Era o Benedito!

13.02.14_Mouzar Benedito_Era o BeneditoPor Mouzar Benedito.

Citei aqui recentemente Benedito Valadares, interventor em Minas de 1933 a 1945, que tinha fama de bronco e, segundo os gozadores, lendo um discurso que escreveram para ele, onde estava escrito “Minas é o celeiro do Brasil e quiçá do mundo”, leu “Minas é o celeiro do Brasil e cuíca do mundo”.

Prometi voltar a falar dele e volto agora. Já contei essa história em outros lugares, mas acho que vale contar aqui também.

Com o fim da ditadura getulista, em 1945, foram criados vários partidos, entre eles o PSD – Partido Social Democrático, nome que Gilberto Kassab espertamente garfou recentemente para sua criatura.

O PSD era conhecido como um ninho de raposas políticas, gente manhosa, esperta. E o PSD mineiro era expoente nisso, lá estava a nata desse partido. Fazia parte desse grupo, por exemplo, José Maria Alckmin (só que a pronúncia do nome Alckmin era com a sílaba tônica no final, “in”, e não Alckmin, como o do governador paulista que dizem ser parente distante dele).

O Alckmin mineiro, nascido em Bocaiúva, norte do estado, era do tipo que dava nó em pingo d’água. Tudo que acontecia de bom parecia ser obra dele, nada de ruim era atribuído a ele. Uma vez entrevistei o Betinho (Herbert Souza, irmão do Henfil), que também nasceu em Bocaiúva, e passou lá parte de sua infância, e ele contou que em 1947 ocorreu um eclipse total do sol e o lugar mais apropriado para cientistas estudarem o eclipse era Bocaiúva. A cidade se encheu de cientistas estrangeiros, além de jornalistas que poriam o nome Bocaiúva em evidência.

Betinho, então, ouviu dias depois, de um pessoal simples, que “O Alckmin é que arrumou esse eclipse pra nós”.

O PSD tinha um gosto especial pelo poder, e manobrava espertamente tudo o que acontecia para se manter nele. Em 1964, quando houve o golpe e puseram Castello Branco na presidência, os golpistas acharam que tinham que colocar um civil como vice-presidente, para dar um ar de que o regime implantado não era uma ditadura. E quem acabou ocupando o cargo? Algum político da UDN (União Democrática Nacional, que não tinha nada de democrático) que havia comandado a ala civil do golpe? Não… José Maria Alckmin tornou-se vice-presidente. Enquanto a UDN fazia escarcéu, o PSD manobrava.

Voltando ao Benedito Valadares, apesar da fama que tinha e ser personagem de um vasto folclore político, não tinha nada de burro. Tanto que ficou 12 anos no governo mineiro, enquanto em São Paulo, por exemplo, houve uma sucessão de interventores que duravam pouco. E ele escreveu alguns livros, entre eles o autobiográfico Tempos idos e vividos, tão bem escrito que muita gente suspeitava que o verdadeiro autor era Fernando Sabino, seu genro.

Além disso, despontaram no governo dele políticos que se tornaram célebres, como Juscelino Kubitschek, Gustavo Capanema e José Maria Alckmin. E seu secretário particular era o escritor Ciro dos Anjos.

Mas o folclore sobre ele, como disse, é vasto. Contam em Minas que, quando ele era interventor, houve uma série de acidentes de trem da Rede Mineira de Viação, e um relatório dos técnicos da empresa estatal informou que esses acidentes foram na grande maioria causados por descarrilamento do último vagão. No dia seguinte estava no Minas Gerais, diário oficial do estado, uma determinação de Valadares mandando tirar todos os últimos vagões dos trens.

Para manter proximidade permanente com o poder, ele só tinha elogios a todos os presidentes, e numa ocasião teria dito: “Melhor do que o atual governo, só o próximo”. Mas Valadares tinha também umas sacadas que se tornaram célebres, como a de ter dito a pessoas que o assediavam: “Estou rouco de tanto ouvir”.

A história a que quero chegar aconteceu – ainda segundo o folclore – em 1933, quando morreu Olegário Maciel, governador de Minas, e Getúlio Vargas deveria escolher um interventor para sucedê-lo.

Gustavo Capanema ocupava o cargo interinamente, e já era famoso como intelectual e como político que sabia se cercar de gente competente, independentemente de suas ideologias – tanto que mais tarde foi Ministro da Educação e Cultura e levou para o Ministério gente como Carlos Drummond de Andrade, Villa-Lobos, Vinícius de Moraes, Manuel Bandeira, Cândido Portinari, Cecília Meireles, e Lúcio Costa. – Era bem cotado para se manter no cargo.

Outro bem cotado e com grande torcida era Virgílio de Melo Franco, muito famoso e bem conceituado. E havia outros menos badalados.

Esses pretendentes todos foram para a capital federal, Rio de Janeiro, levando um monte de torcedores influentes que hoje seriam chamados de lobbistas, para tentar influenciar na escolha de Getúlio.

Benedito Valadares, dentista e deputado federal de pouca expressão, foi com essa leva toda, não para fazer lobby, mas para passear no Rio. Era um personagem muito conhecido na capital mineira, cidade pequena na época, mas principalmente como boêmio, bon-vivant.

Do Palácio do Catete veio a notícia da data e horário em que Getúlio anunciaria o nome do interventor, com transmissão direta pela Rádio Nacional – e em Belo Horizonte a expectativa era grande.

No dia e horário previstos, todo mundo em Belo Horizonte ouvia a Rádio Nacional, esperando o anúncio de Getúlio. Mas especialmente nesse dia, o rádio pegava mal, chiava. Enquanto isso, as apostas se dividiam entre Virgílio de Melo Franco e Gustavo Capanema.

Por fim o locutor anunciou:

– Vamos  sshhh – chiava o rádio – …agora …sshhh  …da República… ,,,sshhh… Vargas  sshhh… interventor sshhh… Gerais…

Falou mais um pouco sobre Getúlio e sobre o anúncio que ele faria. Em seguida entrou a voz de Getúlio entremeando com os mesmos chiados.

–… Mineiro… sshhh… interventor é… sshhh… Valadares.

Em Minas foi um espanto. Ninguém esperava isso. Quase ninguém sabia sequer que Valadares tinha ido para o Rio. E o pasmo fez muita gente perguntar a mesma coisa:

– Valadares? Valadares?… Mas será o Benedito?

E assim, contam os mineiros “antigos” surgiu a expressão que foi muito usada como sinônimo de coisa que ninguém esperava acontecer.

***

Mouzar Benedito, jornalista, nasceu em Nova Resende (MG) em 1946, o quinto entre dez filhos de um barbeiro. Trabalhou em vários jornais alternativos (Versus, Pasquim, Em Tempo, Movimento, Jornal dos Bairros – MG, Brasil Mulher). Estudou Geografia na USP e Jornalismo na Cásper Líbero, em São Paulo. É autor de muitos livros, dentre os quais, publicados pela Boitempo, Ousar Lutar (2000), em co-autoria com José Roberto Rezende, Pequena enciclopédia sanitária (1996) e Meneghetti – O gato dos telhados (2010, Coleção Pauliceia). Colabora com o Blog da Boitempo quinzenalmente, às terças. Hoje, após o carnaval, numa quinta.

2 comentários em Era o Benedito!

  1. Mouzar Benedito // 18/02/2013 às 1:39 pm // Responder

    Esqueci de colocar no artigo uma das mais célebres (e sacanas) frases de Benedito Valadares, válida até hoje na política brasileira, no exercício do poder: “Aos amigos, tudo; aos inimigos, a lei”.

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  2. Clovis Pacheco F. // 08/05/2016 às 9:58 am // Responder

    Uma das virtudes do Dito Valadares era a tolerância e o bom humor. Um dia, meu pai, que era repórter, estava presente em um banquete que Vargas ofereceu ao general Higinio Morínigo, ditador do Paraguai, e quando distribuíram os charutos – todo banquete daquele tempo tinha os charutos, na hora do café, e um em que Getúlio estivesse presente, mais ainda, obviamente – e meu pai, que era repentista, ao ver o interventor mineiro fumando havana, fez uma quadrinha: “Oh, como fede esse bruto!/ Oh, como fede o maldito!/ Não sei se quem fede é o charuto,/ Ou se quem fede é o Dito!” Mostrou a obra aos colegas da mesa da imprensa, e quando chegou nas mãos do dedo-duro Corifeu de Azevedo Marques – que desde sempre foi um tremendo bajulador, tanto que meu pai mudou seu nome para Fariseu -, foi correndo mostrar para o Dito, apontando meu Velho com o famoso dedo indicador que sempre agia em se tratando de prejudicar algum colega. Pois o Dito riu de gargalhadas, mostrou para o Getúlio e foi de braços abertos cumprimentar meu pai, pedindo-lhe que assinasse o texto, para ele levar para casa e mostrar para a esposa… Quando ao Fariseu de Azevedo Marques, o dito Dito nem olhou!

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