Síndromes, papas e datas memoráveis

13.02.21_Izaías Almada_Síndromes, papas e datas memoráveis_imagemPor Izaías Almada.

21 de fevereiro de 1848. Nessa data se publicou o Manifesto do Partido Comunista. Há 165 anos. Nele, Marx e Engels dão o diagnóstico fúnebre da monarquia e da religião, estas suplantadas por uma nova ordem econômica, o capitalismo, e identificando a burguesia como a nova classe social opressora.

Curioso o movimento pendular da História. Um século e meio depois o mundo vive, ao que parece, em nova crise de identidade, de transformação econômica onde, com esforço, impaciência e alguma incredulidade e ignorância por parte de uns e o esforço analítico e sério por parte de outros tantos, o mundo continua a dar cabeçadas em nome de alguma coisa que minimamente possa representar a solidariedade, a melhor distribuição da riqueza acumulada, a paz entre os povos. Nesse contexto reina a confusão entre homens e nações.  

Aqui no Brasil, por exemplo, ao declarar a uma emissora de rádio gaúcha, semanas atrás, que o deputado José Genoíno deveria renunciar ao seu mandato, o ex-governador do Rio Grande Sul, Olívio Dutra, do mesmo PT de Genoíno, ofereceu de bandeja à oposição, em especial aos seus pitibuls na mídia, o pretexto para ampliar a execração da esquerda brasileira.

Outra coisa não fizeram alguns desqualificados jornalistas e comentaristas políticos que, além de ironizarem o fato, ainda relembraram um caso antigo que envolveu o próprio governo Dutra no sul, citando o encontro de um seu funcionário com bicheiros naquele estado que, supostamente, ajudavam a financiar campanhas eleitorais.

Em outras palavras: Olívio Dutra, além de demonstrar inabilidade na análise da conjuntura atual da política brasileira deu munição àqueles que já não sabem muito bem o que fazer com os dez anos de governo do Partido dos Trabalhadores. Ou não sabem como conviver com o julgamento da AP 470, o maior e mais ridículo julgamento político feito por um tribunal brasileiro em tempos de democracia.

O tempo vai passando e, sobre isso, o jornalismo investigativo, o sério, vai aos poucos desmontando a farsa do “mensalão”, deixando a oposição de direita, de meia-direita, de centro ou mesmo de esquerda de calças na mão. Além do livro A privataria tucana, que mostra com provas irrefutáveis o verdadeiro ninho da corrupção no Brasil contemporâneo, temos o trabalho do jornalista Raimundo Pereira na revista Retrato do Brasil e agora o livro do jornalista Paulo Moreira Leite, A outra história do mensalão (também da Geração Editorial), matérias da revista Carta Capital e do jornal Brasil de Fato, além de inúmeros blogues, vão dando contornos à farsa político/jurídico/midiática organizada pelos setores mais comprometidos com o atraso em nosso país.

Do julgamento à renúncia do papa. O que deixa Deus sem seu representante na terra por algumas semanas. Fui surpreendido, como milhões e milhões de cidadãos com a notícia da renúncia do papa Bento XVI e dei-me conta (não é a primeira vez, claro) de que é tudo muito efêmero à nossa volta. Nada é muito novo nas relações humanas. O mundo caminha a passos largos para tornar tudo relativo e de pouca importância. Ou melhor, essa caminhada – ao que tudo indica – tem a ver diretamente com o sistema econômico de cada época em que se vive e, portanto, a que estamos submetidos.

O laicismo, desde sua definição e adoção em França, não tem passado de um conceito apenas teórico, cuja prática deixou e deixa de existir com as diversas interferências da religião na vida dos cidadãos e do estado. A fé continua a ser um “produto” vendido nos grandes mercados mundiais da ingenuidade humana. O que, apesar de não ser nenhuma novidade, contribui para confirmar uma zona nebulosa da humanidade.

Por outro lado, o moderno sistema de comunicação social, tendo a seu serviço emissoras de televisão privadas e estatais, jornais e revistas para os mais variados gostos e ideologias, emissoras de rádio, internets, tuíteres, feicibuquis, celulares, tabletes e mais algumas bugigangas da pós-modernidade, afunda o ser humano numa cisterna de informações contraditórias, espalhando no mais das vezes a confusão para dividir e reinar, para alongar a vida de um capitalismo que já dá inúmeras mostras de esgotamento de seus principais postulados. Nesse vendaval de informações e teorias, as várias religiões espalhadas pelo mundo ainda tentam “vender” uma fé que já não consegue se explicar. E, no meu modesto ponto de vista, que nunca se explicou. A história das religiões é, antes de qualquer coisa, a história do próprio homem, de suas virtudes e de seus defeitos. O homem é quem cria os deuses à sua imagem e semelhança.

Termino por dizer que 21 de fevereiro de 1912 é também uma data importante, pelo menos no meu calendário. Nesse dia, mês e ano nasceu Martha, minha saudosa mãe, que morreu ainda jovem e não conheceu o computador, o celular, o Genoíno, o Partido dos Trabalhadores, o papa Bento XVI e, com toda certeza, nunca ouviu falar em Marx e Engels. E muito menos em Julian Assange e seu WikiLeaks.

Aproveito, então, a data para sugerir à nossa ilustre visitante Yoani Sánchez, brava defensora do direito de expressão dos grandes monopólios midiáticos, que interceda junto ao governo norte americano pela vida e pelo direito de expressão do soldado Bradley Manning.

***

Leia também A síndrome Safatle/Dutra (I) e A síndrome Safatle/Dutra (II), as últimas colunas de Izaías Almada.

***

A Boitempo acaba de lançar Cypherpunks: liberdade e o futuro da internet, o primeiro livro de Julian AssangeO livro está disponível em ebook por metade do preço do impresso na Gato SabidoSaraivaAmazon e GooglePlay.

***

O Manifesto Comunista já está disponível em versão eletrônica (ebook), por metade do preço do impresso na Gato Sabido e na Travessa. A edição da Boitempo tem organização e introdução de Osvaldo Coggiola e reúne, além de sete prefácios de Marx e Engels, uma fortuna crítica com ensaios de Leon Trotski, Antonio Labriola, Jean Jaurès, Harold Laski, Lucien Martin e James Petras.

***

Confira, abaixo, as aulas de Chico de Oliveira e Osvaldo Coggiola sobre o Manifesto Comunista, no Curso Livre Marx-Engels, nas edições I e III, respectivamente:


Vem aí: O IV Curso Livre Marx-Engels ocorre de 7 a 15 de maio, e integra a 3a etapa do seminário internacional Marx: a criação destruidora em São Paulo. No dia 8/5, José Paulo Netto ministrará a aula A relevância e atualidade do Manifesto Comunista.

***

Izaías Almada, mineiro de Belo Horizonte, escritor, dramaturgo e roteirista, é autor de Teatro de Arena (Coleção Pauliceia da Boitempo) e dos romances A metade arrancada de mim, O medo por trás das janelas e Florão da América. Publicou ainda dois livros de contos, Memórias emotivas e O vidente da Rua 46. Como ator, trabalhou no Teatro de Arena entre 1965 e 1968. Colabora para o Blog da Boitempo quinzenalmente, às quintas-feiras.

1 comentário em Síndromes, papas e datas memoráveis

  1. João Garcia // 11/06/2013 às 2:08 pm // Responder

    Izaías, o bom e sincero brasileiro de Minas. Nos cruzamos em vários episódios dessa vida: Muitas das vezes na publicidade, outra em viagem à Portugal, onde nos recebeu , a mim e os amigos Sergio , Regina, e Tereza, com tanto carinho.No entanto ainda há muito o que conversar, refletir e concordar com tantos dos seus artigos aqui publicados. Particularmente ao lúcido e corajoso que remete aos comentários de Olívio Dutra sobre PT diante do tal julgamento e a carta do grande Antonio Cândido ao José Genoíno. Um abraço do João Garcia.

    Curtir

Deixe um comentário