O comunista Oscar Niemeyer
Por João Alexandre Peschanski.
No início de agosto, lá em 2005, veio a confirmação: Oscar Niemeyer me concederia uma entrevista no fim do mês. À época, trabalhava no semanal Brasil de Fato, pelo qual, me informava por telefone um dos funcionários do escritório do arquiteto, Niemeyer tinha grande simpatia. A ideia da entrevista era de um amigo, liderança do MST no Rio de Janeiro, e eu, talvez porque não estivesse muito confiante de que daria certo, havia topado. Niemeyer colaborou em várias oportunidades com o MST e, por isso, contava-me seu funcionário pelo telefone, estava entusiasmado. E eu, com menos de cinco anos de formado, aterrorizado!
Pensei: Não se entrevista o Niemeyer como se pega uma aspa de um político ou militante sobre a reforma agrária, os rumos da economia. Fui estudar. Fichei livros de arquitetura, conversei com arquitetos, vasculhei a arquitetura moderna e seus críticos, li as repercussões das construções modernistas nos mais variados campos científicos, da sociologia à saúde pública. Quando tomei o ônibus para o Rio, acompanhava-me meia dúzia de livros, que revisei cuidadosamente.
Quando cheguei, trinta minutos antes do combinado, em frente ao escritório do Niemeyer, no último andar de um pitoresco prédio na orla de Copacabana, revisava num papelzinho a ordem das perguntas que pretendia fazer, últimos retoques de um roteiro de entrevista que preparara por quase um mês. Subi. Esperei, já no escritório, a chegada do dirigente do MST e da Taís Peyneau, a fotógrafa. Nas paredes, aparentemente feitos à mão desenhos e rascunhos do arquiteto. A vista em ziguezague do mar, das janelas projetadas por Niemeyer. Funcionários, serenos, ocupados, debruçados sobre croquis e plantas. Assim que chegaram todos, fomos a uma sala privativa, prateleiras cheias de livros, alguns quadros e retratos.
“Vocês aceitam uma água de coco?” Todo de branco, misturando-se a meus olhos com as paredes do apartamento; era do Niemeyer a primeira pergunta. Estava sentado, com um boné do MST sobre o colo, que esfregava com os dedos. Pôs a mão no meu rosto; “Bem-vindo”. Sentia no meu bolso o papelzinho com as perguntas sobre Brasília, a sede do Partido Comunista Francês, o Memorial da América Latina. Lembrei do experiente jornalista José Arbex Jr., meu professor na faculdade, que um dia me confessara não saber o que perguntar ao Niemeyer, para uma entrevista coletiva organizada pela Caros Amigos.
Niemeyer conversou uns minutos com o dirigente do MST. A Taís fotografava: as mãos, um rascunho sobre a mesa, os livros, o arquiteto. Era minha vez. Mas… Foi Niemeyer quem falou: “Não vamos começar com a arquitetura. Falar de arquitetura é uma merda. Vamos falar de política. Você sabe, sou comunista”. E, por mais que minha inocência me tenha levado a fazer algumas perguntas sobre arquitetura, já quase no fim da entrevista, falamos de política.
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A entrevista está na íntegra aqui; segue uma pequena seleção das ideias desse militante comunista. Niemeyer faleceu em 5 de dezembro de 2012, no Rio de Janeiro, aos 104 anos.
BF – Apesar da queda do muro de Berlim, da dissolução da União Soviética e, agora, da crise do PT, o senhor continua a ser comunista. De onde encontra motivação?
Oscar Niemeyer – Deste mundo de pobres que nos cerca e até hoje espera por uma vida melhor.
BF – O comunismo é a solução?
Oscar Niemeyer – O comunismo resolve o problema da vida. Faz com que a vida seja mais justa. E isso é fundamental. Mas o ser humano, este continua desprotegido, entregue à sorte que o destino lhe impõe.
BF – O senhor concilia arquitetura e comunismo, que parecem distantes…
Oscar Niemeyer – A vida é mais importante do que a arquitetura. A arquitetura não muda nada, mas a vida pode mudar a arquitetura.
BF – Na arquitetura, o senhor está trabalhando em algum projeto que traduza sua visão atual do Brasil e do mundo?
Oscar Niemeyer – Se eu fosse jovem, em vez de fazer arquitetura, gostaria de estar na rua protestando contra este mundo de merda em que vivemos. Mas, se isso não é possível, limito-me a reclamar o mundo mais justo que desejamos, com os homens iguais, de mãos dadas, vivendo dignamente esta vida curta e sem perspectivas que o destino lhes impõe.
BF – A arquitetura não tem função social?
Oscar Niemeyer – Deveria ter. Mas, quando ela é bonita e diferente, proporciona pelo menos aos pobres e ricos um momento de surpresa e admiração. Mas quanto lero-lero! Na verdade, o que nós queremos é a revolução.
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João Alexandre Peschanski é sociólogo, coorganizador da coletânea de textos As utopias de Michael Löwy (Boitempo, 2007) e integrante do comitê de redação da revista Margem Esquerda: Ensaios Marxistas. Colabora para o Blog da Boitempo mensalmente, às segundas.
Oi. Gostei bem do texto. Legal!
Recomendo esse projeto e aproveito para deixar aqui:
https://www.arqui.by/costaveras-arquitetos/residencia-dona-marli
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