria. Porque interações positivas e negativas não são tão visíveis quanto o vermelho e o negro. E muito menos o seu valor, de carga de sentimento e de paixão. O que dizer, por exemplo, de dez pulsações de amor, contra uma só e somente uma de destruição? Como prever, por exemplo, o destino do casamento de Lady Di e o Príncipe Charles? Mas não atrapalhemos a ciência.

“A proporção mágica é de cinco para um, respectivamente…” cinco positivas contra uma negativa, “…e um casamento corre o risco de não dar certo se a proporção for menor que isso”.

Em lugar de proporção mágica, não seria melhor dizer, porção mágica? Assim ficaríamos melhor harmonizados, no entendimento, na sensibilidade, e, quem sabe, no casamento. Mas não interrompamos os cientistas-cupidos:

“O que estamos tentando fazer é realmente entender como funcionam as relações amorosas. E assim poderemos ajudar as pessoas a construir seus romances e paixões”.

Terrível, não? Em uma espiral crescente de ridículo, essa pesquisa foi apresentada no encontro anual da Associação Americana para Avanços Científicos, em Seattle, depois a BBC e outras fontes mais austeras espalharam-na pelo mundo, e cá estamos nós a comentá-la!

Por fim, um analista de ciência do New York Times uniu-se a um estatístico e atualizou a fórmula para a bela feição a seguir.

d

P = número de casamentos anteriores do casal
Ab = idade dele
Ag = idade biológica (e não cosmética) dela
Gb = número de resultados para o nome dele no Google (em milhões)
Gg = número de resultados para o nome dela no Google (em milhões)
S = nas primeiras cinco fotos de resultados dela no Google, o número de imagens sensuais
D = há quantos meses eles se conheciam antes do casamento (pode ser fracionado)
T = tempo de duração do casamento. Para descobrir as chances de o casamento durar 1 ano, coloque 1; para as chances de durar 5 anos, coloque 5 etc.
Bliss = percentual de chance de o casamento durar pelo tempo que você escolheu

Creiam, Machado de Assis não seria mais inventivo, nem mesmo em O Alienista. Melhor voltar à nossa insignificância e deixar com vocês Millôr Fernandes, que assim falou do casamento em números:

Poesia Matemática

Às folhas tantas
do livro matemático
um Quociente apaixonou-se
um dia
doidamente
por uma Incógnita.
Olhou-a com seu olhar inumerável
e viu-a, do Ápice à Base,
uma figura ímpar:
olhos rombóides, boca trapezóide,
corpo octogonal, seios esferóides.
Fez da sua uma vida
paralela à dela
até que se encontraram
no infinito.
“Quem és tu?”, indagou ele
em ânsia radical.
“Sou a soma do quadrado dos catetos.
Mas pode me chamar de Hipotenusa.”
E de falarem descobriram que eram
(o que em aritmética corresponde
a almas irmãs)
primos entre si.
E assim se amaram
ao quadrado da velocidade da luz
numa sexta potenciação
traçando
ao sabor do momento
e da paixão
retas, curvas, círculos e linhas sinoidais
nos jardins da quarta dimensão.
Escandalizaram os ortodoxos das fórmulas euclidianas
e os exegetas do Universo Finito.
Romperam convenções newtonianas e pitagóricas.
E enfim resolveram se casar,
constituir um lar,
mais que um lar,
um perpendicular.
Convidaram para padrinhos
o Poliedro e a Bissetriz.
E fizeram planos, equações e diagramas para o futuro
sonhando com uma felicidade
iIntegral e diferencial.
E se casaram e tiveram uma secante e três cones
muito engraçadinhos.
E foram felizes
até aquele dia
em que tudo vira afinal
monotonia.
Foi então que surgiu
O Máximo Divisor Comum
Freqüentador de círculos concêntricos,
viciosos.
Ofereceu-lhe, a ela,
uma grandeza absoluta
e reduziu-a a um denominador comum.
Ele, Quociente, percebeu
que com ela não formava mais um todo,
uma unidade.
Era o triângulo,
Tanto chamado amoroso.
Desse problema ela era uma fração,
a mais ordinária.
Mas foi então que Einstein descobriu a Relatividade
e tudo que era espúrio passou a ser
moralidade
como aliás em qualquer
sociedade.

***

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Urariano Mota é natural de Água Fria, subúrbio da zona norte do Recife. Escritor e jornalista, publicou contos em Movimento, Opinião, Escrita, Ficção e outros periódicos de oposição à ditadura. Atualmente, é colunista do Direto da Redação e colaborador do Observatório da Imprensa. As revistas Carta Capital, Fórum e Continente também já veicularam seus textos. Autor de Soledad no Recife (Boitempo, 2009) sobre a passagem da militante paraguaia Soledad Barret pelo Recife, em 1973, e Os corações futuristas (Recife, Bagaço, 1997). Colabora para o Blog da Boitempo quinzenalmente, às terças.

1 comentário em As geniais fórmulas do Amor

  1. Mara Narciso // 21/03/2013 às 4:41 pm // Responder

    Nem a matemática dá conta do amor. O que então pensar do desamor?

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