Crônicas de Berlim (22): O dia em que o mundo virou de cabeça pra baixo

Tag von Potsdam, Adolf Hitler, Paul v. HindenburgPor Flavio Aguiar.

Hoje, 30 de janeiro de 2013, faz 80 anos que Hitler foi chamado para formar o governo e exercer o cargo de chanceler – como se chama o ou a primeiro(a) ministro(a) aqui.

Até hoje me pergunto o que passava pela cabeça do Marechal Hindenburg, então presidente da Alemanha, ao cometer tal gesto, que viria a ser um dos maiores estrupícios da humanidade. Porque é fácil explicar Hitler com base nele mesmo. O duro é pensar nas pessoas que estavam ao redor. O que pensavam? Não me refiro a facínoras como Goebbels, Göring, Himmler et caterva. Me refiro aos demais, que pensaram demais ou de menos. Demais: Hitler era uma segurança contra o avanço comunista. De menos: ele seria passageiro, terminaria sendo ejetado do posto que ambicionava. Afinal, para aristocracia alemã, que ainda respirava o ar do fanado Império, ou para a classe política ascendente, ele era um mero “parvenu”, um “novo rico” do sistema eleitoral alemão…

Mas neste ano de 2013 comemoram-se vários aniversários em final 0. Ainda quanto ao nazismo, vai fazer também 80 anos que o Reichstag pegou fogo (27/2) e a culpa foi jogada sobre os comunistas. Em 22 de março daquele ano o governo nazista abriu seu primeiro campo de concentração, o de Dachau, perto de Munique. Não era um campo de extermínio de judeus. Era para os adversários políticos do nazismo, que lá eram torturados e assassinados, meio de acordo com a vontade dos carcereiros de plantão. Em 10 de maio do mesmo ano (1933) houve a macabra queima de livros na hoje Bebelplatz.

Avancemos dez anos: em 2 de fevereiro de 1943 terminava a Batalha de Stalingrado, segundo muitos a mais decisiva da Segunda Guerra, com a derrota e a rendição do 6º Exército alemão. Hitler deu – praticamente – ordens ao comandante, Friedrich von Paulus, para que se matasse, no que não foi obedecido, prova de que o 3º Reich de fato já se desfazia.

Avancemos mais ainda, mudando de registro. Dez anos depois, em 1953, em 5 de março, morria Josef Stalin, o ex-camarada Koba, e subia Nikita Kruschev, cujo nome até hoje me complico para escrever, Kruschev, Kruschov, Khruschohv, enfim, Nikita para os íntimos. Em 16 e 17 de junho daquele ano houve uma grande revolta dos trabalhadores de Berlim Oriental, protestando contra más condições e aumento das horas de trabalho, sem reajuste. O governo chamou os tanques soviéticos, e o resultado foi a morte de 153 manifestantes. Foi a primeira grande revolta popular contra a ocupação soviética na Europa do Leste, que seria seguida pelo levante húngaro de 1956. Consta que por causa dessa repressão violenta aos trabalhadores alemães o camarada Nikita defenestrou da direção do Partido Laurentiy Beria, um dos remanescentes da era Stalin, que terminaria fuzilado em dezembro daquele ano. A União Soviética dava a outra volta do parafuso.

Avancemos mais um pouco (depois voltaremos): em 1963 (junho), morria João XXIII. Seu sucessor, mais morno, Paulo VI, abriria o caminho (passando pela misteriosa morte de João Paulo I) para o longo reinado de João Paulo II, o apóstolo do fim do comunismo, e que abriu caminho para o apagado mas rígido Bento XVI. Já em novembro o assassinato de John Kennedy estarrecia o mundo – estupefação que dura até hoje, porque a explicação oficial não convenceu.

Ainda haveria muito o que falar. Allende, 1973, por exemplo. 1983, os Estados Unidos invadem Granada. O rivalíssimo Grêmio de Porto Alegre vence a Copa Toyota no Japão e se acha campeão do mundo… 1993: o primeiro ataque ao World Trade Center, em Nova Iorque, então recém inaugurado, prenuncia o de 11 de setembro de 2001. 2003: Lula toma posse como presidente em Brasília, para alegria de muitos e choro e ranger de dentes também de muitos.

Mas me fixo, agora, numa nota estritamente pessoal. Em 1953, em dia que não lembro, Getúlio Vargas fez sua última visita – em vida – a Porto Alegre. Desfilou em carro aberto e eu, com estes olhos que a terra um dia há de beijar, encarapitado sobre os ombros de meu pai, na Praça da Matriz, em meio a uma multidão incalculável, o vi passar, acenando para o povaréu…

***

Falta só 1 dia para o lançamento de Cypherpunks: liberdade e o futuro da internet, o primeiro livro de Julian Assange! O livro já está em pré-venda, com desconto, nas livrarias SaraivaCultura e Travessa.

***

Flávio Aguiar nasceu em Porto Alegre (RS), em 1947, e reside atualmente na Alemanha, onde atua como correspondente para publicações brasileiras. Pesquisador e professor de Literatura Brasileira da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, tem mais de trinta livros de crítica literária, ficção e poesia publicados. Ganhou por três vezes o prêmio Jabuti da Câmara Brasileira do Livro, sendo um deles com o romance Anita (1999), publicado pela Boitempo Editorial. Também pela Boitempo, publicou a coletânea de textos que tematizam a escola e o aprendizado, A escola e a letra (2009), finalista do Prêmio Jabuti, Crônicas do mundo ao revés (2011) e o recente lançamento A Bíblia segundo Beliel. Colabora com o Blog da Boitempo quinzenalmente, às quintas-feiras.

1 comentário em Crônicas de Berlim (22): O dia em que o mundo virou de cabeça pra baixo

  1. @esquerdacritica // 31/01/2013 às 1:23 pm // Responder

    A revolta de junho de 1953 na RDA não foi uma “revolta popular”. Causada, sem dúvida, pelo aumento do custo de vida, pelas dificuldades de um Estado que estava tentando construir o socialismo mas que era (e como sempre foi até a sua anexação pela RFA) submetido a um bombardeio constante de propaganda contrarrevolucionária, mas instrumentalizada pelos círculos dirigentes da RFA e diversos “serviços” americanos. Para quem lê o alemão, sugiro a série que está sendo publicada no diário marxista “jungeWelt” sobre o tema. Aqui o link para o primeiro artigo da série, https://www.jungewelt.de/2013/01-28/010.php

    Curtir

1 Trackback / Pingback

  1. Boletim Boitempo: A guerra de Assange | Blog da Boitempo

Deixe um comentário