Uma denúncia antidemocrática
Por Ruy Braga e Arielli Moreira – DCE Livre da USP.
No dia 4 de dezembro do ano passado, o Ministério Público do Estado de São Paulo denunciou ao poder judiciário 72 estudantes e funcionários da Universidade de São Paulo envolvidos na ocupação do prédio da reitoria em novembro de 2011. Eles foram acusados de, entre outros crimes, formação de quadrilha, posse de explosivos e danos ao meio ambiente.
Logo após a própria universidade, por meio de processos administrativos tendo por base o decreto n°52.906/1972, conhecido como regime disciplinar da USP, editado em conformidade com o Ato Institucional n°5, ter decidido suspender por até 15 dias aqueles estudantes e funcionários, o Ministério Público propôs à sociedade paulista o despautério de encarcerá-los por, no mínimo, oito anos! A denúncia em tela sequer contempla a individualização da conduta dos acusados, caracterizando os 72 acusados culpados por todos os crimes.
Relembremos rapidamente alguns fatos: no dia 27 de outubro de 2011, três estudantes de geografia foram presos ao fumar maconha por policiais militares que passaram o dia assediando a maior faculdade da USP. Em resposta, colegas dos cursos de letras, história, geografia e ciências sociais decidiram ocupar a administração da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) a fim de chamar a atenção para a crescente militarização do campus.
Na assembleia estudantil ocorrida na terça-feira seguinte, decidiu-se desocupar a administração da FFLCH e o prédio da reitoria foi ocupado. Na madrugada do dia 8 de novembro, este movimento foi duramente reprimido por uma milionária operação militar que envolveu mais de 400 policiais da tropa de choque da PM, apoiados por helicópteros e pela cavalaria militar.
A indevida exageração das acusações presente na denúncia foi rematada por uma cândida apreciação desta ação. Para a promotora Eliana Passarelli:
“No dia dos fatos, o Comando de Choque compareceu a Universidade de São Paulo, junto ao prédio da Reitoria, e solicitaram (sic) novamente aos denunciados que desocupassem o local de modo pacífico. Ante a recusa manifestada pelos envolvidos, os milicianos procederam a (sic) retirada de cada um dos ocupantes, sem utilização de força ou qualquer artefato químico.”
Uma simples consulta às imagens daquela desocupação disponíveis na internet já seria suficiente para refutar tamanha patetice. Claramente, a Polícia Militar não apenas empregou bombas de efeito moral como também intimidou de modo truculento os moradores do conjunto residencial da universidade. A representante do Ministério Público faria melhor figura se, ao invés de criminalizar o movimento estudantil, denunciasse o flagrante desperdício de dinheiro do contribuinte com a desatinada operação de desocupação.
A presença permanente da força militar em um campus universitário é objeto de controvérsias em todo o mundo. Não por outra razão, as universidades contam com efetivo desarmado de segurança, especializado em lidar com os problemas característicos de um meio ambiente institucional cujos valores como liberdade criativa, independência intelectual e raciocínio crítico são essenciais para o progresso humano.
Ademais, medidas realmente capazes de transformar o campus da USP em um lugar mais seguro, tais como a instalação do novo sistema de iluminação pública, por exemplo, nem ao menos começaram a ser implementadas. Na realidade, o Tribunal de Contas do Estado (TCE) já cancelou por duas vezes o edital para licitação do sistema de iluminação por suspeita de direcionamento a uma empresa.
A questão da segurança no campus da USP merece não apenas ser melhor equacionada por seus dirigentes, como a comunidade universitária não pode permitir que dezenas de seus membros sejam criminalizados pelo Ministério Público estadual em razão de um simples protesto democrático. Lutar por mais participação democrática não é crime.
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Ruy Braga, professor do Departamento de Sociologia da USP e ex-diretor do Centro de Estudos dos Direitos da Cidadania (Cenedic) da USP, é autor, entre outros livros, de Por uma sociologia pública (São Paulo, Alameda, 2009), em coautoria com Michael Burawoy, e A nostalgia do fordismo: modernização e crise na teoria da sociedade salarial (São Paulo, Xamã, 2003). Na Boitempo, coorganizou as coletâneas de ensaios Infoproletários – Degradação real do trabalho virtual (com Ricardo Antunes, 2009) e Hegemonia às avessas (com Francisco de Oliveira e Cibele Rizek, 2010), sobre a hegemonia lulista, tema abordado em seu mais novo livro, A política do precariado: do populismo à hegemonia lulista. Colabora para o Blog da Boitempo mensalmente, às segundas.
Parece que São Paulo foi a cidade que mais sofreu repressão durante a ditadura militar 1964-1985 e agora as USP passando por esse problema…sou do Rio de Janeiro e não confio no Alckimin.Muitos governos e a poderosa mídia querem jovens inofensivos, ou que não protestam ou que protestam “de outras formas”, ou seja, que fiquem reclamando da vida na frente dos computadores.
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