A mercantilização da internet e das redes sociais

13.01.30_A mercantilização da internetPor Dênis de Moraes.*

 Em memória de Valério Cruz Brittos (1964-2012),
que partiu tão cedo demais.

No atual estágio do capitalismo, um dos eixos essenciais para a conservação da hegemonia econômica e mercadológica é a capacidade de acumulação financeira numa economia de interconexões eletrônicas. As chamadas “forças do mercado” atrelam sua vocação expansiva a apropriações do sistema tecnológico, em contínua integração de fluxos de altíssima velocidade, a um custo decrescente, e tendo por escopo a comercialização generalizada. Como se não bastasse sua ressonância nas máquinas midiáticas globais, a lógica do lucro que preside a expansão da forma-mercadoria a todos os campos de atividades se irradia por redes infoeletrônicas de alcance planetário.

A internet é um dos alvos mais cobiçados pelas corporações, que expandem seus tentáculos no ciberespaço em múltiplas direções: comércio eletrônico, publicidade e serviços pagos, exposições de marcas, patrocínios, jogos, produção de conteúdos audiovisuais e monitoramento de redes sociais para identificar tendências de consumo e comportamento, entre outros focos. Tudo isso à luz de sofisticadas estratégias e técnicas de comercialização, publicidade, marketing, criação e veiculação, cujo foco primordial – assumido mas jamais declarado – é a mercantilização dos espaços virtuais. Tais investidas reforçam a influência da ideologia do modo de produção capitalista nas linhas conformadoras do imaginário social, notadamente as que remetem ao consumismo.

O crescimento exponencial do número de pessoas conectadas está na base da corrida comercial para Facebook, Twitter, Youtube, Hi5, My Space, Daily Motion, etc., que congregam interesses afins e estimulam padrões de sociabilidade à distância, além de favorecer permutas de materiais audiovisuais (filmes, vídeos, músicas, fotos, jogos). Algumas dessas redes já estão entre as marcas mais supervalorizadas do mundo, o que ajuda a entender os vínculos com corporações: Facebook pertence à News; Orkut e YouTube, à Google; My Space, à Microsoft. Para adequar-se à economia multimídia globalizada, o gerenciamento das redes inclui alianças e parcerias com gigantes de informação e entretenimento (News, Time Warner, Viacom, Disney, Vivendi), tanto em conteúdos e eventos compartilhados quanto em campanhas publicitárias ou promocionais que exigem plataformas de grande visibilidade na Web e extensos cadastros de consumidores potenciais.

As atividades online e os históricos de navegação contribuem para expor os internautas a uma torrente de anúncios e pressões de consumo. A publicidade alastra-se pelas redes sociais. Dificilmente conseguimos acessar vídeos no YouTube disponibilizados pela indústria do entretenimento sem esbarrar, primeiro, em peças ou chamadas publicitárias. O mesmo sucede no Facebook, a cada dia mais empanturrado de anúncios, banners, patrocínios e campanhas, compulsoriamente inseridos na coluna lateral direita das páginas.

O rastreamento de usuários, com finalidades mercadológicas, se vale tanto de diretórios de buscas, que podem localizar interesses dos consumidores em determinados produtos ou serviços pagos, quanto do expediente de se clicar em banners ou anúncios online, acionando um sistema de acompanhamento e mensuração do nível de atenção às mensagens. Pelo menos 260 de 500 corporações pesquisadas pelo consultor de e-branding Dan Schawbel monitoram hábitos e preferências de consumo através de análises de acessos a sites, downloads de vídeos e músicas e rss feeds (avisos por e-mail de atualizações das páginas preferidas e reunidas em uma única tela). (1) A utilização de dados fornecidos pelos próprios usuários, de maneira voluntária e inconsciente, revela-se crucial para conectar, de maneira mais rápida e eficaz, anunciantes a consumidores. Informações pessoais, nomes de amigos, localização geográfica, gostos e preferências de consumo são facilmente obtidos em perfis, fotos e interações.

No segundo semestre de 2012, informações sobre 900 milhões de adeptos do Facebook começaram a servir para comparar comportamentos dentro da rede social com os hábitos de consumo fora do ambiente online. A empresa de “mineração de dados” Datalogix faz pesquisas sobre os produtos que as pessoas compram em lojas físicas e cruza as informações obtidas com os perfis na rede social. O objetivo é simples: provar o grau de influência dos anúncios e atrair a atenção da publicidade para o negócio que movimenta mais de US$ 3,7 bilhões por ano. De acordo com informe divulgado pelo Facebook, em 70% dos casos, cada US$ 1 gasto em publicidade na página gera US$ 3 de lucro nas vendas. (2)

A explosão de acessos desencadeada, em boa parte, pela popularização de smartphones, comprova a influência desse tipo de mídia nos hábitos de navegação e de consumo. De acordo com pesquisa realizada nos Estados Unidos pelas consultorias Nielsen e NM Incite, o tempo total gasto em redes sociais, em 2012, aumentou 37%, em comparação ao ano anterior. Os dados revelaram ainda que internautas utilizam até 30% do tempo online em sites como Facebook, Twitter, YouTube, LinkedIn, Instagram e Pinterest, chegando a passar 121 bilhões de segundos por mês conectados a eles. Nos Estados Unidos, 44% dos que possuem tablets e 38% dos que têm smartphones usam seus dispositivos para acessá-los enquanto assistem TV. (3)

Para se diferenciar dos sites convencionais, as redes sociais reúnem, dentro de um mesmo espaço virtual, diversas funcionalidades, que mantêm os usuários entretidos e conectados por mais tempo. O especialista em mídia digital Celso Fortes, analisa que, em uma situação extrema, muitas pessoas não sairão mais da rede social para quase nada. “Se ele conseguir pagar as contas, comprar produtos, ler as novidades dos amigos, trocar mensagens, não vai precisar sair das mídias sociais. E o anunciante vai gostar muito disso”. (4) A proposta também agrada investidores, patrocinadores e políticos, que oferecem ao internauta, de forma simultânea e sutil, uma série de aplicativos, produtos e serviços, aproximando-os, assim, de pessoas, marcas e eventos.  É caso do Twitter (200 milhões de usuários ativos por mês), que se tornou uma eficiente ferramenta de divulgação de grandes eventos. Durante os Jogos Olímpicos de Londres, por exemplo, 150 milhões de tweets mencionaram o megaevento.

A circulação de páginas empresariais dentro do Facebook vem atraindo anunciantes globais. A Coca-Cola lançou uma página para o refrigerante Sprite com o jogo “Sprite Sips”, que permite ao internauta interagir com um pequeno personagem animado. À medida que seus amigos entram na rede, automaticamente aparecem pequenos alertas de textos. Sprite passa a ser “experimentado” por outros integrantes do grupo.

Os milhões de cadastrados no Facebook também podem participar das páginas de marcas, acrescentando avaliações, fotos e sugestões, assim como já fazem nas páginas de seus amigos. A próxima etapa é monitorar hábitos culturais (compra de entradas de cinema, download de músicas on line etc.), o que valerá alertas automáticos de textos para que seus amigos tomem conhecimento e, eventualmente, decidam fazer o mesmo e recomendem a outras pessoas. (5)

Sem falar que os administradores se apressam em disponibilizar páginas em diversos idiomas e com conteúdos regionais, intensificando adesões e agregando anunciantes e patrocínios. O conteúdo para os portais é produzido por equipes locais, da mesma forma que as parcerias comerciais são firmadas com empresas de cada país.(6)

Não por acaso, The Economist batizou de “santo graal” do mundo virtual a interação entre marcas e usuários nos ambientes de compartilhamento de redes sociais. O diferencial expressivo é que as redes oferecem outras possibilidades exploratórias dos recursos multimídias. Não se trata de uma interpretação particular sobre a apropriação mercantil das redes; são as próprias corporações que se incumbem de alardear o novo Eldorado para transações lucrativas. É o que se lê na página de Facebook em espanhol: “Ter visibilidade e presença na Internet envolve muitos fatores. Ter um lugar no Facebook te oferece uma vantagem extra sobre teus competidores, porque, além de te permitir levar grande quantidade de tráfego até tuas páginas na Web, estarás em contato com clientes, provedores e pessoas interessadas em fazer negócios contigo.”

Da mesma forma ocorre com o Twitter, que deixou de ser simplesmente um ambiente de sociabilidade para transformar-se em ferramenta virtual para novos modelos de negócios e marketing corporativo, favorecendo, com conexões instantâneas entre empresas do mercado financeiro, acionistas, investidores e especuladores. O lema do Twitter reproduz a obsessão de encurtar, comprimir, controlar, explorar e condicionar o tempo e as circunstâncias de vida: “Compartilhar e descobrir o que está acontecendo agora mesmo, em qualquer parte do mundo”. Em 140 caracteres por post e sem limites na quantidade de atualizações. Nada há de casual entre o boom de publicidade e acordos comerciais conseguidos pelo Twitter, obviamente motivados por seu espantoso crescimento de mais de seis milhões de adesões por mês. (7) Hi5 é ainda mais enfático ao expor em sua página as vantagens a clientes corporativos, especialmente para seduzir consumidores jovens, que constituem a maioria dos usuários: “Mediante a combinação de inovadoras opções criativas com as potentes técnicas de marketing viral, Hi5 é a maneira mais criativa com as potentes técnicas de marketing viral, Hi5 é a maneira mais eficaz para penetrar no mercado mundial da juventude, ao mesmo tempo em que reforça sua identidade de marca única”.

Pelo exposto, o termo “redes sociais” é impreciso e insuficiente para definir o que acontece atualmente no ecossistema virtual. Devemos reconhecer e sublinhar as aberturas, funcionalidades e perspectivas introduzidas pela internet, desde os serviços públicos online às novas dinâmicas de informação, difusão, expressão cultural, experimentação estética, sociabilidade, interação, intercâmbio, pesquisa, identidade, ativismo político, trabalho, metodologias educativas e práticas colaborativas. Mas não podemos ceder à celebração do mundo virtual como suprema relíquia, desprovida de contradições e disputas em sua utilização no meio social. Cabe também analisar o outro lado da moeda: a sua ocupação indiscriminada a soldo da financeirização da vida e da reificação das relações humanas.

Daí a necessidade de jogarmos um facho de luz sobre a complexidade e as contradições de tais ambientes. Significa desvelar e avaliar criticamente a avalanche mercantil que, livre de qualquer forma democrática de regulação por interesse público, social e coletivo, vem facilitando enormemente a apropriação da rede mundial de computadores por incisivas ações empresariais em busca de rentabilidade, lucratividade e dividendos competitivos.

* Amplio e desenvolvo neste texto questões abordadas em meu livro Mutaciones de lo visible: comunicación y procesos culturales en la era digital (Buenos Aires, Paidós, 2010). Agradeço a colaboração de Lívia Assad de Moraes na pesquisa.

Notas

(1)  Dan Schawbel, “E-branding becomes mandatory for surviving the digital age”, Brandchannel, 30 de junho de 2008, disponível aqui. Pesquisa da consultoria Deloitte revelou que, em 2012, 70% das empresas brasileiras estavam presentes nas mídias sociais. Destas, 83% confirmaram que a participação nas redes tinha como objetivo a divulgação de seus produtos e serviços. Ver Luiza Xavier, “Empresas ‘curtem’ perfis dos consumidores nas redes sociais”, O Globo, 24 de setembro de 2012.

(2)  Geoffrey A. Fowler, “Facebook tenta lucrar vendendo dados de usuário”, The Wall Street Journal/Valor Econômico, 3 de outubro de 2012.

(3)  Carlos Alberto Teixeira, “Com as redes sociais, mudança foi radical no uso da internet”, O Globo, 31 de dezembro de 2012.

(4)  Celso Fortes citado por Carlos Alberto Teixeira, “Com as redes sociais, mudança foi radical no uso da internet”, O Globo, 31 de dezembro de 2012.

(5)  The Economist, 13 de novembro de 2007.

(6)  Últimas Notícias, 26 de abril de 2007, disponível aqui

(7)  O estudo sobre o crescimento do número de usuários do Twitter está disponível em: aqui.

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Dênis de Moraes é doutor em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1993) e pós-doutor pelo Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales (CLACSO, Argentina, 2005). Atualmente, é professor associado do Departamento de Estudos Culturais e Mídia da Universidade Federal Fluminense e pesquisador do CNPq e Cientista do Nosso Estado da FAPERJ. Foi contemplado em 2010 com o Premio Internacional de Ensayo Pensar a Contracorriente, concedido pelo Ministerio de Cultura de Cuba e pelo Instituto Cubano del Libro. Autor de mais de 25 livros publicados no Brasil, na Espanha, na Argentina e em Cuba. Pela Boitempo, publicou Mídia, poder e contrapoder: da concentração monopólica à democratização da informação (2013) e O velho Graça: uma biografia de Graciliano Ramos (2012). Colabora com o Blog da Boitempo mensalmente, às quartas.

1 comentário em A mercantilização da internet e das redes sociais

  1. Facebook pertence a Facebook, Inc., ou seja, não pertence a nenhuma outra grande corporação de mídia.
    O MySpace, que está praticamente falido e funciona hoje como um nicho para bandas divulgarem seus trabalhos, é que pertence a News Corp.

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